Presidente da Assembleia Municipal da Boa Vista, Walter Évora, faz discurso ríspido e angustiado do dia da santa padroeira da ilha (4 de Julho, dia de Santa Isabel), quase tornando o acto num muro de lamentações. Boa Vista tem sofrido muito por causa desses lobbies que não têm permitido investimentos públicos nem privados”. O presidente da Câmara Municipal, Cláudio Mendonça, mostrou ganhos e os desafios que tem pela frente, mas também não esqueceu de tecer críticas ao Governo, a quem apelou mais e melhor atenção para a ilha das dunas, por ser a que mais contribui per capita para a riqueza nacional.
Na presença de vários convidados autarcas, empresários e munícipes, o presidente da Assembleia Municipal da Boa Vista, anfitrião da sessão solene que decorreu esta manhã no Centro de Artes e Cultura em Sal-Rei, roubou a cena, acabando por chamar a si todos os holofotes por causa do seu improvisado discurso dramático e contundente.
Walter Évora elencou uma série de peculiaridades da Boa Vista antes de centrar a sua intervenção nos problemas que a ilha enfrenta ou, dito de outro modo, nas barreiras que se criam ao desenvolvimento local.
“Sentimos algum desânimo, algum cansaço pela situação que a ilha está. Pela contribuição que a ilha dá, pela sua importância, pela sua potencialidade, a ilha poderia estar num patamar de desenvolvimento económico e social diferente, muito mais adequado. O sentimento que se tem é que contribui muito e não se tem o retorno necessário para Boa Vista. Os boavistenses não reclamam mais do que outras ilhas, os boavistenses reclamam pelo menos um tratamento igualitário”, introduziu, para depois desferir: “O sentimento que eu tenho, enquanto eleito nacional, é de que a ilha da Boa Vista é vítima de lobbies regionais instalados no país, que não são lobbies partidários. São lobbies regionais e Boa Vista tem sofrido muito por causa desses lobbies que não têm permitido investimentos públicos nem privados”.
Évora dá como exemplo mais fiel, as obras da praça Santa Isabel, no centro histórico de Sal-Rei. “Há três anos que temos o centro da ilha da Boa Vista demolido. Isto é de uma violência extraordinária, porque é o centro nevrálgico da ilha, onde as pessoas se convergem para ter acesso às instituições públicas, instituições religiosas, casas comerciais, espaço de lazer, que há três anos está nessa situação. Eu perguntaria, se fosse no Plateau, na Praia, o centro demolido manter-se-ia nessa situação durante três anos. Não há hipótese”, enfatizou, assumindo passar também ele “a fazer pessoalmente lobbies para a Boa Vista” e desafiando o edil, Cláudio Mendonça, a fazer o mesmo.
O presidente da AM boavistense lamentou também a situação da saúde na ilha, considerando ser “inadmissível uma ilha como esta, para a importância que tem, não ser possível ainda fazer uma pequena cirurgia. Qualquer fratura óssea, qualquer apendicite tem que ser evacuado. O problema não está nos profissionais e sim na falta de investimentos para se criar as condições locais para a prestação de serviços de saúde”.
“Num momento em que estamos a ouvir propagandas e anúncios de várias estradas em Santiago, no Sal, Fogo, pergunta-se por que é que até hoje não temos acesso a estradas para o norte da Boa Vista”, questiona, reivindicando ao mesmo tempo melhor atenção do governo.
Walter Évora revela que por causa dessa falta de investimentos na saúde, infra-estruturas básicas e financiamentos do governo, a ilha está a perder investidores e investimentos. “Muitos investidores estão a transferir-se para outras áreas porque há esse sentimento que os projectos não avançam”, sublinhou, mantendo a mesma toada até se lembrar que está em dia de festa.
Antes de Évora, tinha sido o presidente da Câmara Municipal a intervir, colocando o dedo nessa ferida: falta de investimentos do governo central na ilha. “Chegado a este ponto, podemos perguntar, a ilha da Boa Vista tem recebido o justo quinhão que lhe cabe no compto global da riqueza nacional? Dito de outras palavras: os investimentos públicos realizados pelo Governo central na ilha têm sido proporcionais à sua contribuição na geração do PIB nacional?”
Segundo Cláudio Mendonça, “o Governo e os demais órgãos do Estado precisam voltar um pouco do seu olhar para a Boa Vista. A ilha reclama e merece uma atenção particular, com medidas de política estratégica para o seu desenvolvimento no horizonte de médio e longo prazos. Tendo o turismo como o motor de desenvolvimento nacional, o Governo da República não pode fazer vista grossa do papel naturalmente determinante que cabe à ilha da Boa Vista o seu processo de desenvolvimento”.
Mendonça garantiu “trabalhar em várias frentes para construir uma ilha com visão de futuro. A requalificação urbana, a cultura, a agricultura, a pecuária e as pescas, o saneamento e o ambiente, a promoção social, a formação e qualificação dos jovens, a saúde, a energia e água, são setores que demandam de nós uma atenção particular e permanente. Isso faz parte do compromisso público com o bem comum, com a melhoria constante da qualidade de vida e com a inserção e afirmação, de forma sustentável, da Boa Vista no contexto de desenvolvimento de Cabo Verde”.
Projectou para 2030 “uma Boa Vista como ilha referência no contexto nacional quanto aos indicadores de desenvolvimento sustentável, tanto do ponto de vista socioeconómico, quanto ambiental, com base na valorização dos seus recursos endógenos, particularmente do seu capital humano. Mais do que um sonho, essa é a nossa visão que realizaremos com vontade e confiança dos boa-vistenses e em articulação com os diferentes atores de desenvolvimento local, nacional e internacional presentes ou com interesse na Boa Vista”.
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