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Alexandre Novais. “Seria uma aberração construir o Campus só em São Vicente, assim como o é só em Santiago”
Entrevista

Alexandre Novais. “Seria uma aberração construir o Campus só em São Vicente, assim como o é só em Santiago”

Para Alexandre Novais, ex-deputado nacional nas listas do PAICV por São Vicente, e responsável pela Petição Pública online a favor da divisão do Campus da Uni-CV em dois pólos, o “Campus do Palmarejo não é bom para Cabo Verde”.

Santiago Magazine (SM) - Quais são as verdadeiras motivações que levam o grupo de São Vicente a manifestar-se contra a construção do Campus da UniCV na sua totalidade na cidade da Praia?

Alexandre  Novais – Eu para mim nem deveria haver toda essa polémica. Primeiro porque nós tínhamos, na altura da elaboração do projecto, informações fidedignas que nos diziam que os chineses queriam fazer essa obra em São Vicente. Faz sentido pelo historial a nível da educação e da formação em São Vicente, faz sentido também quando pensamos em todas as obras estruturantes que a China já realizou em Cabo Verde, todas concentradas na cidade da Praia. A China, por ser um país amigo de Cabo Verde, queria naturalmente deixar uma marca num outro pólo do país para não ficar tudo concentrado numa mesma cidade. Portanto o propósito, a princípio, era válido e fazia sentido, sendo nós o país arquipélago que somos.

"A lógica económica quantitativa que dita que tudo deve ir para Santiago é uma questão ultrapassada"

– Mas a construção do Campus na Praia foi uma decisão firmada desde o anterior Governo.

-  Sim era a visão da China, mas o Governo teve uma outra visão e introduziu o  critério quantitativo que impera em todas as decisões neste país, mas que acabam por imobilizá-lo. E se há um sector onde não pode imperar a lógica quantitativa é o da Educação. Se fosse para as quantidades e para o número de habitantes não teríamos no mundo as cidades universitárias como Cambridge ou Coimbra, todas feitas em sítios onde não havia grandes populações, mas sim condições para o desenvolvimento intelectual da comunidade estudantil e docente.

Mas entendo a posição do Governo em querer  introduzir a ilha de Santiago neste processo. É normal e natural, porque tem grande número de estudantes e problemas de logística e de infra-estruturas que é salutar. Vendo a maqueta do projecto teria dito da mesma forma, e já o disse publicamente, seria uma aberração construir toda essa infra-estrutura em São Vicente, como também  é  uma aberração em querer construí-la estritamente na cidade da Praia.

- Pelo que entendi, dividir o Campus em dois pólos não deveria ser razão para polémica, porque também não o querem somente para São Vicente, é isso?

- É lógico que não. A polémica existe da parte de pessoas que não lêem as coisas, não compreendem as posições, distorce os factos  e quer de facto que tudo fica na Praia. Cabo Verde é um país de nove ilhas habitadas que partilha uma população com a Diáspora.  Portanto, nós temos que entender que a lógica económica quantitativa e estatística que dita que tudo deve ir para Santiago é uma questão ultrapassada do ponto de vista territorial. E mesmo que estejamos  com toda essa dinâmica isso só se aplicaria a um país continental, onde o desenvolvimento da cidade capital acabaria sempre por arrear todo o país. Mas aqui temos uma realidade física caracterizada pela barreira do mar que não nos permite fazer isso.

E o princípio que aqui defendo é a igualdade de direito do acesso à formação e levar o ensino superior à maioria da população cabo-verdiana. Trata-se de um processo do qual nada se falou durante 3 anos e em dois dias arranca-se com a realização de uma obra.  Não é normal que um assunto desta natureza seja tratado desta forma.

"Acredito piamente que o projecto (Campus do Palmarejo) não é bom para Cabo Verde. E, tal como está pensado, vai empobrecer o país"

- Essa divisão que tanto defende implicaria a capacitação dos dois polos de igualdade em termos de condições de ensino mas com ofertas diferentes permitindo a mobilidade de estudantes de uma região para outra dependendo das suas escolhas, certo?

- Olha, se há momentos na vida de um jovem em que ele deveria confrontar-se com outras culturas e realidades para se enriquecer, é durante os seus estudos universitários. Se há momento em que a juventude cabo-verdiana deveria ter mobilidade e sair do seu “cutelo” e ir conhecer outras realidade é o melhor momento, assim como a maior parte prefere ir para o estrangeiro para alargar os seus horizontes. Portanto, que populações de São Vicente tenham que ir para a Praia ou outra região do país e vice-versa isto para Cabo Verde só seria benéfico porque ajuda-nos a conhecermos melhor e a respeitarmo-nos melhor e a nos amarmos partilhando as nossas diferenças.

