Luís Rodrigues trabalhou durante cerca de 50 anos na Noruega e quando soube que uma empresa local queria criar um projeto de atum em aquacultura, moveu todos os pauzinhos para “desviar” a ideia para o seu país de origem.
“Eu é que contactei a companhia Nortuna, que estava à procura de estabelecer este projeto num país com o mesmo tipo de clima e de água quente. Estavam a preparar-se para irem para as Canárias, e eu perguntei-lhes: Porquê Canárias, por que não provar Cabo Verde? Eles gostaram da ideia e assim iniciou-se o desvio para a implementação do projeto em Cabo Verde”, contou à Lusa Luís Rodrigues, natural da ilha de São Vicente.
Após trabalhar em companhias norueguesas de produção de petróleo, o cabo-verdiano foi a peça-chave para o Governo do seu país de origem ter autorizado a concessão por 50 anos de uma área na orla marítima de 236.000 metros quadrados (m2) na praia de Flamengo, em São Vicente, a favor da Nortuna Holding CV, para criar uma unidade de produção de atum em aquacultura.
A empresa do grupo norueguês Nortuna chegou a Cabo Verde em 2019 e dois anos depois começou a construção dos estaleiros para o projeto “Nortuna Atlantic Blue Fin Tuna” na praia no sudoeste da ilha, que fica a 11 quilómetros da cidade do Mindelo e a 2,5 quilómetros de São Pedro, localidade onde fica situado o aeroporto internacional Cesária Évora.
O agora diretor da empresa em Cabo Verde e sócio-gerente do projeto explicou que no ano passado a empresa realizou o primeiro teste de importação de ovos do atum do mediterrâneo para o arquipélago, para fazer a eclosão e produção do atum azul, mas uma falha na alimentação impediu a desova, o que obrigou a uma paragem ao 19.º dia e a voltar tudo à fase inicial.
No entanto, o processo está a ser retomado agora, com peixes suficientes para a fertilização e assim começar a desova dos atuns azuis, previsivelmente para junho próximo, prevendo-se que vai demorar pelo menos um ano até ter os primeiros peixes no mercado.
“O nosso objetivo é ter atum no mercado em 2024, entre junho e setembro”, perspetivou o responsável cabo-verdiano, indicando que nessa altura o atum já poderá ter entre 12 e 15 quilos, mas lembrou que se torna adulto com 35 quilos, isso depois de dois anos em pleno financiamento de uma “fazenda ‘offshore’” no mar cabo-verdiano para a produção da espécie.
Aquela unidade, ainda em fase de expansão para dentro da ribeira de Flamengo, prevê ser das maiores exportadoras de Cabo Verde dentro de três anos, quando atingir a marca de 10.000 toneladas de atum-rabilho do atlântico produzidas em aquacultura localmente.
“Estamos numa fase-piloto, vamos fazer um teste para confirmar que temos possibilidade de chegar ao patamar de 10 mil toneladas por ano. Mas nesta primeira fase vamos pôr 30 a 40 mil juvenis no mar, que vai dar uma capacidade na fase piloto de 700 a 900 toneladas e é isto que vai dar uma indicação de como é que vamos fazer a expansão no mar”, apontou Rodrigues.
O diretor avançou que o mercado destinatário do atum será o do sushi, concretamente Japão e China, mas também a Europa, onde o consumo e o preço têm aumentado.
“Nós temos a certeza de que Cabo Verde, tendo uma área económica do mar muito grande, quase a mesma área que a Noruega, tem também uma responsabilidade de usar esta área para produção de alimentos”, frisou o diretor, que já ‘piscou o olho’ aos mercados africano, brasileiro e norte-americano.
Além de São Vicente, numa outra fase, a intenção do grupo é expandir-se para Tarrafal de Monte Trigo, em Santo Antão, e para a baía de São Jorge, em São Nicolau, para mais do que duplicar a produção desta e de outras espécies de pescado.
“Mas o principal é captar todas as experiências aqui em São Vicente, antes do plano de expansão para outras ilhas”, avisou o sócio-gerente, esperando ter tudo em pleno funcionamento dentro de três a quatro anos, com fábricas de produção de gelo e de transformação de pescado.
O atum-rabilho (Thunnus thynnus), que pode ultrapassar os 200 quilogramas por peixe, é considerado o “rei” do sushi e apresenta, recorda a empresa, o valor mais alto de mercado, com o Japão a garantir 60% das compras.
Trata-se de uma espécie classificada como ameaçada e o excesso nas capturas no Atlântico e no Pacífico levou várias empresas a apostarem em produção certificada através de aquacultura, e em Cabo Verde já está a gerar grande expetativa.
Um dos primeiros cabo-verdianos a trabalhar na fábrica é Lídia Monteiro, de 29 anos, natural da ilha vizinha de Santo Antão, e contou que foi tudo muito rápido, mas bem pensado.
“Terminei o meu mestrado em 2020, na época da pandemia, regressei a Cabo Verde, mas antes quando estava no Brasil eu já estava vendo as notícias sobre este projeto que iam implementar em Cabo Verde, então eu fiquei seguindo e quando eu cheguei eu enviei o meu currículo, contactaram-me e em 2021 comecei a trabalhar na Nortuna”, recordou a bióloga e mestre em Aquacultura.
No dia-a-dia, Lídia, residente em São Vicente, disse que passa a maior parte do tempo no laboratório, a produzir microalgas, enquanto na estufa alimenta os peixes reprodutores de ovos que depois vão servir para alimentar as larvas de atum.
“É uma satisfação imensa ser dos primeiros cabo-verdianos a trabalhar aqui – neste momento somos duas biólogas – é uma experiência maravilhosa”, disse a jovem, membro da equipa que neste momento conta com 22 trabalhadores e prevê gerar 400 empregos quando todas as valências estiverem a funcionar.
Luís Rodrigues disse à Lusa que o atum que vai ser produzido em Cabo Verde vai ter uma “valia extraordinária”, com menos mercúrio e outros tipos de ferro, porque vai ter uma alimentação controlada.
“Por exemplo, para crescer um quilo de músculo do atum em aquacultura vai ser preciso 4 ou 5 quilos de alimentos, enquanto se estiver no alto mar, fazendo caça, ele alimenta-se de 36 quilos de alimentos. E esta é uma contribuição essencial para a sustentabilidade”, frisou.
“Esta é uma oportunidade para Cabo Verde dar um passo na aquacultura que tanto merece”, disse, referindo que a intenção da empresa é produzir no futuro outras espécies de pescado e aproveitar a cadeia de logística para fazer o transporte para o continente africano.
“Temos um continente africano aqui que está a crescer com muitos jovens e com potencial económico de grande negócio, temos o Brasil a seis horas, Portugal a quatro horas, Estados Unidos a seis horas, estamos no centro estratégico para fazer negócio e o pescado tem um grande valor”, concluiu.
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