Kátia Murgia, deputada do Partido Popular (PP) e vice-presidente da Assembleia Municipal da Boa Vista, foi expulsa do partido mesmo em ser militante e está agora a ser coagida pelo PP local para suspender o seu mandato. Motivo: ela votou a favor do Orçamento e Plano de Actividades da CM, pelo que está a ser acusada de traição e foi inclusive intimada a devolver 17 mil escudos de senha de presença. Sérgio Corrá, líder da bancada do PP na ilha das dunas, confirma a “expulsão” de Murgia por decisão do partido, mas a medida não teve conhecimento nem aprovação da direcção nacional – Amândio Vicente fala em rotatividade para justificar o pedido para a deputada suspender o mandato. Kátia Murgia não cede e promete continuar até ao fim.
A bancada do Partido Popular na Boa Vista quer afastar a sua deputada e vice-presidente mesa da Assembleia Municipal, Kátia Murgia, pressionando a eleita a suspender o seu mandato no imediato. Em causa o facto de Murgia ter votado a favor do Orçamento e Plano de Actividades da Câmara Municipal desde a sessão de Dezembro 2022, viabilizando assim a aprovação destes dois instrumentos de gestão camarária, numa ilha onde o PAICV e o MpD têm cinco deputados cada e o PP tem três, sendo por isso de grande relevância o seu posicionamento no equilíbrio de forças dentro da AM.
De modo que os seus pares na bancada do PP, Sérgio Corrá, líder, e José Armando Correia Ferreira, e quatro militantes do partido, interpretaram a posição da deputada como sendo traidora dos princípios e diretrizes daquela força política, pelo que querem vê-la agora fora da Assembleia, coagindo a eleita a auto-suspender o mandato.
Em carta endereçada à eleita no dia 24 de Abril deste ano, o líder da bancada do PP, Sérgio Corrá, pediu à mesma que devolvesse ao partido, por via de depósito bancário, a quantia de 17.000$00 referentes a senhas de presença dos dois dias de sessão da assembleia municipal (21 e 22 de Abril) que Murgia participou “sem consultar a bancada sobre indicação e sentido de voto”.
“Segundo o estatuto do Partido Popular, publicado no BO do dia 29 de Dezembro de 2015, art 5º ponto 1, alinea k, ponto 2 alinea a, b, f, g, h, j, artigo 8º alinea f, ponto 3, também segundo o acordo assinado, ponto 7, vamos abrir um processo interno entre os eleitos da lista para ouvir e avaliar a situação passada na assembleia municipal de dezembro 2002 e Abril 2023, tomar decisão sobre a continuação da nossa política, em respeito ao programa apresentado à população da Boa Vista em Outubro de 2020, onde ganhamos 1069 votos e três eleitos na AM”, diz a carta assinada pelo lider da bancada do PP, Sérgio Corrá, que em plena celebração do dia do município da Boa Vista no passado dia 4 de Julho, voltou a entregar à deputada e vice-presidente da AM nova carta a lembrar-lhe que deve suspender o seu mandato.
No dia 27 de Abril, o grupo que representa o PP na ilha das dunas reúne-se para analisar o caso da sua deputada e decide pela expulsão de Kátia Murgia do partido, ameaçando levar o seu caso às instâncias judiciais para provocar a perda de mandato da deputada, que se recusa a suspender o mandato. “No dia 20 de Abril, a eleita Kátia foi contactada para saber sobre a suspensão e ela respondeu que é vice-presidente da AM e que por isso não vai suspender o mandato. Portanto, decidimos haver motivos mais do que suficientes para apresentar uma moção de expulsão como diz o artigo 8º ponto 1, alínea f do estatuto do PP, e perda de mandato, como estabelece o artigo 59º do estatuto dos municípios”, diz a Acta da reunião do PP, assinada por Sérgio Corrá, José Correia Ferreira, Sonia Stacolezzini, Mirianice Vieira, Guido Gallo e Cristiana Sofia Oliveira Lima.
