As questões do género e o papel que a mulher tem, ou devia ter, na sociedade cabo-verdiana foram consideradas na candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade, que conhecerá o veredicto em breve, disse um responsável do processo.
Em entrevista à agência Lusa, o especialista na elaboração de processos de candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, como o fado, o cante alentejano e a arte chocalheira, está expectante em relação à decisão deste organismo, que deverá ser conhecida entre 09 e 14 de Dezembro, em Bogotá, Colômbia, mas confiante nesta inscrição.
Paulo Lima, antropólogo, fez parte de uma equipa que trabalhou na elaboração do dossiê de candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade, entregue na sede da UNESCO, em Paris, a 27 de Março do ano passado, e os ecos que tem ouvido são “muito positivos”.
A candidatura pretendeu traduzir “um povo que vê na morna uma entidade insular, arquipelágica, mas também uma comunidade espalhada pelo mundo e que tem na morna um dos pilares, senão o pilar mais conhecido, ao nível da música”.
Desafiado a eleger o ponto forte desta candidatura, Paulo Lima não hesita: “A força que a morna tem e aquilo que os cabo-verdianos sentem nesta forma de cantar”.
Mas há outras mensagens, nomeadamente de cariz político, que transformam estas candidaturas em algo muito “mais interessante” e que, no caso da morna, é a questão do género.
“O mais importante destas candidaturas é podermos associar questões do foro político com uma questão fundamental que é a promoção do bem. Se for possível jogarmos nestes dois campos, eu penso que são candidaturas que podem ser muito interessantes”, referiu.
E há uma mulher que foi determinante para esta manifestação musical: Cesária Évora, que fez com que a morna se tornasse “importante para as questões de género, abrindo a um conjunto de mulheres a hipótese de singrar na expressão musical”, disse.
Para Paulo Lima, Cesária Évora é talvez o rosto que transforma a morna numa coisa global. Nesse aspecto, referiu, todos são devedores a Cesária.
Uma das consequências deste tipo de candidaturas que o antropólogo aponta é o rejuvenescimento das práticas.
“Não só no fado, mas também no cante alentejano, o que era uma coisa de velhos que os jovens não queriam”, hoje conta com a participação dos mais novos, que olham para estes géneros musicais “de outra forma”.
“Como qualquer outra prática musical, como o fado ou o cante, a morna foi-se recriando. A morna de Cesária não será a de Eugénio [Tavares], nem a que é cantada hoje por muitos jovens. É algo muito plástico e que se vai encontrando”, disse.
E prosseguiu: “Quisemos mostrar que a morna é algo comunitário. Não é de um artista que está no palco. É transversal a um país”.
Paulo Lima sublinha o facto de esta candidatura não estar “à sombra de grandes nomes”.
“Quisemos o anónimo que ama aquela expressão e que a canta”, descreveu.
Na candidatura, os proponentes tentaram mostrar que a morna “é uma prática viva, comunitária e que se reinventa e que cada vez que se reinventa insufla-se de vida”
“Esse foi o nosso argumento. A morna que se recria e sustenta a identidade, quer do cabo-verdiano insular, que vive nas ilhas, quer do cabo-verdiano que anda pelo mundo. É uma flor que floresce em qualquer destes lugares”.
Paulo Lima encontra paralelos na caminhada do fado e da morna rumo à classificação, mas também diferenças: “Ao contrário do fado, que podemos encontrar em Lisboa e depois no resto do país, a morna tem uma cobertura e uma presença fortíssima e, por isso, é muito identitária dentro e fora de Cabo Verde”.
E se a inscrição se confirmar, Paulo Lima não tem dúvidas de que “vai ser uma imensa valoração da comunidade cabo-verdiana, esteja ela em Cabo Verde ou em outra parte do mundo”.
Com Lusa
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