Com a independência de Cabo Verde, as músicas de intervenção, cujo propósito assenta-se na preocupação de difundir uma mensagem, foram relegadas para o plano secundário, pois haviam perdido o carácter mobilizador a que se destinavam.
Face a outras preocupações, este tipo de música volta a surgir, na década de noventa do século XX, mas já revestido de um novo matiz.
Zezé di Nha Reinalda emerge-se no promotor desta nova configuração musical.
ECCE O HOMO:
José Bernardo Dias Fernandes nasceu em Latada de São Pedro, cidade da Praia-ilha de Santiago, no dia 10 de Janeiro de 1952, filho de Belmiro Dias Fernandes e de Reinalda da Veiga Fernandes.
Cresceu no Bairro Craveiro Lopes.
Ganhou simpatia pela música ainda garoto, influenciado pelo ambiente do seu bairro, sempre polémico e audaz em gerar coisas novas. Em casa, o pai tocava viola e a mãe cantava.
Começou a sua carreira artística em 1976, no conjunto musical “Opus 7”. Vocalista do grupo, tornou-se também neste período compositor.
Em 1980 integrou o agrupamento “Bulimundo” e nesse mesmo ano gravou o seu primeiro trabalho a solo “Djentis d’Azágua”.
Compositor de característica multifacetada, Zezé compõe sobretudo morna, coladeira e funaná. E a fim de, no seu dizer, descongestionar o ambiente desses estilos clássicos, criou “funacola”, um ritmo formado não só pela justaposição das duas primeiras sílabas dos termos “funaná” + “coladeira”, mas também de conteúdo musical a reflectir uma mistura destes dois géneros.
Músico contestatário do pós-independência, o desenvolvimento dos seus temas alimenta-se da observação do dia-a-dia, com letra colocada de forma subtil, o que acaba por revelar a sua própria visão da música enquanto instrumento de reflexão.
Mais analista social do que psicólogo, cujo valor social da sua obra está na denúncia, as suas composições, contruídas sob a forma de sátira, reflectem, a nível temático, o processo da vivência e funcionamento da sociedade:
“Tâ côdji purga
Pan’ odjal tâ bá liceu
Dentu si báta brancu álbu
Bendé pastel pan’ cumpra papel
Pé ca fica sima mi
Nhu djudan’
Pâ bocádu câ faltan’
Nhu dan’ corági
Pan’ cria nhas fídju
N’ bá djóbé trabádju
És fica só tâ badjan’
És badjan’ cu nha tabuleru
Pomó n’ câ tem ninguém na puleru
(...)”
Mas a sua qualidade mais notável é a aptidão para generalizar a partir da observação concreta, colocando-se numa posição de analista social:
“Câ tem ninguém
Qui crê nha terra más di qui mi
N’ tâ vivé pâ el
N’ tâ moré pâ el
(...)”
E num pensamento discursivo, atinge mesmo a sátira caricatural:
“Ranjan’casa na Prainha
Garantin’ mudjer na TACV
Autorizan’ nha transferência
Cabo Verde é tudu nha existência”
Compositor de mornas, introduziu neste género alguns acordes a nível tanto temático quanto na organização musical, que evidenciam sinais de renovação e evolução neste género.
Investigador, além de ter-se preocupado em interpretar a quase totalidade dos estilos musicais cabo-verdianos, contribuiu ainda, através da interpretação de suas músicas, para trazer ao convívio público vários compositores, então sob anonimato.
E para levar avante o seu projecto, em 1985 fundou, de parceria com o irmão Zeca, o conjunto “Finaçon”, que outorgou grande desenvolvimento ao funaná de nível estilizado.
Pela sua contribuição para a afirmação e valorização da cultura cabo-verdiana e para a sua divulgação além-fronteiras, a 5 de Julho de 2005, enquadrado nas festividades do XXXº Aniversário da Independência Nacional, Zezé foi galardoado pelo Governo de Cabo Verde com o Primeiro Grau da Medalha de Mérito.
E ainda em reconhecimento pela sua louvável e relevante contribuição para o engrandecimento da Nação Cabo-Verdiana, a 5 de Julho de 2006, no quadro das celebrações do XXXIº Aniversário, Zezé foi condecorado pelo Presidente da República de Cabo Verde com a Primeira Classe da Medalha do Vulcão.
Figura marcante da música tradicional cabo-verdiana, no da 09 de fevereiro de 2019, Zézé e seu irmão Zeca di Nha Reinalda, foram homenageados, numa gala realizada na Assembleia Nacional, pela Sociedade Cabo-Verdiana de Autores-SOCA.
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