Frei Fidalgo e o 13 de Janeiro
Ponto de Vista

Frei Fidalgo e o 13 de Janeiro

O Frei Fidalgo de Barros concedeu, nesta data, uma entrevista ao Jornal (?) O País, tecendo considerações sobre o 13 de Janeiro. Durante a entrevista, aquele “ungido de Deus” vergastou no PAICV e no seu então governo demonstrando, ainda guardar, alguma mágoa/ódio desde os anos de 1980 após deixar de ser deputado nacional do PAIGC. Como omitiu (o que tem feito ao longo dos tempos),parte da sua história contrariando o seu dever de pastor para com as suas ovelhas, fiz um comentário informando aos jovens frutos do 13 de Janeiro de 1991, que o entrevistado foi, é (?),político e filho legítimo do PAIGC/CV.

O jornaleco O País querendo proteger seu entrevistado especial de possíveis beliscaduras que o meu comentário eventualmente o poderia provocar, optou por, pura e simplesmente, não publicar o meu comentário como se nele constasse alguma frase ou palavra ofensiva, ou obscena.

Em face disso, para o devido e necessário esclarecimento, faço republicar uma carta aberta por mim endereçada ao referido sacerdote em 2001, com vista a que esses jovens e não só conheçam o passado político recente dele, que por razões que a razão desconhece sempre o omite quando fala e/ou escreve.

«Exmo. Senhor

Director do Jornal Terra Nova

Frei António Fidalgo de Barros

“OH! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união”. Salmos 133-1. Se puder contribuir para isso, ”do it”

Praia, 19 de Março de 2001

Há dez anos que esporadicamente leio o jornal Terra Nova e atrai- me sempre a atenção o seu editorial de que V.Ex.ª é subscritor. Durante esses anos tenho matutado muito a propósito do que vem escrevendo sobretudo a sua opinião expressa praticamente no editorial de cada número do seu jornal, sobre o PAIGC/CV e seus principais dirigentes, dos governos formados por aquele partido e sua postura e comportamento durante os 15 anos que governaram Cabo Verde.

Notei tanto ódio da sua parte que a princípio pensei ser uma reacção passageira e que talvez fosse fruto de alguma frustração, porventura sentida por V.Exª., por o PAIGC não mexido nenhuma palha em 1975, de modo a proporcionar a sua nomeação para Bispo de Cabo Verde ou não o ter indicado para o cargo de Primeiro Ministro ou quiçá Presidente da República.

Esse ódio, senhor reverendo, ao contrário do que pensei, não terminou; aumentou e com tal virulência que não lhe deixa sequer refletir que está a ultrapassar todos os limites do razoável, não se importando mesmo de conspurcar a democracia que tanto propala e legitimamente defende, ignorando até a sua condição de ministro da igreja católica, pastor de almas, incumbido por Deus de unir os homens e indicar-lhes o caminho certo para alcançarem a vida eterna.

Como cristão, sinto-me neste momento, depois de ler editorial dos dois últimos números do jornal que dirige, os de Janeiro e Fevereiro deste ano, nos quais pôs de rastos o governo

do PAICV, liderado pelo Dr. José Maria Neves e o Presidente da Republica eleito, Comandante Pedro Pires.

Já se deu conta, senhor Padre, que está a desrespeitar dois dos órgãos da soberania, legitimamente e democraticamente eleitos, só porque emanaram de um partido que deixou de merecer a sua graça?

Esse seu procedimento durante estes anos obriga-me a lembrar-lhe o seu passado político durante o lapso de tempo em que estivemos na mesma trincheira, o PAIGC, para lhe recordar que esconder a vítima não invalida o crime.

Portanto, o senhor colaborou em todo esse processo!

Efetivamente, senhor Padre, tenho o (des) prazer de lembrar-lhe a si e fazer saber aos jovens de 25/30 anos, que em 1974 /75 quando chegou a Cabo Verde/Ilha do Fogo, logo alcandorou-se às fileiras do PAIGC, o senhor disse na altura, em jeito de informação, que já militava nesse partido na clandestinidade, na Itália, onde estudou passando a ser o seu militante ativo, conhecendo e concordando, por isso, com o documento/guia de que todos os militantes deviam seguir, documento no qual Amilcar Cabral, em síntese, definiu as prioridades para a Guiné e Cabo Verde para o antes e o póst independência e que era conhecido por: Programa Menor e Programa Maior do PAIGC. O senhor militou com tanta seriedade, responsabilidade e amor que acabou por se catapultar, como disse, a membro da Direcção regional do PAIGC do Fogo, responsável pela área da INFORMAÇÃO, e mais. Vir a ser proposto a candidato a deputado a Assembleia Nacional Popular, proposta que aceitou,

acarinhou e até “brufou” a ponto de ser eleito em Junho de 1975 deputado pelo círculo de nossa Senhora da Conceição, sendo certo que exerceu esse cargo até o fim do mandato, em 1980.

