P.S. Eu, pessoalmente, acho mesmo que ele tivesse conhecimento desse concurso, o André nunca iria candidatar-se já que a avaliação dele é feita todos os dias pelos seus alunos e pela própria comunidade. Estes, sim, são os verdadeiros jurados. Ademais, no meio desses milhares de colegas, nunca lhe passaria pela cabeça ser o melhor de todos. Esta é uma forma que encontrei para me solidarizar com centenas de colegas como o André, que estão espalhados pelo país e que trabalham arduamente, mas que são simplesmente esquecidos pelo ME.
André é um professor do Ensino Básico e trabalha numa zona muito distante. Não há transporte até aquela localidade. Por isso percorre alguns quilómetros a pé, após descer no fim da estrada. Apesar da distância onde se situa a escola, ele não tem direito a subsídio de isolamento.
André mora na cidade, mas vai e volta todos os dias. Aquela comunidade tem carência de tudo: água, luz, TV, Rádio, luz elétrica, placa desportiva, comunicação, internet... A única fonte de informação para aquela comunidade é o professor André.
Ele esclarece, tira as dúvidas e informa sobre as notícias do mundo. Por isso, aquele professor é muito respeitado, não só pelos seus alunos, mas por toda a comunidade.
Todos os dias, ele passa horas a preparar as suas aulas e a atualizar as informações para a comunidade. André é uma espécie de rádio ou uma enciclopédia na zona.
Ele dedica muitas horas lendo e pesquisando. Até já foi apelidado de distraído porque raras vezes passa na Delegação do ME para saber de algumas informações ou diretrizes dos serviços centrais. Também é ele quem trata de muitos assuntos da comunidade junto dos serviços locais.
Além de ensinar a ler, contar e escrever, o professor André também ensina pinturas e reutilização de materiais desperdícios, nas aulas de Educação Artística. Quando ele era aluno, André havia ganhado muitos concursos nas exposições dos trabalhos manuais.
Com o seu salário, ele produz manualmente os seus próprios materiais para as aulas, conforme os conteúdos que vai lecionar. Também nenhum aluno fica sem ir à escola por falta de materiais.
Concurso “Prémio Leciona”
Um dia, André estava a navegar nas redes sociais (coisa que faz com pouca frequência), tomou conhecimento de um suposto concurso – “Prémio Leciona” que atribui galardões aos melhores professores de Cabo Verde, a nível do Ensino Básico e Secundário.
O professor achou muito estranho porque nunca soube que havia tal concurso. Por isso, ele resolveu indagar e depois ficou a saber o seguinte:
1. O concurso tinha sido promovido pelo Ministério da Educação, através do Museu da Educação, cuja organizadora é a Associação para Promoção do Património Educacional Cabo Verde (ASPPEC). Ele nem sabia se havia tal museu, nem tão-pouco a dita associação!
2. O referido prémio “consistia na seleção das melhores práticas pedagógicas, inovadoras, desenvolvidas por professores de escolas básicas e secundárias públicas do país”;
3. Naquela Edição, tinha concorrido apenas 18 professores a nível nacional (?), num universo de mais de 6 mil docentes (EB e ES). E desses concorrentes, foram apurados cinco finalistas (três eram de S. Vicente, um de Santo Antão e o outro da ilha do Fogo). Não havia ninguém das outras restantes ilhas. André achou muito estranho.
4. Houve até cerimónia de entrega de prémios cujo ato foi presido pela Secretária de Estado do Ensino Superior que aproveitou para “felicitar a iniciativa, destacando o papel do professor enquanto agente fundamental no processo do desenvolvimento da sociedade cabo-verdiana”. Mas ficou sem saber se os prémios compensaram todo o esforço dos vencedores.
Depois de ele obter todas essas informações, o André ficou a pensar…pensar. Lembrou-se daquele concurso da Mulher mais bonita do mundo, em que as candidatas tinham sido modelos de algumas agências de moda, o júri era composto por alguns ex-namorados e o concurso havia sido organizado pelos donos dessas mesmas agências. As vencedoras foram as ex-namoradas.
Na verdade, tendo em consideração o número de concorrentes e o total de professores existentes no país, o professor André entendeu que a organização tinha a sua estratégia em promover alguns e ignorar outros, já que a grande maioria dos professores cabo-verdianos não teve conhecimento desse suposto concurso.
Questões para REFLEXÃO
Assim, o professor André aproveitou para deixar, na sua página do facebbok, algumas questões à organização, para reflexão:
a) Porquê que o concurso foi promovido pelo Museu da Educação e não pela Direção Nacional da Educação?
b) Porquê que não foi enviado as informações para todas as escolas?
c) Como e onde é que a organização lançou o concurso, em que participaram apenas cerca de 0,3% dos professores?
d) Os três dos cinco finalistas pertencem à mesma ilha e à mesma escola. Porquê?
e) Quem foram os elementos do júri e onde residem?
f) Como será o Plano de Ação dessas “experiências inovadoras” com outros concelhos? O ME vai custear as deslocações desses vencedores a todas as ilhas para partilha e socialização?
Alguns dias depois, os organizadores responderam ao André e justificaram que ele é que anda muito distraído.
P.S. Eu, pessoalmente, acho mesmo que ele tivesse conhecimento desse concurso, o André nunca iria candidatar-se já que a avaliação dele é feita todos os dias pelos seus alunos e pela própria comunidade. Estes, sim, são os verdadeiros jurados. Ademais, no meio desses milhares de colegas, nunca lhe passaria pela cabeça ser o melhor de todos.
Esta é uma forma que encontrei para me solidarizar com centenas de colegas como o André, que estão espalhados pelo país e que trabalham arduamente, mas que são simplesmente esquecidos pelo ME.
E aproveito a oportunidade para dar os PARABÉNS aos vencedores que tiveram a sorte de obter informações atempadamente sobre o concurso.
Assomada, 25 de janeiro de 2022
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