Editorial. A máfia de terrenos e o "dinheiro que nunca mais acaba"
Editorial

Editorial. A máfia de terrenos e o "dinheiro que nunca mais acaba"

Porque realmente importa, Santiago Magazine publica dois editoriais com o mesmo título “A mádia de terrenos e o 'dinheiro que nunca mais acaba'". Porque está tudo ligado. A primeira parte, com data desta quinta-feira, 25, vai se debruçar sobre a Convenção de Estabelecimento com exemplos documentados sobre a Imobiliária Turística Salamansa e o The Resort Group, com incursões pela Tecnicil e referências a quem são os principais beneficários deste esquema e que mantêm cargos a nivel do Estado. A segunda parte, analisará a Concessão de Terrenos e a Utilidade Turística. O assunto é sério.

“Por cá, atinge-se a loucura o terrorismo de Estado, com caceteiros de rua, beatos intelectuais e vingativos magistrados, impulsionados pela ala governativa do conde de Basto (1749-1833), enquanto os pedristas conseguem um empréstimo de dois milhões de libras junto do banqueiro Jacques Ardoin (1779-1854), de Paris.”

José Maltez

Antes um pequeno preâmbulo: vamos convir que o melhor negócio em Cabo Verde tem sido na área da imobiliária: viável, de pouco risco e alta rentabilidade. A prova de que quanto mais riscos mais rentabilidades nem sempre é uma obrigação.

Porquê que o Estado não investe na requalificação destas zonas e vende o terreno, sabendo que o lucro é garantido, em vez de oferecer a privados? Não tem 40/50/60 milhões de euros? Afinal, há ou não “dinheiro que nunca mais acaba?”

Para termos a noção de quanto está em jogo, na notícia veiculada em 2013 no portal sapo.noticias.cv, o empresário Alfredo Carvalho, presidente do Conselho de Administração da Tecnicil afirmava: “A urbanização da Cidadela no Palmarejo Baixo (ilha de Santiago), investimento que rondou os três milhões de contos, e a construção dos dois maiores condomínios da Cidade da Praia, Mira Mar e Ondas do Mar, foram investimentos que renderam à volta de um milhão de contos para cada um dos associados, afora ganhos conseguidos em outros empreendimentos considerados menores como Império I, III Milénio de entre outros edifícios construídos em Achada de Santo António”.

Investiram 3 milhões de contos e tiveram lucros líquidos de 2 milhões de contos!

Talvez seja esta paixão recente do ministro Olavo Correia, (ex?)-sócio da Tecnicil, pelo Tarrafal, que tudo aponta vir a ser a próxima localidade “a ser assaltada” pelas empresas imobiliárias do regime. Lucrar, lucrar sempre, ainda que o Estado perca.
Como se sabe, os melhores terrenos continuam a cair em mãos de empresas imobiliárias, oriundas de (ex?)-políticos e ex-administradores públicos, descontroladamente! Isto é indesmentível, tal como o foi, se bem que em escalas e nuances diferentes, no tempo do anterior Governo.

Uma simples revisita ao que já se escreveu e se provou sobre esses golpes nos terrenos em Cabo Verde elucida a dimensão do problema. Por exemplo, o advogado Felisberto Vieira Lopes tinha escrito vários artigos no Jornal A Semana entre 2010 e 2011 sobre a “Máfia dos terrenos da Praia”, nos quais chegou a acusar alguns dirigentes políticos de burla nos “terrenos do Palmarejo, Palmarejo Grande/Monte-Vermelho (entre a estrada para Cidade Velha e o mar, com que confronta), Frouxa-Chapéu, Terra Branca, Simão Ribeiro,  Cidadela, Caiada, Monte Babosa” etc, .

Basta lerem os artigos: “O caso Palmarejo – a maior burla na história de Cabo Verde” e “Inspeção deteta mega-burla nos terrenos da Praia” (Jornal A Semana, de 25 e 27 de Fevereiro de 2011). Esses textos deram origem a um livro homónimo que o seu autor distribuiu de borla para todos saberem o que se passa na gestão fundiária nacional e na Praia em particular.

Hoje, persistem os crimes neste sector, talvez mudaram os actores. Ou a dinastia vem passando o diadema. Veja: o 'Monte Babosa', ali nas imediações do Palmarejo na via que segue para Cidade Velha, pertence ao Capital Country Club, S.A., empresa que, pasme-se, até há dias tinha como secretário da Mesa de Assembleia Geral o secretário de Estado da Economia Marítima, Paulo Veiga (renunciou em 2019), tem ainda como administrador José Tomás Veiga e administrador suplente o actual embaixador de Cabo Verde em Washington, Carlos Veiga, com mandatos de 2017/2019.