O senhor Padre deve estar a lembrar que sendo eu então primeiro responsável do PAIGC no Fogo, comandava aquele Sector:

Eu, como primeiro secretário e os membros. O senhor Zuca, o Pedó, o Muni, o João Rosário, o senhor Padre Fidalgo, VOSSA EXCELÊNCIA e o Padre Paulino, todos membros da equipa que hoje, na sua óptica, desgovernava a ilha do Fogo, pois que nós funcionávamos na base do artigo 4º da antiga Constituição que o senhor, eu e todos os deputados aprovamos de pé e por aclamação. Lembra- se da área da sua responsabilidade? DU KALÂ

Lembra-se, senhor Padre, Fidalgo de em 1975, logo depois da Independência, o senhor e o Padre Paulino terem programado uma reunião com jovens de São Lourenço para lhes dar a conhecer os objetivos do governo do PAIGC, acabado de tomar posse?

Lembra-se, meu caro Padre Fidalgo, da “brilhante” ideia que tiveram de fazermos a reunião mesmo no salão paroquial da igreja e a justificação?

Fazer sentir aos outros padres estrangeiros que lá estavam, que “agora somos nós os donos da nossa terra! MUNDU E DUEDU, NHU PADRE!

Lembra-se, senhor Padre Fidalgo, de que fomos nós os então deputados do PAIGC que tivemos a (des)honra de pertencer, que legislamos e aprovamos todas as Leis que agora diz serem repressivas, de salientar as que criaram: as milícias populares, os tribunais de zona, a Lei da reforma agrária, a L:O:P:E, o regimento da Assembleia Nacional Popular, sendo esta última a que define a actuação do deputado nas reuniões da Plenária. Por ironia do destino o Senhor foi membro da comissão encarregada de coordenar, orientar e reunir os pontos de vista avançados pelos diversos deputados para servirem de base a um projeto definitivo desse regimento da ANP. Portanto, senhor Padre, o senhor teve, (tem), muita responsabilidade na feitura das Leis, acoberto das quais, segundo os escritos, o PAIGC/CV e seus governos oprimiram os cabo-verdianos.

Deve estar a lembrar que os deputados tinham todo o direito e o dever, aliás salvaguardados no seu/nosso então regimento, de dizer tudo o que sentiam, bem ou mal, e o senhor NUNCA ter posto em causa nenhuma das Leis que agora diz “opressoras”e nem sequer ter votado contra. Só estes factos deveriam levar V.Exª a praticar um ato de contrição público, ou ficar calado. Antes de apontar a poeira no olho do teu vizinho, tira a “lasca  di pó”no teu. Não é assim que ensinam?

Para refrescar-lhe a memória passo a transcrever excertos de algumas intervenções suas no plenário da ANP.

“Para mim o problema é o seguinte: … naquela altura havia muita confusão à volta da distribuição ou não distribuição, à volta de quem tinha a prioridade. Houve uma verdadeira corrida, podemos dizer, para as casas que eram em número reduzido. Portanto houve necessidade de disciplinar a sua distribuição com uma certa força.

Portanto este decreto surgiu duma necessidade de disciplina e de dar uma certa força e não com objetivo de privilegiar esse ou aquele grupo ou essa ou aquela camada, mas acontece que o decreto foi executado e podemos mesmo dizer que o artigo tinha por objetivo executar uma certa coisa e depois de executado perdeu uma certa força”, Fim de citação.

Esta intervenção vem na sequência de uma celeuma levantada sobre a distribuição de casas do Estado, cujo critério utilizado muitos deputados não concordavam...

Outra intervenção sua aquando da aprovação dos símbolos nacionais:

“Eu acho que a nossa gente não conhece o hino nacional de Cabo Verde. Quer dizer, os estudantes já começaram a conhecer, mas a massa não conhece…talvez conhece o hino mas não conhece o hino com as palavras! De modo que eu sugiro que o secretariado da Assembleia faça alguma coisa nesse sentido, para que haja maior difusão do hino não só a música, mas a música e as palavras”. MUNDU E BENBA ME NHU PADRE.

Outra intervenção dirigida ao senhor Presidente da ANP:

“Ao vir para a V sessão da Assembleia Nacional Popular prometi a mim mesmo cumprir um dever de consciência logo que uma oportunidade se me oferecesse.

Durante a sua importante comunicação

Na sessão de abertura dessa assembleia o camarada Presidente da República fez uma oportuna referência aos principais artífices da reconstrução nacional que são os trabalhadores, sobretudo do campo que na nossa terra, malgrado a violência da seca, encontram-se também engajados no combate violento contra a seca construindo milhares de diques, plantando árvores, defendendo, portanto, o nosso solo. Pois queria afirmar que não só na área do meu círculo eleitoral como também em toda ilha do fogo tudo isso é uma verdade patente, deixando de lado todo o negativo espirito regionalista devo afirmar que o trabalhador foguense cada dia que passa demonstra mais firmeza em dizer não ao espirito do “apoio”.

