"Os Dois Irmãos" continua a indignar cineastas e artistas cabo-verdianos
Cultura

"Os Dois Irmãos" continua a indignar cineastas e artistas cabo-verdianos

Passada a azáfama da antestreia, com pompas e circunstâncias, da longa metragem do realizador português Francisco Manso, uma co-produção portuguesa (Take 2000) e cabo-verdiana (Ministério da Cultura e Indústrias Criativas-MCIC) algumas vozes de desaprovação se fazem ouvir no meio dos artistas, em particular aqueles que se dedicam à sétima arte no país. Mais do que questionar a qualidade do próprio filme, estes criticam a opção do MCIC pela forma como escolheu financiar o projeto de Francisco Manso e, sob a alegação de que tal faria parte de uma estratégia de internacionalização do cinema e da imagem de Cabo Verde.

Da prole de descontentes destaca-se o professor universitário Emanuel Ribeiro. Este tem formação em cinema e audiovisual pelo MEIA- Escola Internacional de Arte de Mindelo e é especializado em roteiro e realização e também é dramaturgo e encenador de teatro, conhecendo como poucos o mérito da questão na ordem do dia.

O título muito sugestivo deste exercício de reflexão do supracitado, “O Cabo-Hollywood de Abraão na Manso Manso", tornado público em Abril de 2017, denuncia o que acredita ser uma “péssima escolha política” do Ministro Abraão Vicente de financiar “um filme português de Série B”, adentro o que considera de um “devaneio pessoal” do referido governante que diz sonhar ver produções de Hollywood a serem rodadas e realizadas no país. Coisa que, avança o articulista, “nem o Brasil consegue em larga escala!!”.

Para Ribeiro, muito melhor uso teriam os 20 mil contos investidos no filme em questão se em vez disso os tivessem canalizado para o financiamento de produções nacionais sendo que, feitas as contas dariam para produzir pelo menos 42 curta metragens nacionais ou então comprado uma Ilha de produção “com material de ponta para captação montagem e pós-produção, como incentivo aos produtores Nacionais de Cinema”. E salienta que “aí sim seria um bom começo para a sustentatibilidade do Cinema Cabo-verdiano”.

O cineasta, Tambla Almeida faz igualmente duras críticas e pergunta “qual a tradução deste silêncio da Associação de Audiovisual e Cinema?”. A referida associação, recorda-se, recebeu, segundo afirmações do próprio MC, Abrãao Vicente, nos últimos tempos cerca de 10 mil contos para o apoio ao cinema nacional e o MCIC prevê ainda investir mais 12 mil contos nos próximos tempos para o mesmo fim, números que não parecem agradar aos profissionais do meio, entretanto.

Indo mais longe, Almeida diz ao Santiago Magazine estar “interessado em saber como é que um montante de 20 mil contos sai dos cofres de Estado para financiar um filme de um cineasta estrangeiro num ano onde o país teve de pedir ajuda internacional para face ao mau ano agrícola e as gentes de Chã das Caldeiras ainda sofrem e muito se fala em aumento dos impostos”.

Tambla Almeida, para quem não conhece, é mestrado em educação visual, cineasta e activista cultural, autor de algumas curtas, entre as quais o filme «Ulime» e é, também promotor do festival de cinema OIA em São Vicente.

Um dos mais conhecidos cineastas cabo-verdianos, o foguense Guenny Pires, considera a referida decisão do MCIC “uma autentica vergonha e desrespeito pelos cineastas, artistas, e homens da cultura”. Pires é um dos mais conhecidos cineastas cabo-verdianos e autor de pelo menos uma dezena de produções, entre as quais «Soul of Chã das Caldeiras», «Ritual» In search of my identity – Á Procura da minha identidade».

Sem complacência, o artista plástico, Tchalé Figueira considera o filme de Francisco Manso “fraquinho, com erros primários que qualquer pessoa que tenha noção do que é cinema detecta imediatamente erros de palmatória na filmagem, diálogos etc”. E conclui que “foram 20 mil contos milagrosamente gastos num filme de meia tigela”.

Todos esses críticos são consensuais de que a internacionalização do cinema e audiovisual cabo-verdianos passaria por uma socialização com os agentes e criadores cabo-verdianos e por uma estratégia clara no quadro de políticas públicas. Até porque, dizem, “a alegação da internacionalização do cinema cabo-verdiano não se faria pela escolha acriteriosa de um cineasta que, ele próprio, não conseguiu internacionalizar seu cinema”.

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