Secretária-geral da UNTC-CS, Joaquina Almeida é a primeira mulher a dirigir uma central sindical em Cabo Verde. Neste exclusivo ao Santiago Magazine, esta assistente de bordo e jurista, aborda várias questões sensíveis relacionados com o mundo laboral nacional, como as desigualdades de género em desfavor das mulheres e a violação dos direitos dos trabalhadores, afirmando em relação a esta última que “onde existir um trabalhador a sofrer violação nos seus direitos, iremos dar voz e vez a esse trabalhador, afim de criar um ambiente de trabalho favorável e produtivo”.
Santiago Magazine - A UNTC-CS é a mais antiga e maior organização sindical em Cabo Verde. Você é a primeira mulher a ocupar o cargo de Secretária-geral desta organização. Conta-nos os desafios de liderar uma instituição sindical em Cabo Verde?
Joaquina Almeida - Efetivamente, sou a 1ª mulher a ocupar o cargo de Secretária-Geral, (SG). Os desafios são vários e, invarialmente, pesa o facto de ser mulher. Não só as exigências aumentam como o descrédito é maior e, há constante necessidade de provar capacidade/merecimento. Depois levar a cabo uma liderança feminina num meio dominado por homens, requer uma liderança de pulso e determinante, visto que os homens não estão acostumados a serem comandados por mulheres. Pelo fato esta minha liderança não tem sido fácil, mas seguimos firmes e perseverantes.
No dia 1 de maio comemora-se o Dia do Trabalhador. Como analisa a situação dos trabalhadores cabo-verdianos, particularmente no que toca às suas principais demandas, junto das entidades empregadoras?
Antes de mais gostaria de endereçar uma saudação muito especial a todos os Trabalhadores pelo 1º de maio. Uma data histórica que requer muita análise e reflexão, dos ganhos conseguidos até então e dos desafios futuros. Antigamente esta data era recordada com passeatas, comícios e manifestações. Infelizmente hoje os serviços e empresas têm vindo a desvirtuar a celebração da data, financiando, confraternizações, impedindo a consciencialização dos trabalhadores da precarização laboral vivida ao longo do ano. A vida dos trabalhadores cabo-verdianos não tem sido fácil, a precariedade, incerteza e instabilidade laboral é constante.
Reclamam por melhores condições de vida, que passam obrigatoriamente por uma reposição do poder de compra, que a cada ano vem diminuindo com o aumento dos bens de consumo. Em 2011 o governo deu um aumento de 1,75%, a todos os trabalhadores da função pública. Agora em 2019, deu um aumento de 2,2% apenas para os trabalhadores do quadro comum da função pública. Ainda assim, os trabalhadores do regime de contrato do quadro comum, não foram contemplados, uma discriminação laboral e um desrespeito pelas deliberações assumidas em sede de concertação social. Também ficaram sem nenhum aumento os trabalhadores do quadro especial, que são, os professores, polícias, agentes prisionais, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde etc. E o setor privado não tem aumentando o salário, porque alega sofrer das mesmas dificuldades que o governo. Apesar disso, temos vindo a reivindicar, exigindo a reposição do poder de compra dos trabalhadores.
Existem dados estatísticos, no país, que apontam para as desigualdades de género, em desfavor das mulheres, no sector económico desde a questão do rendimento, do desemprego, da pobreza, ramo de atividade. Como analisa essas diferenças? Que fatores podem explicar essa realidade?
As desigualdades de género em desfavor das mulheres, existem em todos os setores de atividades, aqui no nosso país, particularmente no que tange à igualdade de remuneração, ou seja, as mulheres continuam a receber muito menos do que os homens pelo mesmo trabalho, numa violação clara de uma das convenções fundamentais da OIT, nº100, ratificada por Cabo Verde, e do artigo16º do Código Laboral. Em relação ao desemprego, pobreza e ramo de atividade, é evidente que quem é mais atingida é a mulher, primeiramente, pelo fato de termos uma sociedade monoparental, em que a ausência da figura do pai é uma realidade, tendo a mulher a assumir todas as responsabilidades da família. Acreditamos que esta diferença se deve ao fato de ainda termos uma sociedade regida por preceitos machistas em que, embora as mulherem sejam a força e o leme de grande parte das famílias cabo-verdianas, são subjugadas, tendo constantemente que provar capacidade e qualidade técnica. Concernente ao desemprego, esse flagelo atinge grandemente, para além dos jovens, as mulheres afetando o seu modo de vida, atirando-as para a informalidade e pobreza extrema, principalmente no meio rural. Pensamos que que o governo deverá ter políticas públicas assertivas de modo a poder amenizar os sofrimentos das mulheres.
Quando analisamos os cargos e as funções de decisão nas grandes empresas, contatamos que a esmagadora maioria dos mesmos são ocupados por homens. Acha que as mulheres são mais cautelosas e menos competitivas que os homens?
Discordo de que as mulheres sejam mais cautelosas e menos competitivas que os homens. As mulheres são tão competitivas quanto os homens. O problema é que a nossa sociedade é machista, o que dificulta a ascensão das mulheres, criando barreiras e dificuldades. Nós mulheres, já demos provas de que somos capazes de desempenhar com zelo e competência todos os cargos, na política, nas empresas, no judiciário, nas universidades, nos sindicatos, etc. etc. Alguém já dizia que o mundo é das mulheres. Penso que se houvesse mais mulheres nos órgãos de decisão no mundo, teríamos menos guerras.
