Danielle da Veiga Gonçalves fez 14 anos de idade ontem, dia 8 de Fevereiro de 2020. Reside na localidade de Simão Ribeiro, arrabalde da cidade da Praia, numa casa, se é que é digno chamar-lhe «casa», composta por um único compartimento, assaz pequeno, sem cozinha nem casa de banho, sem mesa nem cadeiras, albergando apenas como recheio, uma cama, uma mesa-de-cabeceira e uma ventoinha que, acredito, seja o empréstimo de algum amigo de coração angelical.
E é sobre essa cama solitária que quatro olhinhos dormentes, numa promiscuidade impingida, saboreiam o doce sono, embora pouco colorido durante a noite medonha. É aí que dormitam a Danielle e a sua mãe Élida Sofia da Veiga Gonçalves, uma jovem mãe, solteira, iletrada e desempregada.
A um canto destaca-se um kapin-gaz com ténue labareda sob uma caçarola onde a Idalina da Veiga Semedo, avó da Danielle, prepara qualquer coisa para a consolação do imolado estômago. Pois, ela faz biscates em casa de patroas, limpando, lavando a roupa e passando a ferro, ganhando algum tostão que lhe dê para comprar um pão e repartir com a filha e a neta que já mal tem forças para se pôr de pé.
Há dois anos, Danielle foi minha aluna de Educação Artística no 5º ano, na Escola do Pensamento, do Agrupamento IX da Delegação da Praia. Era extrovertida e simpática, dinâmica e sempre disponível em colaborar ou participar. Quase sempre me interpelava no átrio, envolta naquele sorriso que tão bem sabia desenhar, enquanto permitia que esta frase lhe voasse da boca para os meus ouvidos: «Pisor, da-m bólsa N leba».
Pela sua vivacidade, por aquela atrevida e eletrizante energia, quando não, contagiante e sedutora, pela sua aparente alegria de viver e de conviver, dificilmente se acreditaria que Danielle padecesse de qualquer enfermidade ou que fosse órfã de pai havia já alguns anos. Aos dez anos de idade, isto é, há quatro anos atrás, foi-lhe diagnosticada uma doença congénita muito grave. Padece de anemia crónica e, o seu coração está a crescer exageradamente fora do normal. E nos últimos tempos tem-lhe afetado os ossos e a dor é insuportável. Vai quase todos os dias à Urgência e por cada atendimento é obrigada a pagar a taxa moderadora de 300$00. Algumas vezes tem sido internada e, quando isso acontece é obrigada a pagar o aluguer do quarto, da cama e dos serviços que lhe prestam, no valor de 2.200$00, como se tivesse pernoitado num hotel. Houve um dia em que não tinha como pagar, ficou retida no hospital por mais um dia e, lá estaria ainda se não tivesse conseguido o dinheiro para pagar.
Danielle não recebe qualquer apoio, seja de que instituição ou de que natureza for. Nem psicológico, nem material, nem moral. Nem com consultas, nem com medicamentos, nem com géneros que lhe proporcione uma alimentação compatível com a exigência de uma dieta rigorosa e adequada. Alimenta-se do que a mãe e a avó esmolam, quando por elas passam um santo coração humano.
Foi-lhe pedido uns exames que só são feitos em clínicas particulares e custam 21.000$00. E para o efeito, há um mês e tal que a mãe pediu apoio a Verdefam, ainda não tem qualquer resposta. E a saúde da Danielle está-se definhando a cada dia e à velocidade das indiferenças dos nossos decisores. Entrementes, pela insistência da mãe, após a pressão social causada depois de uma emissão televisiva no programa Cabo Verde Magazine, a pobre teenager foi submetida à Junta Médica e está à espera do resultado. Lhe haviam dito que a sua doença não tinha cura e que não valeria a pena o Estado suportar a sua evacuação para o exterior. E a adolescente de apenas 13 anos de idade, mesmo com os olhos recebendo ordens do cérebro para se fecharem, ela se esforça para que tal não suceda, temendo que a funesta morte lhe entorne cola sobre as pálpebras.
Porém, acometido pelo espírito altruísta, um grupo de alunos meus, da Escola António Nunes, da Calabaceira, está a preparar uma peça de teatro intitulada «BÉSPA MORTI DI KABRAL», para ser apresentada em todos os palcos da capital, da ilha de Santiago, do país e, quiçá, da nossa diáspora, arrecadando fundos para salvar Danielle, inclusive, providenciar a sua evacuação caso for necessário.
Pensamos fazer uma primeira atuação no auditório do Liceu Manuel Lopes na Calabaceira, para os pais e encarregados de educação dos alunos, com o custo do bilhete de apenas de 100$00, com a obrigatoriedade de levar um amigo e este pagará 200$00. Colaborem e contribuam pela recuperação da saúde da nossa Danielle. Yes, We can. — Sim, nós podemos.
Ontem fomos visitá-la, cantamos-lhe parabéns e os colegas declamaram para ela alguns poemas. A causa da Danielle é a nossa causa. Todos nós devemos envolver na salvação dessa adolescente e filha desta terra que, conforme cantou Renato Cardoso: «Térra bo sabê ki e mestide un X tantu pa kada omen vive sima jenti».
Armindo Tavares
Professor
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