Foi uma experiência que exigiu de mim princípios, valores e comportamentos, hoje muito presentes nas atitudes e rigor com que encaro os desafios da vida. Refiro-me à minha passagem pelas Forças Armadas de Cabo Verde, instituição cujo impacto na minha formação identitária e profissional é evidente. Cioso das referências que esta instituição castrense impregnou no meu perfil cidadão, em jeito de testemunho, incito reflexões sobre uma das facetas que as Forças Armadas tiveram na sociedade cabo-verdiana pós independentes - “A Educadora”!
Com apenas dezasseis anos de idade, no dia 14 de novembro de 1981, um sábado, à tardinha, cheguei ao Centro de Instrução Político-militar, tradicionalmente conhecido por CIPM, Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde. Desorientado e muito intimidado, devido às incertezas que me aguardavam como novo instruendo militar, isto é, recruta, juntamente com outros colegas jovens, nessa altura, “camaradas”, de todas as ilhas habitadas do arquipélago, começou o meu percurso militar, um percurso verdadeiramente estimuloso que direcionou a minha vida e futuro.
Entrei na tropa como voluntário, um voluntariado “especial”, encorajado pelo então Primeiro-Ministro e Comandante de Brigada, Pedro Pires. Esse percurso militar foi crucial na formação da minha identidade profissional, talvez, porque “[a] disciplina militar [consistiu] num conjunto de normas especificas, cujo acatamento, observância rigorosa e respeito se [impunha] aos militares em virtude das particularidades do serviço militar, da necessidade de uma forte coesão interna da instituição militar e da permanente disponibilidade para assegurar a defesa nacional pela força das armas, com todos os riscos inerentes, incluindo o sacrifício da própria vida.”
Durante o período de recrutamento que foi muito intenso, éramos perto de 520 instruendos e eu era o mais jovem de todos. Os demais tinham entre 18 e 21 anos de idade. Eu pertencia à Quinta Companhia. Era uma companhia que tinha os seus problemas “essenciais”, mas éramos instruendos assíduos, com rigor e zelo e dispostos a sacrificar as nossas vidas em defesa da nossa nova e soberana nação. Afinal, Cabo Verde tinha apenas seis anos como nação independente e havia uma tensão meia declarada entre a Guiné Bissau e Cabo Verde por causa do Golpe do Estado na Guiné Bissau.
Os instrutores, de uma forma geral, eram militares idóneos e líderes convictos. Treinaram-nos com eficácia e deram-nos “o que tinham para dar” conforme me alerta um colega. Eram homens ousados que acreditavam na causa e formação pessoal de cada instruendo.
As Forças Armadas de Cabo Verde incutiram em nós o sentido de respeito, valia, dever e patriotismo. No meu caso pessoal, os meus setecentos e oitenta e três (783) dias, ao serviço da nação cabo-verdiana, como instruendo, soldado e sargento, moldaram o meu futuro e percurso de vida. Entrei miúdo e saí adulto, com maturidade, pronto para enfrentar novos desafios da vida e assim fiz.
Por isso, hoje, como resultado, para além do meu grau de Doutor em Liderança Educativa, possuo vários outros graus académicos e profissionais. Atualmente sou académico e docente nos Estados Unidos onde exerço as minhas funções a nível do ensino superior e ensino publico. E, como professor no ensino superior, já orientei mais de 30 dissertações e teses de doutoramento e mestrado em várias áreas relevantes para o desenvolvimento.
É preciso que muitos entendam que pelas Forças Armadas de Cabo Verde, desde a sua fundação, uma verdadeira escola de valores e virtudes, como relevo na formação patriótica, passaram vários indivíduos que foram chamados jovens às fileiras. Muitos desempenharam, desde primeira hora, e ainda outros ainda hoje desempenham altas funções em ou a favor de Cabo Verde. As FACV sempre foram e continuam a ser uma organização inspiradora e fator de coesão nacional, respeito pela sociedade e órgãos da soberania nacional. Sendo assim, ouso dizer que investir nas FACV deve ser considerado um investimento com rendimentos palpáveis e não despesas e fundos perdidos. Eu e muitos outros somos a prova e testemunho vivo da capacidade e importância das Forças Armadas de Cabo Verde.
Ao concluir este pequeno relato, desejo muito sinceramente, apresentar o meu eterno agradecimento a todos que serviram às Forças Armadas de Cabo Verde, particularmente, os colegas da Segunda Incorporação de 1981, à liderança (instrutores, monitores e os invisíveis) que participou na minha formação militar, sem exceção, e que as Forças Armadas de Cabo Verde, como instituição continue a ser útil à nossa sociedade. Ao Comandante Pedro Pires, obrigado pelo encorajamento! E, para todos aqueles que direta ou indiretamente lutaram pela independência e democracia de Cabo Verde, um grande obrigado.
*Docente e académico nos Estados Unidos e ex-Sargento das Forças Armadas de Cabo Verde
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