Então vamos lá ver: se, como disse o vice-ministro e ministro das Finanças Olavo Correia, “dinheiro é o que não falta hoje em Cabo Verde. Para o financiamento do sector privado, tem que haver projetos bancáveis”, então diga lá, caro leitor quais foram os projetos bancáveis que receberam financiamentos? Quem são os donos destes projetos bancáveis? Com estas informações muito do mito empreendedor em Cabo Verde seria desmascarado.

E passamos a explicar. Para já, há quatros formas encontradas no País para transformar um Investimento em Bancável e conseguir o investimento “do dinheiro que nunca mais acaba”, em particular no Turismo: a Convenção de Estabelecimento (Governo e Privado), a Concessão de Terrenos (Autarquias e Privados), a Parceria-Publico-Privado (Governo e Autarquias e Privados) e o Estatuto de Utilidade Turística. Hoje vamo-nos debruçar sobre a Convenção de Estabelecimento.

CONVENÇÃO DE ESTABELECIMENTO

Grosso modo, é um instrumento de Incentivo ao investimento, com ênfase em benefícios fiscais, aduaneiros e doações de terrenos, com a finalidade de atrair mais investimentos. Actualmente, com o Governo do MpD, o montante de investimento necessário é 550.000.000 CVE (anteriormente era 3.000.000.000 CVE), e 10 de postos de trabalho (anteriormente era 100).
São vários os acordos de Convenção de Estabelecimento que foram efectuados nas últimas décadas. No fundo trata-se também de uma metamorfose legal de transferência de terrenos valiosos e privilegiados a alguns investidores.

Mas apesar da justeza e seriedade deste instrumento para a atracção de investimentos, nebulam dúvidas pertinentes sobre a sua valência. Por exemplo, o governo exige prova concreta do financiamento, isto é, a garantia de que o Investidor tem o dinheiro para investir antes de assinar a Convenção de Estabelecimento? Tem sido a Convenção de Estabelecimento (doação de Terrenos e isenções fiscais e aduaneiras) o garante do financiamento apresentado aos investidores?

Mais, não há uma inversão do objecto da criação deste mecanismo de captação de Investimento, em particular do Estrangeiro (entrada de Capital no Pais)?


I

IMOBILIARIA TURISTICA DE SALAMANSA

A Imobiliária Turística Salamansa, é uma empresa que pertence ao Grupo Figueiredo SGPS, e tem como membros do Conselho de Administração Paulo Figueiredo, Teófilo Figueiredo, José Carvalho (foi diretor geral de Turismo, Administrador Executivo da SDTIBM, administrador não executivo e presidente substituto da Cabo Verde Investimentos) e José Tomás Veiga.
A criação das Zonas Turísticas Especiais em São vicente na zona de Salamansa, Saragaça, Topinho e São Pedro, foi oficialmente aprovada no B. O. N.º 32 de 25 de Agosto de 2008, pelo então Governo de José Maria Neves.
A 20 de outubro de 2017, através da Resolução nº 116/2017, o Plano de Ordenamento Turístico (POT) é alterado (incluindo o do Saragaça, Topinho e São Pedro) , determinando que, “dos 552 hectares da Zona Turística de Salamansa, 70% se destinem à ocupação de empreendimentos hoteleiros e imobiliária turística, 22% constituam áreas não ocupáveis e 8% sejam reservados à Área Técnica. Da área ocupável, o POT determina ainda que 11% sejam reservados ao campo de golfe”.

Em Novembro de 2017, é aprovada a minuta da Convenção de Estabelecimento a celebrar entre o Estado de Cabo Verde representado pelo Ministro da Economia e Emprego, José da Silva Gonçalves e a Imobiliária Turística de Salamansa - ITS S.A. para a “Urbanização da Fase 1 da ZTS.”

Um mês depois, em Dezembro de 2017, esse acordo foi assinado, preconizando, entre outros, benefícios fiscais e aduaneiros concedidos que vão desde Isenção do Imposto Único sobre o Património nas aquisições e manutenção de imóveis destinados à sua construção e instalação; Isenção de direitos aduaneiros na importação de materiais e equipamentos incorporáveis na construção do empreendimento turístico e das infraestruturas básicas necessárias sua instalação (de uma forma geral todos os equipamentos complementares de usufruto coletivo aos utentes dos empreendimentos turístico), designadamente materiais de construção civil, ferro e cimento, equipamentos sanitários, equipamentos elétricos e eletrónicos bem como seus acessórios e peças separadas, quando os acompanham; Isenção de direitos aduaneiros na importação de mobiliários destinados à primeira instalação e de veículos de transporte coletivo de passageiros para o transporte, exclusivo de turistas e bagagens, uma única vez; Isenção de tributação dos lucros e dos dividendos distribuídos, durante os 10 (dez) primeiros anos de funcionamento; a Isenção de imposto de selo nas operações de contratação de financiamento, operações de leasing e montagem financeira.

