“Cabo Verde precisa definir o que quer relativamente à sua integração na África Ocidental”, afirma Isaías Barreto Rosa, candidato à presidência da Comissão da CEDEAO, comunidade que, no dizer deste ex-professor da UniPiaget, onde exerceu as funções de director da Unidade de Ciência e Tecnologia, precisa de uma maior participação de Cabo Verde. E sugere a criação de uma embaixada em Abuja. Entrevista exclusiva ao Santiago Magazine.
Santiago Magazine - O que o move a candidatar-se à presidência da Comissão da CEDEAO em Dezembro?
Isaías Rosa – Em primeiro lugar, o que eu fiz foi manifestar a minha disponibilidade para ser o candidato de Cabo Verde ao posto de presidente da Comissão. Quem entretanto escolhe e apresenta o candidato é o governo. E fiz isso por 3 razões principais: em primeiro lugar porque sou cabo-verdiano, sou um filho destas ilhas e um cidadão da CEDEAO. É a vez de um cabo-verdiano assumir a presidência da Comissão e manifestei a minha disponibilidade para efeito. Considero que estou preparado que posso fazer um bom trabalho para a nossa sub-região e que posso dignificar nome do nosso país e da nossa organização.
Desempenho as funções de Comissário da CEDEAO para as Telecomunicações e Tecnologias de Informação há quase 4 anos. Trata-se de um posto de rank ministerial e portanto equivalente a de um ministro que trabalha com os 15 países da CEDEAO. É a primeira vez nos 42 anos de história da CEDEAO que temos alguém no executivo desta organização. Manifestei a minha disponibilidade porque conheço a sub-região e conheço muito bem a CEDEAO e as suas instituições. Esse conhecimento é importante para dirigir os destinos da nossa organização. Manifestei igualmente a minha disponibilidade porque tenho uma visão clara daquilo que a CEDEAO precisa fazer internamente e daquilo que precisamos fazer para promovermos a integração regional e o desenvolvimento da nossa sub-região.
Ao saberem da possibilidade de Cabo Verde vir assumir a presidência da Comissão da CEDEAO a partir de 2018, pessoas de vários níveis e provenientes de distintos países da nossa organização comunitária, tem manifestado o desejo de ver-me desempenhar essas funções, tendo em conta o trabalho que tenho feito nos últimos anos na Comissão da CEDEAO. Esta é sem dúvidas também uma das razões por que manifestei-me disponível para o cargo. Além disso, dada a minha formação pluridisciplinar e o meu percurso profissional acredito estar à altura deste desafio.
- Conta com o apoio de quem? Já tem suporte do Governo de Cabo Verde?
- Só haverá um único candidato de Cabo Verde ao posto de Presidente da Comissão da CEDEAO: a pessoa escolhida pelo Governo da república. Portanto, não haverá candidatura sem apoio do Governo. Entretanto, porque acredito firmemente que reúno as condições necessárias para fazer um trabalho que dignifique a imagem do país e da CEDEAO, e enquanto filho destas ilhas, estou disponível. Há pelo menos duas pessoas que já manifestaram a sua disponibilidade para o cargo e cabe agora ao governo no tempo que achar oportuno anunciar o candidato escolhido.
- O que é que pode trazer de diferente à Comisso da CEDEAO? Isto é, o que podemos esperar da sua liderança caso vencer esta disputa?
- Existem pelo menos 4 aspectos que do meu ponto devem merecer atenção muito especial: em primeiro lugar, temos a reforma institucional. A nossa instituição precisa de fazer muito mais e com menos recursos. Isso é possível com uma profunda reforma institucional tanto ao nível da estrutura como ao nível dos processos. Esta reforma foi despoletada há já alguns anos, mas devido a constrangimentos diversos ainda não foi efectivada. A segunda área é a do desenvolvimento das infraestruturas, tendo sempre presente o artigo 68 do tratado da CEDEAO que diz de forma bastante clara que os países sem litoral (Mali, Niger e Burkina Faso) os países insulares (Cabo Verde) devem receber tratamento especial. Os projectos regionais de infraestruturação dificilmente chegam a Cabo Verde e é importante ver isso. As infraestruturas são uma prioridade porque o continente africano possui um déficit de infraestruturas equivalente a 93 mil milhões de dólares anuais até 2021 e a região da CEDEAO não foge a regra. Precisamos de infraestruturar a nossa sub-região. A terceira áea de destaque será o desenvolvimento da indústria transformadora. A África ocidental é rica em termos de matéria-prima possuindo ouro diamante, petróleo gaz natural e toda sorte de recursos naturais. 2/3 do cacau produzido no mundo provem da região da CEDEAO. Entretanto, o que fazemos é simplesmente a exportação de matéria-prima. Os países mais avançados importam essa matéria-prima da sub-região, transformam-na e voltam a exportá-la para a nossa sub-região e para outros países a preços exponencialmente elevados. Precisamos de transformar a nossa matéria-prima, acrescentar valor e exportar. A quarta área que deverá merecer atenção especial é a do comércio intra-regional. Na região da CEDEAOA temos livre circulação de pessoas e bens mas o comércio entre os nossos países representa apenas 12% das nossas trocas comerciais. Precisamos de criar as condições necessárias para que haja um verdadeiro fluxo de trocas comerciais na nossa sub-região.