Para isso teríamos de ter valências diferentes e de excelência nos dois pólos de acordo com as potencialidades técnicas e práticas que cada região oferece, para podermos captar alunos e docentes de outras paragens do mundo.

- Há muito que se fala na criação de uma Escola do Mar em São Vicente. Poderia ser um ponto de partida para reforçar a ideia da construção de um pólo da UniCV na região do Barlavento?

- Há três anos que estamos a falar na criação de uma Escola do Mar, todos os números indicam que o sector marítimo é a área com maior índice de empregabilidade e onde há maior potencial de internacionalização. Um decreto de papel numa gaveta esquecida que ninguém mais fala no assunto.

A criação de um verdadeiro pólo da UniCV em São Vicente, por exemplo, e a distribuição desses 14 milhões de escudos pelas duas regiões com certeza resolveria esta situação, maximizando essa oportunidade de investimento. Portanto se houvesse bom senso e uma verdadeira vontade genuína de fazer crescer esse país globalmente não se tomaria uma decisão de construir um Campus dessa envergadura num ponto do território para completamente retirar qualquer hipótese de ter alguma excelência em algum pólo de Cabo Verde. Eu não faria isso.

– Mesmo com a questão a causar polémica ainda pretende continuar com a petição?

-Eu não vejo polémica, continuo a dizer. Estou tranquilo e certo da justeza da minha luta e associações que eu considero com algum radicalismo tentam desmobilizar as pessoas. Numa troca de post no facebook com um colega ele me disse que se é para descentralizar então descentralizemos para a Assomada. Quer dizer, vamos descentralizar o campo universitário entre Praia e Assomada para Cabo Verde? Não. Quem está realmente com Cabo Verde descentraliza entre um pólo sul e um pólo norte. Se não podermos fazer mais, façamos estas duas, porque a nossa insularidade impõe uma racionalidade no planeamento territorial.

- Esta situação poderá pôr em causa a relação entre Praia e São Vicente?

- Absolutamente que não. Podem até fazer uma nova petição a reivindicar o pólo para a Praia como já pensaram em fazer. Aliás, eu gostaria de ver todas as ilhas de Cabo Verde a manifestarem em relação aos seus problemas, porque existe muitos problemas nas ilhas e pouca vontade absoluta de os resolver. Quanto mais ilhas manifestarem mais vontade politica terá o Governo em resolver essas questões. Em relação ao Campus do Palmarejo, acredito piamente que o projecto não é bom para Cabo Verde e tal como está pensado vai empobrecer o país.

- A Pro-Praia e a Associação Voz di Santiago já posicionaram em relação a essa questão e consideram-na de  “extremismo e gratuitamente vilipêndica” e até ameaçaram fazer várias petições para impedir que o projecto seja tirado da Praia. Considera estas posições uma “declaração de guerra”?

– Eles têm a legitimidade para dizer aquilo que pensam, porque cada um é livre para dizer aquilo que pensa. Eu digo o seguinte: em nenhum momento e em nenhum escrito meu encontrarão posições radicais. Estou sempre disponível para defender São Vicente porque sou daqui e vivo aqui e seria a mesma coisa se fosse de outra ilha.  E ninguém vai encontrar um escrito meu que sai dessa linha e que seja radical. Não digo a mesma coisa das associações que refere porque já vi escritos a meu ver bastante radicais de dirigentes dessas associações. Aqui espero que o Estado não se deixe influenciar por opiniões que não debruçam sobre a questão e que apenas criam tensões à volta do problema.

Sou amante da ilha de Santiago, da língua, da cultura, da música e estou tranquilo em relação à minha posição, apesar das polémicas serem situações difíceis de gerir.

- Mantém a ideia de levar essa questão para o parlamento no final da petição pública?

- Com certeza, eu quero agora ouvir todos os eleitos sobre o que pensam do ensino superior em Cabo Verde. O que está em jogo aqui é a discussão de uma ideia desde 2014, mas cujo arranque das obras está em alta velocidade agora em 2017, e sem qualquer ligação.

- As obras entretanto já arrancaram na cidade da Praia.

- As coisas são feitas pelos homens, mas as vontades é que fazem as determinações. E o Governo, querendo, faz. Consegue parar as obras a qualquer momento, repensar o projecto, dividi-lo em dois. Se não fizer é porque não quer. Mas queremos mais ainda com essa petição, que esperamos chegar a 1000 assinaturas, dizer aos chineses que a escolha deles era justa: Aqui está a posição da população de Cabo Verde. A petição é uma manifestação da vontade de Cabo Verde e se não for aceito por ser online, calçarei as sapatilhas e sairei casa a casa a recolher as assinaturas com copias do BI para levar esse assunto à Assembleia Nacional. Se não chegarmos ao nosso objectivo final, Cabo Verde é que sairá empobrecido.

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SOBRE O AUTOR

Ester Daniel