Há por exemplo a ilha de Santiago, sobretudo em ambientes urbanos onde se tem verificado casos não simplesmente de 8 horas de trabalho, mas mesmo caso de 8 horas fora de trabalho. Isto, nós temos de verificar com satisfação que no Fogo não acontece mais e deve ser motivo de prazer para todos nós porque é uma vitória de Cabo Verde.

O caso do Fogo não é o único mas isso não impede que se louve os trabalhadores Foguenses, mais ainda é de realçar que está dando tudo o que pode durante as 8 horas de trabalho também, tem dado provas de grande sacrifícios percorrendo a pé 5 e 8 quilómetros para comparecer nos locais de trabalho isso, sobretudo, no cumprimento do programado de 1976/77.

O resultado de todo o seu esforço não é um mistério para ninguém e nós convidamos todos os Camaradas Deputados que queiram visitar a ilha do Fogo para verificarem tudo isso. Portanto, o nosso Governo não pode ter receio como até agora não tem tido de investir os fundos de que dispomos para os projetos de desenvolvimento da ilha do Fogo.

Permita-me, pois, Camarada Presidente render homenagem ao trabalhador Foguense e não só este, mas também a todos os trabalhadores das outras ilhas que neste momento se comportam do mesmo modo”. – QUEM DIRIA!

Outra intervenção sua “ … quis tomar a palavra, em primeiro lugar, para manifestar a minha satisfação pelo bom andamento desta VI sessão legislativa da ANP. As várias intervenções que tiveram lugar no decorrer desta semana demonstraram que a nossa Assembleia está tomando consciência da sua função e do seu papel. É verdade que as intervenções, algumas vezes poderão ter sido inoportunas, como disse o Camarada Pedro Pires, mas aqui vale também o princípio de que errando é que aprende. Por outro lado certas intervenções a cerca de assuntos não bem aprofundados têm os seus efeitos positivos porque provocam intervenções importantes e já oportunas como a do Camarada Pedro Pires ontem, a tarde, na sua qualidade de Chefe da equipa Governamental, e assim a nossa Assembleia vai de facto aprendendo e cada sessão legislativa apresentará um passo em relação às outras precedentes … eu não estou de acordo em classificar como alguém fez ontem, a nossa situação de caótica. … Infelizmente, muitas vezes defendemos o povo com a boca mas o nosso coração está longe do povo e quando é assim mesmo que as nossas palavras sejam para defender as massas são palavras desumanas porque de facto não sofremos com o povo”…

Magister Dixit! Que incongruência Sr. Padre! Compare o conteúdo deste ultimo paragrafo com a sua intervenção anterior.
“Oche pa sim, manhã pa não, outramanhã pa nunca mas”

Por tudo isto Senhor Padre, sou de opinião de que o Sr. está a tentar dividir os Cabo-Verdianos, sobretudo os católicos pois, o número de votos que as duas entidades sobre a sua mira obtiveram nestas últimas eleições ilustram a saciedade que não provieram só dos não católicos. São votos praticamente dos mesmos eleitores que em 1991 votaram MPD e Mascarenhas Monteiro e que tantos elogios mereceram da sua pena para agora, na sua optica, regredirem, a ponto de escolherem uma outra via que o Sr. tanto detesta e contesta.

“ Noti cu kandia é bunitu, dia cu neboa é triste”

Utilize, Sr. Frei, o seu hábito, a sua pena e a sua voz para o bem deste povo, para coisas nobres, como perdoar, ensinar o bem, incentivar os outros a pratica-los que assim estará a cumprir os Mandamentos da Lei de Deus que presumo ter jurado cumpri-los.

Em não os fazendo, as pessoas podem concluir que as sábias palavras da Bíblia, a seguir transcritas, foram profeticamente dirigidas, a pessoas com comportamento idêntico ao seu.

“ Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má e seu fruto mau. Porque pelo fruto se conhece a árvore”.

“Raça de víboras como podeis vós dizer boas coisas sendo maus? Pois o que há em abundancia no coração, disso fala a boca”.

“ O Homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro, e o Homem mau do mau tesouro tira coisas más”.

“Mas eu vos digo que toda a palavra ociosa que os Homens disseram hão de dar conta no dia do juízo”.

“Porque por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado”. Lucas 6 - 43 – 45.

A terminar, sugiro-lhe falar e ouvir a opinião de algum psicólogo ou psiquiatra e que confie nesses riscos que teme que o país pode correr. Afinal não estaremos a viver num mundo com conspiradores encapuzados de padres?

Cristãmente e Caboverdianamente»

Olimpio Varela

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