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Patos Bravos e Personalidades Endeusadas
Colunista

Patos Bravos e Personalidades Endeusadas

Condestável

I

Neste lugar me surge familiar

Sem nunca ter sentido seu ar

Faz regressar todo meu ambiente

Àquele onde nunca estive ciente

II

Ourique que é Campo seu

Neste condestável de nada é Ateu

Em si alertado domou

O que o mar enfurecido tratou

Resvés ao veio não destruir

O que a artilharia por heroísmo fez sentir.

Raphael d’Andrade,

//\\

Patos Bravos 

Personalidades Endeusadas

Num povo, numa Nação com quase mil anos de História. E assim se mata ou se vai matando a História, quando não se inventam factos históricos e estórias à boa semelhança dos ditadores. Dois exemplos recentes: a História do regime salazarista ensinada nas escolas e na sociedade portuguesa, o estrebuchar de inventivas e quiméricas tentativas de muitos governantes de Cabo Verde de poluírem igualmente o seu caldo cultural, histórico e linguístico.

Não discute-se sobre o que viveu, sobre o que e como se vive, sobre o que e aquilo que nos traz ao presente, a esta mentalidade do despautério que vive-se neste reino “tugês”; enfim não quer discutir o que conhece, o conhecimento, a experiência passada e presente. Quer discutir o desconhecido, o que não aconteceu, o que não sabe o que vai nem conhece como vai acontecer, sem estar propriamente consciente das suas fundações, causas e efeitos dos tempos atuais; porque o presente de hoje será seguramente o passado de amanhã. Quanto ao futuro nunca saberemos o que será, se passado ou se presente, nem será para além da física, que também é conhecimento e quem sabe mais complexo, o que o Primeiro-Ministro de Portugal quer, mas talvez entreter outros a fazer previsões e especulações sobre vida futura e coisa futura.

Talvez mudar o rumo do curso dos rios e o lugar do Pinhal do Rei, sejam algumas das soluções.

Num país onde se manda queimar o pinhal do Rei, incendiar o país, “ex-1ºs” que usam, abusam e apropriam-se de coisa alheia e outras pessoas mais da mesma pandilha e do mesmo tipo aniquilador de sociedades é natural que o conspurco e as condutas daninhas, cobiçadoras, gananciosas e invejosas subsistam, alastrando, permanecendo e existindo enraizadas de facto na real vida, não apenas nas bocas da má-língua...

Podemos falar de um Portugal onde jornalistas se dizem amordaçados pelo Poder Político e ditos políticos, acrescentando a descarada dependência e amizades aos grupos económicos e empresas daqueles e destes, onde trolhas são contratados pelos “patos bravos", por assim dizer, inocentes e ingénuos todos eles à boleia multilateral, sem culpa alguma de serem como são e o que são.

E andavam António Sérgio e outros doutos e ilustres portugueses discutindo sobre os reinos da inteligência (de pouca duração) e o da estupidez de longuíssima duração - seu cadaveroso palco retangular, buscando justificações e possíveis orientações futuras para as gerações vindouras, refletindo sobre a política de transporte e a política de fixação aplicada ou não ao país... E agora? O que é isto em que vivemos? Senhores, isto não pode ser: o Brasil, partes ínfimas, mas importantes da Índia e partes de África já foram. De seguida, entornaram dinheiro europeu (à boa imagem de uma chuveirada eugénica, higiénica e de lavagem aos reclusos acabados de chegar ao recinto do estabelecimento prisional: “- SAFEM-SE, com os jatos de água que saem agora…!”) para cima dos portugueses depois daquelas partidas forçadas. Reagiram, parece-me, de modo idêntico, ao ouro do Brasil: fizeram-no voar com o vento de um Convento ou enterrá-lo na fundura dos alicerces e subterrâneos escuros e obscuros daquele monumental monumento Quintino entupido de ratos e ratazanas, além de Roma, do Vaticano e dos elefantes encasacados de alforges recheados e adequados ao tamanho animal, dos perfumes, das roupas “chic” – chique – e da moda francesas; ou de Convento laçado ao vento Quintino, ao tempo, no acompanhamento fúnebre da procissão do ouro brasileiro...um aventureiro que caiu no bueiro!