E, ainda, caso queira, a CMSV pode isentar a IST de pagar IUP.

Segundo o acordo assinado com o ITS, “o período de Investimento – o prazo estipulado para a realização do investimento proposto, prazo esse nunca superior a 10 anos, contados a partir da data da assinatura da presente convenção, e a Vigência da Convenção é de 15 anos contados a partir da data da respectiva assinatura".

Portanto, com base na Lei anterior da Convenção de Estabelecimento as obras deveriam ter começado em Dezembro de 2018. E com a sua alteração, o Gobverno bem pode procurar investidores durante 10 anos e gozarem de isenção durante 15 anos!

Mais: no pasado dia 1 de Julho deste ano, quase 7 meses após a assinatura da Convenção de Estabelecimento, durante o Cabo Verde Investment Forum, foi rubricado um acordo entre a Imobiliária Turística de Salamansa (ITS) e o Banco de Investimento e Desenvolvimento da CEDEAO (EBID) para a construção do "Salamansa Bay Stage1" na Ilha de São Vicente.
Isto significa que o Governo ofereceu milhares de metros quadrados que custam milhões de contos à ITS, deu-lhes isenções totais antes de se saber se esta empresa tinha ou não capacidade para construir a obra.

O lamento de Eugénio Inocêncio, antigo embaixador de Cabo Verde em Portugal, pelo facto de “apenas um projecto em Cabo Verde recebeu até hoje o financiamento ddo EBID", entidade financiadora da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)”, é, aliás, sintomático.

Enfim, é assim que se transforma um negócio em Bancável para o “dinheiro que nunca mais acaba” e lucros que “nunca mais acaba”?

Outras questões fundamentais: Os terrenos foram dados como garantias ao Banco de Investimento e Desenvolvimento da CEDEAO (EBID) pelo ITS. O país tem de saber, estes terrenos agora pertencem em definitivo ao ITS? Não é legítimo pensarmos que o objectivo número um para a construção da Estrada Baia das Gatas/Salamansa é ajudar neste empreendimento?


II

The Group Resort - Praia, Sociedade Unipessoal S.A.


Este é outro exemplo obrigatório. Vejamos: o representante do The Resort Group – TRG (Hotéis Meliã), o gestor Victor Fidalgo, antigo PCA da Cabo Verde Investimentos (2005-2008), esteve ligado em várias polémicas da venda de terrenos enquanto desta agência do Estado. Assinou a Convenção de Estabelecimento, enquanto PCA da Cabo Verde Investimentos, com a Tortuga Beach Resorts, a Turinvest Imobilia, S.A, a Turinvest Holding, S.A, etc, (é famosa a venda de Pedra de Lume ao Stefanina; Turinvest ou Halos Group), e é o “dono” da construção do Hotel Hilton na Praia (e outros).

Durante o Cabo Verde Investment Fórum 2019, na ilha do Sal, Fidalgo esteve directamente envolvido na assinatura da Convenção de Estabelecimento entre o Arco Verde-Hotelaria e Turismo S.A , a Club Hotel CV, S.A, e Chaves Hotel & Investimentos, AS, com o Governo de Cabo Verde.

São milhares de metros quadrados de terrenos, que custam milhões de contos que foram disponibilizados a estes grupos. Será que o EBID irá funcionar para estes projectos?

Segundo o site do Grupo, o Hilton Praia, “representa o primeiro hotel comercial do The Resort Group PLC direcionado aos visitantes da capital. O planeamento completo foi concluído e a inauguração ocorreu em 12 de novembro de 2015, com abertura prevista para Maio de 2019, com uma construção prevista de 41 milhões de euros". Estamos em Julho de 2019!

Estes acordos não configuram o maior golpe imobiliário de sempre em Cabo Verde? Assim, qualquer cidadão (?) pode ser empreendedor!

Enquanto continuarmos a discutir futilidades (Santiago vs São Vicente) estão a proliferar empresas imobiliárias de dirigentes políticos e equiparados. Quando decidirmos lutar para ao país, seremos o “brasileirinho” na sua vertente mais negativa.

Hermínio Silves

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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