As eleições autárquicas de domingo, 25, vieram mostrar o que todo o mundo sabe – a purgueira não dá uvas. Entretanto, a arrogância, o cinismo, o orgulho, os interesses conjunturais cegam o entendimento de políticos e não políticos, ao ponto de se comportarem como se não soubessem ser impossível uma tal façanha.
O PAICV saiu vitorioso dessas eleições. Ganhou 8 câmaras, incluindo a da Praia, o maior município do país. Naturalmente que o MpD é o grande derrotado.
Os resultados para um e outro poderiam ser diferentes, caso não comportassem como se a purgueira desse uvas.
A forma como o MpD governou o país desde 2016, abriu grandes oportunidades para a superação política do PAICV, assim abreviando um hipotético regresso dos tambarinas ao poder, tanto local como nacional.
Entretanto, nessas autárquicas, assistiu-se a uma Janira Hopffer Almada praticamente sozinha, numa luta titânica contra um MpD hegemónico, financeiramente poderoso, com ramificações e cumplicidades estratégicas vincadas em todos os setores da sociedade civil, do setor privado e das instituições públicas.
A atitude do partido da estrela negra – com os seus principais membros históricos remetidos ao silêncio e à indiferença -, é própria de uma instituição – será alguém? - que espera colher uvas numa purgueira. E este facto coloca a líder do PAICV como a grande vencedora das eleições autárquicas de 25 de outubro. Porque Janira fez cair o mito e venceu o monstro praticamente sozinha.
E como não podia deixar de ser – porque se assim é, assim deve ser dito – Ulisses Correia e Silva é o grande derrotado dessas eleições. Porque sim! Porque a arrogância, o orgulho, precedem a queda.
É lugar comum afirmar que numa democracia a oposição é tão importante quanto a situação. Essa premissa, básica nas sociedades democráticas, tem sido ao longos dos tempos assimilada por uma larga escala de cabo-verdianos – letrados e não letrados – quanto mais não seja porque se trata do bom senso e o bom senso é de fácil entendimento para pessoas de boa vontade.
Com a subida do MpD ao poder em 2016, depois de 15 anos na oposição, esperava-se desse partido, que se afirma pai da democracia cabo-verdiana, uma postura mais humanista no tratamento das questões essenciais da vida das pessoas, como sejam o respeito pelo dissenso, a defesa da liberdade e a promoção da participação de todos no processo de desenvolvimento.
Esperava-se um MpD amigo, federador, sensível ao clamor do povo, dos empresários, da oposição democrática, da sociedade civil organizada, das igrejas…
Mas não… o país foi surpreendido, nesses quase 5 anos, por um grupo a gritar pela sua vez, a reclamar pelo seu lugar, a promover o amiguismo, o clubismo e a incompetência.
Um grupo a financiar o setor privado, mantendo, todavia, a taxa de desemprego em níveis incomportáveis, a infraestruturação do país amputada, a política social de rastos e as desigualdades sociais em perigosa aceleração.
O país assistiu a um governo desnorteado, omisso, descaracterizado, a dizer uma coisa agora e momento seguinte fazer outra completamente diferente.
Um governo sem qualquer projeto estruturante para o país - falhou na regionalização, falhou nos transportes, falhou no emprego, os três pilares que construíram a sua vitória nas urnas em 2016.
Um governo surdo, incapaz de ouvir seja quem for, nem mesmo a sua base de apoio. E mudo também. Incapaz de dialogar com a sociedade, com a oposição, nem consigo mesmo. Resultado: falhou com os cabo-verdianos em toda a linha.
E é certamente este facto é que terá a honra - será desonra? - de explicar a não remodelação do governo durante todos esses anos, quando faltam apenas seis meses para o fim do mandato.
É possível que seja contranatura um chefe do governo remodelar o seu elenco na ausência de resultados reais e mensuráveis do processo governativo. Porque, onde não há resultados, remodela-se o governo porquê e para quê? Remodela-se quem e porquê? A resposta a essas questões são essenciais para se perceber a atitude de Ulisses Correia e Silva quando resolveu não mexer no governo.
Até porque é por demais óbvio que num governo sem resultados, o primeiro-ministro é o primeiro a ser remodelado. É o bom senso.
Quem responde pelos maus resultados de uma governação é o chefe do governo. Ou ele não soube escolher os seus colaboradores e por isso mesmo deve ser remodelado, ou não conseguiu desenhar, com sabedoria, conhecimento e competência, um programa de governação exequível, vinculado aos grandes desafios e potencialidades do país, devendo, aqui também, e por maioria de razão, ser remodelado.
Tudo indica que cedo Ulisses Correia e Silva entendeu isso, ou seja, percebeu que não tinha legitimidade para remodelar ninguém no seu executivo, e resolveu deixar tudo como está, assumindo assim toda a responsabilidade pelo descalabro da sua governação.
É, mais uma vez, o bom senso.
E não tendo legitimidade para mexer nos seus colaboradores, acomodou-se no seu lugar, como é próprio do seu instinto, á espera que o tempo lhe trouxesse as respostas e as soluções que tanto precisa, colocando-se de atalaia a aguardar as cenas dos capítulos que vão surgindo com o correr dos dias.
No dia 25 de outubro chegou o capítulo autárquico, e o país viu um primeiro-ministro nervoso, calcorreando vales e montanhas das ilhas na tentativa de salvar as honras do convento. Só que o convento já não tinha honras nenhumas, mas o ilustríssimo chefe do governo ainda não havia dado conta, entretido que esteve ao longo desses anos na inglória construção de um governo neoliberal.
Sim! É isso mesmo que acabou de ler, caro leitor. Aqui mesmo, neste país minúsculo, sem mercado, sem capital, sem capacidade produtiva, sedento de infraestruturas básicas, com graves carências nos domínios da saúde, do saneamento, da habitação, do emprego - enfim, um país desigual em todas as suas estruturas - como se fosse possível fazer a purgueira dar uvas.
E como, definitivamente, a purgueira não dá uvas, das 20 câmaras que liderava, Ulisses perdeu seis. Os cabo-verdianos falaram. Quem tem ouvidos, ouça!
A direção,
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