Pouco serviu refletir-se sobre o que foi a Política de Transporte e a Política de Fixação. Nada adiantou a este retângulo país que se afirmou por um quadrado vencedor, que lançou-se à frente de qualquer outro país europeu aos mares das descobertas, das ciências e do conhecimento científico, que levantou-se após Castela ter dominado sessenta anos, que estiolou aos interesses norte europeus do século XIX, que desmontou o trono da Monarquia a tiro de espingarda, que enviou o campo e a província totalmente impreparados para o desafio bélico com profissionais e construtores de guerras europeias, no encontro da inevitável e oferecida morte portuguesa da primeira guerra mundial - coincidente ou sincronicamente no mesmo ano consequente dos mistérios religiosos de Fátima -, que aceitou regenerar-se no rigor apertado das finanças e da economia, da humilde e orgulhosa pobreza, na ditadura do pensamento e na ausência da liberdade de expressão, que viu o brilho da Liberdade e da Democracia surgirem no horizonte, após quarenta e oito anos de fascismo. A Moral e a Espiritualidade portuguesas não aproveitaram os tempos da mudança para crescerem, amadurecerem, estabilizarem e focarem objetivos gerais, comuns e particulares de realizações concretas, quotidianas para a mudança e alteração das mentalidades e das culturas sociais e políticas, no sentido progressista e ascensional. Deixou-se descambar o comportamento para o descaramento e absurdo disparate, para a desconsideração e para o desrespeito, para a gula, para a ganância, a inveja e para o egoísmo destrutivo.

Há 2,4 milhões de portugueses em risco de pobreza em Portugal. Segundo dados do INE, um total de 2 milhões e 399 mil portugueses estavam em risco de pobreza ou exclusão social em 2017, o que vale a pena refletir sobre quantos são os portugueses a residir e a viver em Portugal e dependentes unicamente da economia privada, do setor privado e da Administração Pública do país, como talvez começar a entender melhor quem são os verdadeiros consumidores portugueses e o que de facto eles consomem para a manutenção de uma vida própria minimamente digna, justa e segura.

Depois também refletir o que pretende-se construir para traçar a rota dos caminhos, os instrumentos de orientação e os meios de construção.

Com uma economia global, globalizada e globalizante, onde as relações comerciais, económicas, financeiras, sociais e culturais cada vez mais intensificam-se, com o surgimento da moeda digital, representada por excelência pela Bitcoin, com a criação da blockchain, a cadeia em bloco e hermética de relações económicas e comerciais no uso de moeda digital para as transações pessoais, empresariais, comerciais e públicas, sem o controlo e fiscalização de entidades supervisoras do Estado sobre os seus comportamentos financeiros e económicos, acarretando com aquela produção digital de moeda imensos dispêndios de energia, logo de grande poder aquisitivo de matéria para a sua produção, distribuição e obtenção, o que por si levará a pensar, num futuro próximo, em sociedades mais segregadoras, mais estratificadoras, apresentadas em segmentos de consumos e de consumidores, fortemente separados e divididos por níveis de aptidão, capacidade e competência financeira e económica.

A juntar a esta acérrima competição pelo domínio do mundo produtivo e da riqueza material que ainda vão perdurando, há a concomitante e doentia necessidade de mostrar o que não se é, de viver no reino das aparências e do faz de conta, como do viver à sombra ou na dependência de terceiros ou no engano sucessivo das gentes para permitir um conforto material abusivo e acima da medianidade social e política. A cultura do empréstimo e deste fácil, a cultura da bananeira e sua treva, seu espectro. A cultura do facilitismo e do fechar os olhos ou deixar apenas um aberto, do desleixo, do deixar passar, do amiguismo, da negligência nas condutas, nos atos, e omissões está hoje incutida na mentalidade generalizada dos portugueses: antigas, novas e recentes gerações.

