“Deixem-nos trabalhar. Nós é que estamos a governar. Não critiquem, deixem-nos trabalhar e depois pedem contas”. Quem ainda não ouviu estes e outros mimos vindos do Governo, particularmente dos ministros, Olavo Correia e Fernando Elísio Freire, com sonoros aplausos do secretário-geral do MpD, Miguel Monteiro. É a lei do silenciamento da sociedade cabo-verdiana na sua expressão mais violenta.
Chico Buarque de Hollanda, músico, escritor e dramaturgo brasileiro, compôs e cantou a canção “pai afasta de mim este cálice”, para escarnecer do silêncio imposto pelo regime ditatorial então reinante no grande Brasil, corria o ano de 1978.
Este homem, fino observador do seu tempo e da sua época, terá encontrado nas letras e nas artes as armas necessárias para driblar os atalhos da ditadura e promover a liberdade de pensamento e de expressão, numa sociedade dirigida por um regime militarizado, sanguinário e violento. E nesta canção ele aproveitou a oportunidade para pedir ao pai, diga-se regime, que se afastasse dele o “cálice do vinho tinto de sangue”.
Esta música do Buarque será sempre um grito de liberdade para todos os povos que, ontem e hoje, enfrentam tentativas de silenciamento por parte dos poderes instituídos, seja por meio do voto popular ou pela força das armas. Porque quando a tentação é usurpar os direitos sociais e políticos do outro, os regimes acabam vestindo a mesma indumentária – as vestes da ditadura.
Não existe democracia sem oposição, sem uma sociedade civil organizada, activa e livre. Não existe democracia sem a liberdade de expressão, sem o respeito pela universalidade das leis e sua aplicação indiscriminada sobre todos os actores sociais.
A paz social e o desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas exigem que as instituições democráticas exerçam as suas funções com responsabilidade, elevado sentido ético, e respeito escrupuloso pelas leis e pelos direitos individuais da pessoa humana. Estes ditames, parafraseando Gandhi, são tão velhas como as montanhas.
A relação de respeito, consideração e confiança que deve existir entre o governante e o governado está umbilicalmente ligada á forma como este exerce o poder, em que a satisfação das necessidades colectivas nos sectores tradicionais das funções do Estado, como a saúde, a educação, a segurança e a justiça, assumem um papel central no processo de desenvolvimento, sendo factor de estabilidade emocional, psíquica, económica e financeira do individuo.
A liberdade de pensar e expressar livremente é anterior às nações, sendo inata, como a vida. Até este momento, a história da humanidade não registou um único caso em que os diversos poderes instituídos por este vasto mundo tenham tido sucessos nas suas tentativas de silenciamento das sociedades e das pessoas.
Todas as ditaduras do mundo saíram fracassadas neste processo. Praticaram sevícias sanguinárias, mataram, prenderam, torturaram, mas não conseguiram calar as vozes discordantes, as opiniões contrárias. Quando calavam uma voz surgiam mais duas ou três, e assim por diante.
O mal jamais venceu o bem. Até os dias de hoje não se conhece um único caso em que tal se verificou. Sendo efémero e peregrino, o mal jamais prevalecerá. Só a verdade é eterna, porque só ela é capaz de libertar.
Cabo Verde precisa pensar nisso! Este país e o seu povo não aceitam mordaças. Nunca aceitaram. A nossa história é rica neste domínio.
Consultemos, pois, a história deste povo, porque é necessário que o governante conheça o governado.
A palavra de ordem “cale-se”, muito em voga nos últimos tempos, complementada com ameaças judiciais e outras formas de condicionamento da liberdade do outro, não vincará entre nós, porque ela é estranha aos cabo-verdianos. E, como um corpo estranho, ela é automaticamente rejeitada pela sociedade cabo-verdiana. Naturalmente!
A direcção
Comentários