(Poema de Carlos Alberto Sousa Mendes – Princezito - com crítica de Maria Augusta Évora Tavares Teixeira* )
So seu ke mas ki ventri
La ka ten tremor di tera
Ago fika sabendu
Ma nada na agu
Mutu mas sabi
Ki nada na neba
Dentu mudjer ke morada
La ki ñu ta konxi pesoa
Dentu d’argen ke argen
Ka ten ningen ki fla me ka si
Dentu mudjer
Ten agu mornu kumida kenti
Ten kantiga ten Kalmaria
Ten baloisu ten skorega
Ten viaji tudu di grasa
Bu ta xixi
Ka ta sanhadu
Bu ta pipi
Ka ta aspradu
Bu ta nada sen fadiga
Ka ten orisu nen tibaron
Nen agua viva pa xikotiau
Dentu mudjer
Agu e nbarda
Lus e misgu
Pur isu ki
Mininu kre agu txeu
Ma e ten medu di sukuru
Pamodi ta stal me a ta disnasi
Dentu mudjer
Kumida e mas sabi
Sopa sen spinhu sen osu
Papa sen bola sen kokorota
Feru ku tera ta dixi muidu
Dentu mudjer e un paraizu
Muzika ta toka mas suavi
Mota ta ronka mas ketu
Ka ten dundu nen moskitu
Ka ten tautau nen - já pa kama
Nen
- Favor pa kalan es boka!
DENTU MUDJER KE MORADA
A LITERATURA CABO-VERDIANA TEM SIDO BAFEJADA POR UMA RENOVAÇÃO SUBLIME, ATRAVÉS DA POESIA CANTADA. UM DOS MAIORES REPRESENTANTES DESTA GERAÇÃO DE POETAS CANTORES É PRINCEZITO. SEGUE UMA CERTA LEITURA CRÍTICA A ESTE PRESENTE QUE ELE DEDICOU ÀS MULHERES CABO-VERDIANAS E NÃO SÓ.
Na obra poética de Carlos Alberto Sousa Mendes, em que se insere este poema, à primeira leitura, as imagens nos aparecem, ora por camadas ora em espiral, sempre sobre a temática central que é a Mulher. Os poemas não são apenas versos de poesia. Contêm personagens, narradores, enredos, tempo e espaço e as demais categorias da narrativa, tão fortes e complexas, como se de prosa ficcional se tratasse.
A riqueza da música que é transplantada para a poesia escrita está também presente nas paródias elegantes, nas metáforas, nos trocadilhos e outras sonoridades que, no cantar, sobretudo, trazem muita beleza aos ouvidos.
O leitor é surpreendido pelo seu eu cantor que ressuscita ou vem à luz, apenas para recantar os textos poéticos e melhor apreender a cadência e o ritmo que a sintaxe genialmente alterada convoca-o a fazer.
A questão da linguística mora na casa dos sujeitos poéticos de Princezito… Quer no esculpir a língua em si, quer no seu aspecto político do lidar com a língua, a materialidade linguística em ação está sempre presente no seu trabalho. E a questão da música, em todos os seus aspectos (que não depreendo, já que a música é a minha literatura em Braile) ela, a D. Música, está sempre presente nos textos literários do Autor.
O sujeito poético enriquece o repertório lexical: especialmente com neologismos próprios e dos outros, vindas do dito crioulo fundo, do interior (entradas); mas também explorando a potência polissémica de certas palavras, principalmente do ponto de vista diatópico (geográfico).
O culto da língua materna cabo-verdiana ressalta à vista do leitor, nas primeiras páginas e persiste até o fim do livro. Há também o resgate de termos simplesmente pelo registo e memória. Outras vezes pretende expor as palavras numa vitrine, mas mudando-as de lugar para ganharem mais brilho, a partir da mudança dos seus sintagmas. Em vez disso, outras vezes, muda-as para conseguir maior segmentação dos dizeres, nas particularidades e diversidades.
Cada Canto tem seu recado dado logo no primeiro poema. E, a partir do primeiro poema, o leitor é tomado de um arrebatamento impar para os demais poemas e em novas leituras do desassossego. Assim feito, o climax parece ser logo ali, mas, como não se trata de um romance, o climax chega e toma assento e, feito leitura em jorro, falta-nos o fôlego e enchem-nos os olhos. O riso como arma, sempre presente, ora é um choro contido, que, por sua vez, dá lugar à música; ou é esta, a música, que sai do papel e nos entra pelos olhos adentro, chega aos ouvidos e espalha-se pelo corpo à cata de ritmos.
DENTU MUDJER KE MORADA é o poema nº 6 do Canto II MUDJER STRAMADU. Um exemplo de como o climax não é o fim do prazer, e, sim, o desconseguir do sofrimento que, num único embrião, a criança e o adulto dialogam e se fundem.
Desta vez o sujeito poético optou pela simplicidade estilística (sintaxe direta, figuras de estilo básicas como comparação e contrastes). Assim ele permitiu brilhar as demais componentes do texto, de tão sofisticados que são as imagens e o simbolismo que compõem a tessitura do poema em si.
É esta a mulher, duplo da terra: pátria, casa, morada, razão, afeto, prazer, aconchego, não-fome, não-dor, a outra parte que falta ao homem e que, ao mesmo tempo, a ele pertence. O sujeito do discurso é masculino: está ele no lugar da fala. Mas a fala é com ele, sobre ela… por todos NÓS. E não fosse a voz do comando a pedir um parágrafo, este poema jamais teria um ponto final.
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* Maria Augusta Évora Tavares Teixeira, que também usa o Pseudónimo literário de Mana Guta, é uma escritora cabo-verdiana que se tem dedicado às temáticas das línguas, literaturas e memória. Publicou o seu primeiro artigo académico em 1992 e dessa época a esta parte somam-se já 15 títulos, entre artigos académicos e contos, para além de dois livros: Autoria e Construção da Identidade Cabo-verdiana: diálogos entre a obra de Germano Almeida e o Discurso Parlamentar (2010) e Outras Pasárgadas de Mim: três histórias de inclusão (2014). Na ficção, dedica-se à literatura de inclusão para crianças e adultos.
Licenciada e Mestre em Letras pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro; Pós-Graduada em Formação de Formadores para Educação de Infância pelo I. P. de Coimbra e Pós-Graduada em Estudos Africanos pela Universidade do Porto. A sua tese de Doutoramento, que faz interface entre Letras e Ciências Sociais, tem como título “A voz dos continuadores: o reinventar do país-nação através da poesia cantada”. Tem feito carreira como funcionária do Parlamento e é Professora Universitária há 20 anos.
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