De bairro em bairro, ao som do “Janira mulher guerreira” e envolvida numa onda amarela de apoiantes, a líder da oposição cabo-verdiana e do PAICV vai casa a casa, pedir o voto para construir um “Cabo Verde para todos”.
A campanha para as legislativas de 18 de abril em Cabo Verde entrou hoje na segunda semana e Janira Hopffer Almada jogou em casa, ou não fosse o município de Santa Cruz, norte da ilha de Santiago, uns dos grandes bastiões do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), que aposta tudo em voltar ao poder, cinco anos depois.
São 10:00 e a líder do PAICV, que pela segunda vez tenta ser a primeira mulher a chefiar um Governo em Cabo Verde, chega do concelho vizinho de São Miguel e é recebida em festa ainda à entrada em Santa Cruz por centenas de apoiantes, bombos e ao som da música estridente que sai das colunas montadas em carros de apoiantes: “Janira mulher guerreira. É a nossa líder”.
Com tanto apoio na rua, questionada pela Lusa durante uma das várias paragens no ‘porta a porta’ da manhã, na Achada Laje, Janira prefere ser cautelosa: “Nós sobretudo temos confiança nos cabo-verdianos e recebemos todo esse apoio com uma grande esperança e com uma grande humildade. O poder é do povo, nenhum político pode e deve esquecer isso”.
“Nós agradecemos toda essa onda de apoio que temos recebido, esse encorajamento, temos visto e nos tem tocado o coração, os olhos de esperança do povo cabo-verdiano”, diz, numa entrevista à Lusa transformada em comício, rodeada de dezenas de apoiantes, durante um dos vários ‘porta a porta’ ainda antes de chegar ao centro de Santa Cruz.
Licenciada em direito pela Universidade de Coimbra, Janira Hopffer Almada, 42 anos, ascendeu à liderança do PAICV em 2014, e foi ministra da Juventude, Emprego e Desenvolvimento dos Recursos Humanos de Cabo Verde no último Governo do partido.
A oportunidade do dia de fazer o apelo ao voto para chegar à liderança do Governo: “Com humildade, com alegria e sobretudo com o compromisso de vir trabalhar para fazer o melhor que soubermos e podermos para devolvermos Cabo Verde aos cabo-verdianos, construindo um Cabo Verde para todos”.
Ainda antes da chegada à Achada Laje, pouco antes do centro de Santa Cruz, ‘Zeza’ Horta, 30 anos, doméstica, espera há vários minutos pela líder do PAICV.
“Precisamos mudar muita coisa em Santa Cruz, principalmente para os jovens, que não têm trabalho. Precisamos de mudança, precisamos de trabalho para mudar a nossa sociedade”, explica, de cartaz na mão, junto à estrada.
Janira chega ao bairro e vai a cada casa cumprimentar as pessoas. Numa dessas paragens, o aviso do morador é direto: “Ele [Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro] tem de sair porque caso contrário vai vender Cabo Verde. Vende tudo e daqui a pouco fico sem casa em Achada Laje”.
Estava dado o mote para um dos temas de campanha da líder da oposição: “Os cabo-verdianos querem um Governo que sobretudo coloque os interesses em primeiro lugar, que trabalhe para melhor saúde, que trabalhe para mais educação, que se lembre que o campo também conta, que a agricultura é uma atividade importante”, responde Janira Hopffer Almada.
Num município profundamente agrícola, as queixas sobre o alegado abandono do campo nos últimos cincos, pelo atual Governo, saíram reforçadas pela candidata, recordando que 30% da população cabo-verdiana, estimada em 550 mil pessoas, está no campo, onde a principal atividade é agricultura, afetada pela seca prolongada.
Entre as críticas, acusa o Governo atual de “reduzir para menos de um terço” o Orçamento para a agricultura, quando era preciso mobilizar mais água, aumentar a área de cultivo irrigada e garantir o escoamento dos produtos.
“Isso é governar sem coração. Isso é governar sem consideração para as pessoas do campo. O que nós queremos fazer é dar importância à agricultura como setor estratégico para transformação do país, mas também considerar as nossas gentes do campo. As pessoas do campo também contam”, aponta.
Na viagem desde São Miguel, sinuosa, pelo litoral, feita normalmente em pouco mais de 15 minutos e que Janira levou mais de três horas a percorrer, com paragens em todos os bairros, a líder do PAICV contou com o apoio, em Ponta Salto, de João Vicente, 40 anos e funcionário do município de Santa Cruz.
“É um concelho que foi abandonado pelo Governo. Foram construídas duas barragens [pelo último Governo do PAICV] que não estão a ser aproveitadas para a agricultura. Os agricultores estão abandonados, as plantas estão a secar, precisamos de Janira para alavancar Santa Cruz”, conta, esperando uma “grande vitória” de Janira.
A presidente do PAICV já assumiu que o objetivo do partido é voltar ao poder em Cabo Verde nas legislativas de 18 de abril. A concorrer pela segunda vez a primeira-ministra, num país profundamente bipolarizado entre Movimento para a Democracia (MpD) e PAICV, assumiu que a primeira decisão, caso seja eleita, será “cortar nos desperdícios e nos gastos supérfluos do Estado”, como viagens e deslocações, publicidade, parque automóvel do Estado ou em honorários.
“É esse Cabo Verde para todos que estamos a propor a todas as cabo-verdianas e a todos os cabo-verdianos, mas a todos também que escolheram Cabo Verde para viver e todos aqueles que na diáspora também querem ver o seu país melhor”, atira pouco antes de rumar ao centro de Santa Cruz, onde é recebida, em passeata liderada por Janira, ao som de ‘Vangelis’ e do ‘speaker’: “A nossa estrela negra [símbolo do PAICV] nunca nos abandona”.
As eleições legislativas em Cabo Verde elegem a Assembleia Nacional, composta por 72 deputados eleitos por sufrágio universal, direto, através de círculos eleitorais, em cada ilha e na diáspora, e contam nestas eleições com cerca de 393 mil eleitores.
O país está cerca de 30 anos profundamente bipartidarizado, entre MpD, que tem atualmente uma maioria absoluta de 40 deputados, e o PAICV, que soma 29, além dos três eleitos da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID).
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