A deputada do PAICV (oposição) Janira Hopffer Almada disse hoje no parlamento que crises cíclicas e dificuldades estruturais sempre estiveram presentes, não sendo um fenómeno exclusivo da actual administração, condenando ainda a “atitude de vitimização” adoptada pelo Governo.
“Cabo Verde sempre foi um país com escassos recursos e dificuldades estruturais. A seca não é de hoje. A falta de riquezas naturais não é de hoje. E as crises, no mundo, com maior ou menor intensidade, não são de hoje. E, infelizmente, continuarão a existir. Por isso, parem com essa vitimização, pois os senhores não são os mais azarados seres deste mundo, como pretendem nos fazer crer. Todos os governos governaram com essa realidade, e, nem por isso, fizeram a gestão corrente, numa autêntica navegação à vista, sem bússola, e apenas com medidas reactivas e respostas emergenciais, como tem feito este Governo”, disse a parlamentar.
A deputada e ex-líder do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) afirmou ainda que as crises cíclicas e as dificuldades estruturais podem justificar a tomada pontual de medidas emergenciais, mas que não o justificam a “falta de visão estratégica”, em sectores fundamentais, num país “vulnerável e volátil”, como Cabo Verde.
Janira Hopffer Almada critica medidas tomadas pelo Governo, como a “venda dos TACV, a preço de rifa, sem receber um único tostão”, que no seu ponto de vista “não se justifica, nem com a pandemia, nem com a guerra na Ucrânia”.
“A retirada dos TACV dos voos domésticos, provocando o aumento dos preços das viagens, estrangulando as evacuações, e afectando negativamente o turismo, não se justifica com a pandemia, e, muito menos, com a guerra na Ucrânia. O aumento das despesas públicas, muitas delas supérfluas e que já cresceram 30%, desde 2015, com a criação de novas estruturas, a cada dia, e a V. resistência em avançar com a Reforma do Estado, para poder libertar recursos para as questões prioritárias, não se justifica nem com a pandemia, nem com a guerra na Ucrânia”, disse.
A deputada também criticou a “absoluta ausência” de medidas estratégicas para a Agricultura, num país onde sempre houve seca, completando que não se pode justificar, ad eternum, com os três anos de seca.
“Aliás, os senhores, apesar da seca que propalam, tiveram a coragem de reduzir o Orçamento do Ministério da Agricultura, durante esses anos de seca. E a produção agropecuária caiu, de 66 mil toneladas, em 2015, para 42 mil toneladas, em 2019”, completou.
A deputada questionou ainda a inação do Governo em relação à modernização das pescas, afirmando que a ausência de medidas, até este momento, para fazer face à sazonalidade da actividade, não se pode justificar com a pandemia ou com a guerra na Ucrânia.”
“É em momentos de crise, e enfrentando dificuldades, que reformas são promovidas e medidas corajosas devem ser implementadas. E não por opção. Por necessidade! É evidente que o nosso modelo de desenvolvimento dá sinais de esgotamento. Temos, portanto, duas possibilidades, como país: Ou o Governo continua a esconder-se atrás de justificações, e à espera de uma nova crise para justificar sua falta de visão e de coragem, ou enfrenta a realidade, assume a sua responsabilidade, e governa pensando no hoje e no amanhã, do país e dos cabo-verdianos”, sugeriu.
A deputada também questionou a postura do Governo em relação a áreas-chave como educação e saúde.
“Quando é que iremos trabalhar para reduzir a nossa vulnerabilidade aos choques económicos e climáticos, externos? Quando iremos fortalecer os mecanismos de crescimento complementares, como a produtividade, sobretudo no sector primário e no sector dos serviços? Quando iremos trabalhar para aumentar a resiliência do Turismo, e promover a conectividade entre as ilhas? Enfim, quando avançaremos com opções de política, para um crescimento sustentável?”, questionou.
Janira Almada apontou também o dedo ao sistema educacional actual, citando a redução da carga horária semanal, o aumento do número de turmas por professor, o “exagerado” número de itens de avaliação, que são alterados a meio do ano, para além das “falhas” de organização de escolas em agrupamentos como “medidas nocivas” ao sistema educativo e “incompatíveis” com as prometidas reformas do ensino básico e secundário.
“É urgente, pois, alinhar o nosso sistema de ensino com os padrões de qualidade da OCDE, cumprir com o objectivo 4º do Desenvolvimento Sustentável, e sintonizar Cabo Verde com a recente Cimeira das Nações Unidas para a transformação na Educação”, ressaltou.
Janira Hopffer Almada também expressou preocupação com a situação da saúde, afirmando que o “estrangulamento” no sistema de evacuações, que as longas listas de espera nas consultas de especialidade, que a falta de equipamentos nos hospitais e centros de saúde, e que a ruptura de medicamentos, deixaram de ser notícia, em Cabo Verde, e se transformaram em algo habitual e corriqueiro.
“Mas, a novidade é um país como o nosso – ainda com tanta carência de médicos, que não tem respostas em muitas ilhas e concelhos, e depois de desmantelar o sistema de evacuações internas – se dar ao luxo de não contratar médicos já formados, transformando a saúde num luxo e deixando a população, sem a resposta de saúde, que precisa e merece”, expôs.
Janira Hopffer Almada também abordou a questão da violência baseada no gênero, afirmando que o relatório anual sobre a situação da Justiça, no ano judicial transacto (2021/2022), aponta que transitaram, para o actual ano judicial, um total de 2.314 processos, de crimes de VBG, com a pendência a aumentar 14,3%, em apenas um ano e que o mesmo relatório indica que há registo de 776 processos referentes a crimes sexuais, sendo que destes, 38% correspondem a abuso sexual de crianças e adolescentes!”
A deputada fez igualmente uma crítica à redução de estruturas de prevenção e assistência aos grupos vulneráveis e questionou a postura do Governo em relação ao crescimento económico.
“Mas, esta governação diz que governa para as pessoas. Só se for para certas pessoas, e em certas ocasiões. De facto, e com um pouco de atenção, se constata que o que este Governo tem feito, nestes 7 anos de governação, é criar dependência e instalar a incerteza, para, nos períodos eleitorais, aproveitar-se da miséria e fragilidade das pessoas, para obter resultados eleitorais”, disse.
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