A má vontade, a má-fé e a maldade, juntamente à inveja, ao egoísmo destrutivo e à soez ganância foram, em minha opinião, as condutas originadoras e criadoras de sujeitos, de criaturas como o ex- Primeiro-Ministro José Sócrates, entre tantos em Portugal, como também o fenómeno atual, anual e reiterado dos incêndios em todo o país que, neste caso, já provocaram ao Presidente da República anúncio de aviso à navegação. A prática reiterada dos incêndios ultrapassa a questão meramente política e ideológica. Inscreve-se aquela prática, no aproveitamento oportunístico de uma malha moral, social e política portuguesa frágil e enferma, em condutas combinadas, dolosas, intencionais e danosas, colocando em crise e em perigo a segurança, a estabilidade económica e financeira do país e dos cidadãos, pelo que não aceito nem concordo com a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa. Coloca-se a questão da pedagogia cívica, moral, ética e política.

A pessoa que mostrou aos portugueses em atos, atitudes e condutas que a solidariedade existe e que a amizade pode existir igualmente entre os portugueses em momentos dramáticos e de grandes angústias para todos, exige o mesmo também, na continuação de Abril, que solidariedade e amizade sejam realidades e atributos praticados quotidianamente neste país ibérico, quando já vivemos quarenta e quatro anos após a queda da ditadura salazarista, sob o epíteto da Liberdade e da Democracia, não pode desistir de continuar a educar, a prestar tão importante, necessário e premente serviço público. Portugal precisa de verdadeiros pedagogos cívico-éticos e de verdadeiros políticos. Neste pormenor, lembro-me sempre de um senhor cabo-verdiano que falava ao meu Pai no verão de 1974, em Benguela, Angola, numa tarde de fim de semana, dizendo: “O Spínola quando disse a palavra Liberdade devia ser gago ao expressá-la”. Como Portugal, os outros países, territórios e comunidades falantes da língua portuguesa e Europa precisam urgentemente de pedagogos e de políticos. De pensadores!

Adenso então a este texto, ilustrando-o, umas poucas e doutas palavras de António Sérgio[1]:

“A tirania dos Fantasmas: em grande, na moral e nas doutrinas, na política e nas instituições, ela morde no nosso espírito através da história mal compreendida, que nos impõe o apreço absoluto de sentimentos, de factos, de personalidades endeusadas (há que séculos!) por homens cujas ideias e sentimentos se descasam inteiramente das condições de vida de hoje, mas cujos juízos continuamos a aceitar como prestantes para todo o sempre, reportando-lhes valores absolutos para muito além da sua época; revela-se na incongruência histriónica entre aquilo que imitamos e o que somos no nosso íntimo, entre a quotidiana realidade e os modelos históricos empalhados. Em público ostentamos atitudes que têm raízes e razão de ser no ambiente social dos Afonsinhos, ou apenas na ideia que dele fazia – e nos transmitiu – um frade historiador do século XVII. Encontramo-nos na história para surgir dela à luz do dia como uma garrafa de Porto velho, sujos de poeira e de teias de aranha: por isso, para a maioria dos humanos que sabem ler e escrever, todo herói vetusto é um figurino eterno, toda façanha é um absoluto, e todos os factos decorridos são igualmente factos históricos. Histórico, - todo o passado? (…)”.

Por isso, julgo eu, devemos sempre ter cautela e muito cuidado em caminhar sem criticar, conhecer, analisar, apreciar o presente e o passado. É mau o conselho e piores serão as consequências de quem segue aquele que afirma que não deve conhecer-se o passado e o presente! À cautela vale sempre a pena estudar História, conhecer os factos relevantes para a História, para as pessoas, para o país e seu consequente desenvolvimento futuro, sobre o qual não temos nem existem certezas algumas. Talvez a Claridade continue a surgir, como sempre, a Oriente possa ser uma certeza!

José Gabriel Mariano,

08/05/018

[1] In Ensaios, Tomo I, 2ª edição, 1949, Atlântida, Coimbra.

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Redação