Uma breve reflexão sobre os gastos realizados na campanha eleitoral que acabamos de assistir, leva-me a retroceder a uma conversa à imprensa, por ocasião da conferência “Master Class”, realizada na tarde do dia 17 de julho de 2019, quando o ministro das finanças disse que “Cabo Verde já tem dinheiro que não acaba”. Desta meditação saiu-me uma inquietação de forma natural e espontânea:
De onde proveio tanto dinheiro para financiar as campanhas eleitorais dos dois maiores partidos da cena política nacional “o MpD e o PAICV”?
O país, recorda-se, viveu 3 anos de seca severa com zero produção de milho e de feijões nas principais ilhas agrícolas, onde a maioria da sua população depende diretamente dessas produções para o sustento das respetivas famílias. Muitos gados pereceram e ainda vários agricultores detêm em seus poderes senhas para aquisição de rações que não foram utilizadas dada à falta de meios para a comparticipação, por estarem desempregados e, consequente, sem recursos para tal. Entretanto, não apareceu dinheiro para os acudir em tempo de aflição.
Para agravar ainda mais a situação, no início deste ano, a pandemia de covid 19 afetou o Arquipélago, à semelhança do que aconteceu no mundo inteiro e assistimos a uma perda catastrófica do emprego e de rendimento das famílias. O governo tentou minimizar a situação, mas a gestão da crise em pouco ou nada remediou a situação. Daí, faltou dinheiro para acudir o povo em situação real de aflição. Neste quesito, a distribuição de subsídios anunciado pelos governantes a empresas e comerciantes informais, segundo os pseudo beneficiários, foi manifestamente insuficiente e ficou marcada pela preferência de alguns e exclusão de outros, mediante critérios intransparentes e inexplicados até ao momento.
Agora, nessa campanha eleitoral para eleger órgãos do poder local, aparecem esses dois partidos políticos a exibirem riquezas descomunais “jamais vu” em campanha eleitoral em Cabo Verde. Em face à situação porque vive o País, existe a percepção clara que existe corrupção, doações irregulares ou fundos ilegais como tem sido denunciado em várias campanhas eleitorais. Essas práticas criminosas, como todos devem saber, vêm exercendo uma preponderância imerecida na política, desgraçando não apenas a integridade das eleições, assim como a nossa jovem democracia.
Por aquilo que se assistiu, parece ter ficado evidente que os partidos da esfera do poder em Cabo Verde, não estão minimamente preocupados com os problemas do povo, mas sim com a ascensão ao poder a qualquer custo.
O que se assistiu no Tarrafal de Santiago, um dos municípios mais pobres de Cabo Verde e em outras paragens deste pobre País, foi deplorável e vergonhoso. Espero que Cabo Verde não siga a moda de alguns países em que o dinheiro do crime organizado tem impregnado na política para ganhar controlo sobre os eleitos e as próprias instituições públicas. Os cabo-verdianos são pessoas inteligentes e muitos estão perdendo a esperança e a confiança nos políticos, nos processos democráticos e, por isso, abstêm-se simplesmente de irem às urnas. Testemunham, sem pudor, que nem imaginam por onde anda todo o dinheiro que é investido nas campanhas eleitorais, quando passam anos a fio sem trabalho, sem acesso à saúde e segurança.
De qualquer das formas, a incógnita que fica por desvendar é a seguinte: de onde proveio tanto dinheiro para financiar as campanhas eleitorais do MpD e do PAICV no concelho do Tarrafal de Santiago, em Santa Catarina, em São Miguel etc. etc.?
O sistema eleitoral cabo-verdiano precisa de uma reforma urgente! Um pais que não produz 10% das suas necessidades básicas, que vive de ajuda de povos de outras paragens, não pode dar-se ao luxo de gastar tantos recursos em campanhas eleitorais. É preciso, urgentemente, regular o financiamento político desgovernado, desconhecido e intransparente, sob pena de se matar esta jovem democracia e roubar-lhe os ganhos até aqui conseguidos.
Os cabo-verdianos, assim como cidadãos de todo mundo democrático, desejam partidos e governos que os representem de forma condigna e que sejam sensíveis às suas necessidades. O povo também tem a percepção de como as riquezas e preponderâncias dos poderosos compra a influência política e proíbe o simples cidadão da igualdade de participação e representação.
Tarrafal, 28/10/2020
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