Alguém que no exercício das suas funções públicas se faz rodear de familiares em cargos de confiança, está a praticar nepotismo ou amiguismo? Até que ponto esta mistura de papéis poderá beliscar os princípios da transparência, da prestação de contas e da legalidade a que estão vinculadas as instituições democráticas?
Está na moda hoje em dia no país conversas, públicas e privadas, sobre nepotismo, amiguismo, machismo, feminismo, entre outros ismos de pacotilha. Até fórum e passeatas de rua já aconteceram por cá, a ver se gente se entende. No caso, sobre a questão do género, a luta pela igualdade, a liberdade sexual e demais coisas...
Da pertinência ou não destas conversas, ninguém ainda se pronunciou, num país a braços com problemas básicos como abastecimento de água, habitação social, abandono escolar, violência contra crianças, mulheres e velhos, para além de falta de três refeições diárias para milhares de famílias, sobretudo agora que o país está a atravessar dois anos de seca.
Sendo pertinente ou não estas conversas ou discussões, é porém saudável assistir uns se assumindo temer mais o amiguismo do que o nepotismo, outros atacando o machismo, com argumentos de que os homens querem perpetuar como eternos vilões nas relações conjugais, amorosas ou apenas sexuais, e outros ainda a malhar no feminismo, acusando as mulheres de quererem tomar a rédea aos homens, executando os mesmos actos considerados perniciosos e atentatórios aos mais elementares direitos do género feminino, que outrora, ou ainda hoje, os homens andam a praticar, e que fundamentam a luta das mesmas.
Ora bem, como se diz no seio do povo, quando todos ralham é possível que ninguém tenha razão. Deste modo, parafraseando o outro, convém deixar estas conversas como estão para ver como é que ficam.
Nada, entretanto, que nos impeça de continuar a escrutinar certos factos que, pela sua natureza e identidade, mexem com o interesse colectivo de uma forma profunda e imediata, devendo assim ser equacionadas à luz das leis da República e da sanidade popular das instituições democráticas.
É o caso, por exemplo, da Câmara Municipal de São Salvador do Mundo e do seu presidente, Ângelo Vaz.
Este homem tem como um dos assessores e líder da bancada municipal, o seu primo Gil Vaz. Este mesmo Gil Vaz é simultaneamente coordenador do MpD em São Salvador do Mundo, partido que sustenta o poder local naquele município de Santiago Norte.
O secretário municipal - por força da lei o principal gestor dos recursos financeiros, humanos e patrimoniais do município -, é o também seu primo José Pedro Vaz. Este, por sua vez, é coadjuvado por um outro primo do presidente, de nome Cláudio Garcia, técnico superior da Câmara Municipal, recrutado por Vaz logo após as eleições de setembro de 2016, que o colocaria na liderança dos sãos salvadorenhos.
Chegado a este ponto, importa atentar para a seguinte questão: a gestão do município de São Salvador do Mundo e do seu presidente Ângelo Vaz como é que pode ser classificada no quadro das conversas que aqui em Cabo Verde têm tido lugar, no que respeita aos princípios e regulamentos da administração dos serviços públicos e dos bens públicos? Nepotismo?... Amiguismo?...
Os princípios da transparência, da prestação de contas e da legalidade são fundamentos caros ao processo democrático e às sociedades democráticas.
O controlo é uma das maiores valências nas organizações administrativas.
O Tribunal de Contas, a Inspecção Geral de Finanças e a própria Direcção Geral da Administração Pública são instituições concebidas e preparadas para garantir a observância dos princípios da administração pública e das leis existentes, acompanhando preventiva e sucessivamente os actos das instituições públicas.
De modo que importa ainda questionar o seguinte: neste caso, o que é que estes serviços públicos têm a dizer? Onde estão a ética e a deontologia que as instituições públicas devem observar no exercício das suas funções?...
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