Só que, o caricato disto tudo, é que nem Kátia Murgia, nem Sérgio Corrá, e nem o terceiro eleito municipal do PP, José Correia Ferreira, são militantes do Partido Popular. Todos integraram a lista do PP na qualidade de independentes, logo, sem qualquer vínculo com o partido Ao Santiago Magazine, Sérgio Corrá confirmou a expulsão de Kátia Murgia do PP, afirmando que ela traiu os estatutos do partido. “Ela assinou uma carta em que pediu a sua suspensão do mandato e não está a cumprir. A senhora Kátia foi convencida pelo presidente da AM, Walter Évora, a votar a favor do Orçamento da Câmara. E o Walter fez ela aproximar-se do PAICV para poderem fazer aprovar, com seu voto, os instrumentos de gestão da câmara e viabilizar projectos imobiliários nos quais Walter tem interesses, como por exemplo, complexo turístico de vivendas na zona de Farinação. Está tudo interligado, há muito dinheiro em jogo”, explicou Corrá, assumindo ter tomado a decisão de expulsar Kátia Murgia do PP em nome do partido.
Mas de acordo com os estatutos do PP a expulsão ocorre por aprovação do Conselho Nacional do partido, o que não aconteceu neste caso. Pior, o presidente do PP, Amândio Vicente, sequer sabia desta posição do partido na Boa Vista. “Não corresponde à verdade qualquer expulsão”, declarou, de pronto.
Quando confrontado por Santiago Magazine, Vicente disse não ter conhecimento deste caso de expulsão e tampouco viu as actas das reuniões supostamente do PP na ilha das dunas, tanto que solicitou ao jornal cópia desses documentos para responder às nossas questões mas não reagiu até à hora em que editávamos este artigo.
Sobre a pressão dos deputados do PP para Kátia Murgia suspender seu mandato, Vicente contradiz Sérgio Corrá, afirmando que a deputada foi convidada a pedir suspensão por uma questão de rotatividade, para dar oportunidade de outros candidatos poderem ganhar experiência política, sem nada a ver com aproximação da eleita ao PAICV, o que evidencia dissintonia entre os dois dirigentes.
Murgia também disse ao Santiago Magazine que a direcção nacional do PP não acompanhou o seu caso de perto, admitindo ter falado com Amândio Vicente apenas uma vez. “Ele perguntou-me se fui ameaçada para votar o Orçamento e disse-lhe que não. Foi uma conversa telefónica. Nunca mais falamos sobre isso”.
A deputada desmente Sérgio Corrá garantindo que pediu sim para sair, mas do PP. “Pedi para me afastar da bancada do PP, porque não queria continuar a ser pressionada pelo senhor Sérgio Corrá. Eu tenho minhas ideias e pensamento próprio, mas ele queria impôr apenas as dele, não aceitei porque ajo de acordo com meu pensamento e minhas ideologias. Agora me ameaça com perda de mandato, está a confundir as coisas. Eu integrei a lista do PP como independente e, além disso, o mandato é meu, não do partido. Estou aqui por voto do povo, por isso vou continuar ao fim”, promete Murgia, que também nega ter sido aliciada por Walter Évora para aprovar o Orçamento da CM.
O presidente da AM da Boa Vista, Walter Évora, explica que não tem como aceitar o pedido de suspensão da deputada Kátia Murgia porque a carta da deputada foi endereçada ao PP e não ao Presidente da Mesa, como manda a lei. “O que se passa é o seguinte: o senhor Sérgio está a forçar a sua saída para poder ter força negocial. E tudo isto é por causa da Comissão de Fiscalização da AM. Sérgio ameaçou inviabilizar o Orçamento, porque quer boicotar tudo, mas a deputada Kátia se opôs e desde então vem praticamente obrigando Kátia a renunciar. Mas o mandato é da deputada e não do partido ou do Sérgio”, esclareceu Évora, reforçando que “o problema do Sérgio Corrá é que ele quer ser presidente da Câmara Municipal da Boa Vista a todo o custo”.
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