«O facto de ter desempenhado as funções de Comissário da CEDEAO, permitiu-me igualmente compreender a sub-região, as suas especificidades e de ter uma visão clara daquilo que precisamos fazer para melhor promovermos a Integração regional e o desenvolvimento da nossa sub-região.»
- O facto de ser comissário regional para as Novas Tecnologias dá-lhe vantagem para vir a ser escolhido?
- O facto de ter sido comissário para a área das Telecomunicações e Tecnologias de Informação nos últimos quase 4 anos foi decisivo para que eu manifestasse a minha disponibilidade para ocupar este cargo. Isso porque fui escolhido com base num concurso público no qual 3 candidatos foram pré-selecionados em Cabo Verde e foram enviados para serem entrevistados presencialmente por um comité ministerial ad hoc, constituído essencialmente por ministros dos negócios estrangeiros dos países da CEDEAO. Depois dessa entrevista e da análise curricular, foi escolhido para desempenhar esta função que é política, mas cuja escolha é feita com base em concurso público. Estas funções permitiram-me ter um grande conhecimento da instituição, da sua forma de funcionamento e dos desafios que enfrenta. Permitiu-me ter um entendimento claro daquilo que a nossa instituição precisa e de ter uma ideia bastante clara de como lá chegar. Conhecer a instituição é de grande mais-valia uma vez que dadas as suas peculiaridades, qualquer pessoa que vier a ocupar o posto de presidente deverá gastar um tempo particularmente longo para conhecer a casa antes de começar verdadeiramente a produzir resultados. O facto de ter desempenhado as funções de Comissário da CEDEAO, permitiu-me igualmente compreender a sub-região, as suas especificidades e de ter uma visão clara daquilo que precisamos fazer para melhor promovermos a Integração regional e o desenvolvimento da nossa sub-região.
- Contudo, é notório que lhe falta peso político para se impor dos estados-membros. A influência politica pode ser determinante na região. Concorda?
- Não, não concordo. Não concordo porque não me falta nenhum peso político e tenho todas as condições para ser presidente da Comissão da CEDEAO. O perfil de presidente da Comissão está claramente definido no protocolo adicional que rege o processo de escolha do presidente, do vice-presidente e dos comissários da CEDEAO. Este protocolo em nenhum momento fala em peso político. Em nenhum momento diz que o presidente da Comissão deverá ser alguém que tenha já feito uma carreira política. Em nenhum momento diz que é preciso que a pessoa tenha desempenhado alguma função como por exemplo de membro de governo, para poder ser escolhido para presidir a Comissão.
Desde 1975 a esta parte, a CEDEAO já teve vários Secretários Executivos e Presidentes de Comissão. E já tivemos igualmente várias pessoas que desempenharam essas funções sem terem feito uma carreira política antes. E isso aconteceu simplesmente porque não é requisito. O que o presidente da Comissão precisa é de ser uma pessoa de reconhecida competência e integridade e que tenha uma visão global das questões políticas, económicas e de integração regional. É o que diz o artigo 10 do protocolo que define as modalidades de escolha do presidente vice-presidente e comissários da CEDEAO. Este requisito é muito parecido ao requerido para a escolha de um comissário. Entretanto, o comissário é nomeado pelo Conselho de Ministros da CEDEAO com base nos resultados de um concurso público e o Presidente da Comissão é nomeado pela Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, com base na candidatura apresentada por um Estado-Membro.
«Cabo Verde ocupa lugares cimeiros no continente e na sub-região nos principais indicadores de desenvolvimento deste sector e temos todas as condições para explorarmos o mercado de cerca de 340 milhões de pessoas que é o da CEDEAO.»
- Como vê a integração económica na região? Como pretende transformar essa unidade efectiva?
- A integração económica é um dos objetivos principais da CEDEAO sendo portanto de extrema importância para todos os Estados-Membros. E esta é a tendência mundial. Se reparar bem, em todos os continentes encontramos blocos e Comunidades Económicas Regionais exatamente porque estamos num mundo cada vez mais globalizado e os países têm a necessidade de promover a integração regional para poderem, em conjunto, melhor resolver os seus problemas. A nossa sub-região não foge à regra e tem dado passos importantes nesta matéria. Temos livre circulação de pessoas e bens, temos um executivo da sub-região, que é a comissão da CEDEAO, temos um tribunal de justiça da Comunidade cujas decisões devem ser acatadas por todos os Estados-Membros, temos um parlamento, que embora tenha ainda um papel consultivo dá o seu contributo ao processo de integração regional e temos projetos concretos para promover essa integração regional a vários níveis. Precisamos continuar na mesma senda mas fazendo com que a nossa organização tenha uma performance maior no que diz respeito à implementação de iniciativas que tenham impacto real nos cidadãos da nossa comunidade. A visão 2020 da CEDEAO é transformá-la de uma CEDEAO de Estados a uma CEDEAO de povos. O foco deverá ser portanto em iniciativas que os nossos cidadãos podem sentir de forma clara no seu dia-a-dia.