Qual o balanço que faz, durante estes anos do seu mandato, das ações que a sua liderança?
Faço um balanço bastante positivo, nesses dois anos e quase seis meses à frente da organização, apesar de algumas dificuldades. Temos vindo a fazer o nosso trabalho com muita responsabilidade, defendendo os direitos e interesses dos trabalhadores, exigindo e reivindicando tanto do governo como dos empregadores o cumprimento escrupuloso da lei. Também temos denunciado abusos e violações das leis um pouco pelas ilhas, inclusive já intentamos algumas ações contra alguns empregadores por violações dos direitos dos trabalhadores. Em relação ao governo, também já apresentamos duas queixas ao Diretor da OIT, pelo abuso de poder, ao decretar indevidamente a requisição civil. De se referir ainda que ao longo desse curto tempo de liderança, tivemos uma presença determinante e marcante ao nível internacional, fomos eleitos, membro do Conselho Administrativo, (suplente), da OIT, e membro efetivo do Conselho Geral da CSI, (maior Confederação Sindical mundial, que congrega mais de 250 milhões de trabalhadores). Enfim, pensamos que temos vindo a cumprir a nossa missão, intervindo sempre que formos chamados e acharmos ser pertinente e necessário a nossa intervenção de modo a transmitirmos fé, credibilidade, respeito e confiança aos trabalhadores e aos cidadãos em geral. Onde existir um trabalhador a sofrer violação nos seus direitos, iremos dar voz e vez a esse trabalhador, afim de criar um ambiente de trabalho favorável e produtivo
Os cargos e funções que envolvem poder ou participação em processos de decisão, principalmente de grandes empresas ou instituições, são percebidas como masculinizadas e limitativas para as mulheres. Sentiu alguma dificuldade, pelo facto de ser mulher, para alcançar esse posto?
Senti, e sinto ainda hoje dificuldades várias pelo fato de ser mulher. Mas como sou uma pessoa determinada e com metas definidas, tenho vindo a sobreviver a estas intempéries. “Para alcançar esse posto”, como disse, tive que ir estudar, licenciei-me em direito no ISCJS para poder entender um pouco de leis e falar com alguma propriedade. Pelo fato, e tendo em conta que sou Assistente de Bordo, já sofri muita discriminação por parte de alguns companheiros sindicalistas. Mas, não deixei que atitudes machistas e preconceituosas freassem a minha missão que é a de defender os trabalhadores.
Sabemos que tem enfrentado alguma contestação interna durante a sua liderança. Como tem lidado com a resolução destas demandas e contestações?
Ah, é verdade as contestações que tenho vindo a sofrer internamente, eu nunca traria esse assunto para fora da organização, infelizmente tenho que reagir às contestações denúncias maldosas e falsas que veiculam. Primeiramente, existe um grupo devidamente identificado que desde há muitos anos têm vindo a fazer oposição interna na organização. Essa situação agudizou-se com a minha eleição, assim como alguns companheiros pensaram que pelo fato de eu ser mulher, seria conivente e de fácil manipulação, questionando a minha autoridade, enquanto SG. Infelizmente tive que tomar algumas decisões internas de gestão e alguns companheiros que antes me davam suporte, não gostaram e passaram a apoiar o candidato derrotado, numa tentativa de fragilizar tanto a minha liderança como a organização. Mas por outro lado encaro essa contestação como um ato demonstrativo de democracia interna na organização. Apesar disso, até hoje o candidato perdedor não aceita o resultado das eleições que aconteceram em novembro de 2016, impugnou-as e aguardamos a sentença judicial. A organização tem vivido com alguma dificuldade em termos financeiros, tendo em conta que o citado grupo há dois, três e quatro anos, não paga as quotas, em valores que ascendem os 2.000.000$00, (dois milhões de escudos), asfixiando e dificultando o normal funcionamento da organização. Temos vindo com muita calma e prudência analisar a situação de incumprimento do grupo, sem desfocarmos dos nossos objetivos que são os trabalhadores a razão da nossa existência.
O facto de desempenhar esse cargo, a gestão do tempo, a família, amizades, entre outros aspetos da vida privada, geralmente, são deixados em segundo plano. A sua vida profissional concorre com a sua vida privada? Como faz a gestão da sua vida privada?
Efetivamente os meus amigos e familiares reclamam muito da minha ausência, que passou um pouco para o segundo plano, tendo em conta o meu foco na missão sindical. Tendo em conta que inicio o meu período laboral às 08:30 e muitas vezes termina às 20:00, reservo os sábados e domingos para os amigos e família. Não me considero uma profissional do sindicato. Encaro o sindicalismo como sendo uma missão, com data pré-definida de entrada e de saída, ao contrário de muitos companheiros que pelo fato de terem sido eleitos para um cargo sindical, mudam de profissão, passam a ter como profissão sindicalista. Sou, com muito orgulho, assistente de bordo de profissão e jurista, e futuramente penso exercer advocacia, defendendo os trabalhadores.
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