- Cabo Verde, de certa forma, tem desaproveitado esse imenso mercado da CEDEAO, com poucas trocas comerciais e investimentos praticamente nulos, apesar dos incentivos com a Taxa Económica Comum. O que estará na base disso e como reverter esse quadro?
- Do meu ponto de vista existem 6 coisas que Cabo Verde pode e deve fazer para pode melhor aproveitar a sua pertença À CEDEAO. (1) Cabo Verde pode procurar ser o que eu atrever-me-ia a chamar de plataforma industrial e comercial entre a África Ocidental, a América do Norte e a Europa. Nós podemos importar matéria-prima, que existe em abundância na sub-região. E fazíamos essa importação sem pagar impostos alfandegários, porque os produtos comprovadamente de origem nos países da CEDEAO entram em Cabo Verde sem pagar direitos alfandegários. Poderíamos transformar essa matéria-prima e depois exportá-la para a própria sub-região, novamente sem pagar imposto alfandegário e portanto a preço competitivo. Poderíamos exportar esses produtos para os Estados Unidos no âmbito do AGOA, ou seja, em condições vantajosas e poderíamos ainda exportar esses produtos para a Europa no âmbito da nossa parceria especial com a União Europeia. Poderíamos procurar atrair investidores externos para investirem no país trabalharem desta forma.
(2) Precisamos de melhorar os transportes aéreos e marítimos entre Cabo Verde a sub-região. Sem uma ligação marítima boa e regular e sem voos que nos ligam diretamente à sub-região, a nossa integração regional é deficitária. (3) Podemos exportar serviços e em particular, serviços TIC, para a sub-região. Cabo Verde ocupa lugares cimeiros no continente e na sub-região nos principais indicadores de desenvolvimento deste sector e temos todas as condições para explorarmos o mercado de cerca de 340 milhões de pessoas que é o da CEDEAO. Na área da governação eletrónica por exemplo há muito por fazer e nós temos produtos e serviços exportáveis. Há dias levamos para Cabo Verde os ministros que tutelam o sector das TIC nos países da CEDEAO, foram todos visitar o Data Center da Achada Grande e ficaram maravilhados com o que Cabo Verde tem feito nesta matéria.
(4) Cabo Verde precisa definir de forma clara o que quer relativamente à sua integração regional na África Ocidental. Dizemos muitas vezes que a CEDEAO precisa dar um tratamento especial ao país. Penso que em relação a isso todos os países estão de acordo. Aliás, isso está estipulado no artigo 68º do tratado da CEDEAO que prevê tratamento especial a países insulares. Mas precisamos definir qual é esse tratamento especial. E não há ninguém melhor do que os cabo-verdianos para fazer isso. Os funcionários da CEDEAO podem fazer propostas mas quem deve de facto definir as nossas necessidades somos nós.
(5) Cabo Verde precisa participar mais assiduamente nas reuniões da CEDEAO. A CEDEAO normalmente paga todas as despesas de deslocação, e participação, mas, na esmagadora maioria dos casos, Cabo Verde não participa. Precisamos estar presentes para defendermos os nossos interesses. Se não estivermos presentes no momento em que as decisões são tomadas fica depois difícil virmos depois exigir tratamento especial. Finalmente, precisamos abrir uma embaixada em Abuja. Pode ser uma embaixada pequena mesmo que tenha 3 pessoas. Todos os países da CEDEAO têm uma embaixada em Abuja, cujo embaixador desempenha igualmente o papel de representante permanente do país junto à Comissão da CEDEAO. Cabo Verde é o único que não tem…
- A criação da moeda única da CEDEAO é uma questão delicada para Cabo Verde, cuja moeda está indexada ao Euro por via do Acordo Cambial com Portugal. O que vai mudar e quais os argumentos para convencer Cabo Verde a aderir a esta nova moeda na região?
- A união monetária é uma decisão da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade e cabe ao presidente da Comissão e à sua equipa de comissários implementar as decisões emanadas deste órgão. Entretanto, está claro que Cabo Verde, por ser um pequeno país insular, tem as suas especificidades em várias áreas e, como fiz referência anteriormente o próprio tratado da CEDEAO prevê um tratamento especial aos países insulares. O país poderá eventualmente identificar de forma clara onde precisará de deste tratamento diferenciado. Entretanto, pelo que me consta, Cabo Verde posicionou-se no passado a favor da moeda única para os países da CEDEAO.
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