Urgência do Hospital da Praia. O VÍRUS INSTITUCIONALIZADO
Colunista

Urgência do Hospital da Praia. O VÍRUS INSTITUCIONALIZADO

O povo tem medo. Tem medo de tudo. Tem medo dos serviços do Hospital da Praia.

Tenho medo. E o medo de que mais temo é o medo de vir a ter medo de suportar tanto medo que emana dos corações insensíveis, desumanos e desprovidos da compostura, que infelizmente se proliferam por aí, de forma quite e voluntária, tão-somente para nos meter medo.

Ora, numa das Escolas da capital cabo-verdiana, um aluno desferiu ao outro, três punhaladas com a perna de uma tesoura. Uma nas costas, outra num braço e uma outra no peito, por cima da mama esquerda, de onde jorrava imenso sangue. Ambos os alunos estudam o 5º ano de escolaridade. Têm pouco mais de 12 anos de idade e ambos, conforme o relato extra, são antagónicos e enfileiram-se em grupos diferentes. São denominados por grupos de «Thugs». Tanto que, logo depois da agressão, o grupo a que o lesado pertence, invadiu o recinto da escola com o intuito de aplicar a desforra.

Enquanto professor dos dois, conduzi o ferido às Urgências do Hospital da Praia, onde lhe foi suturado e curado as feridas. Depois foi para fazer o rastreio, mas entretanto, passado mais de meia hora à espera, atrás do balcão onde se efetua o rastreio se encontrava vazio. Nesse intervalo, uma senhora dirigiu-se à uma funcionária que se encontrava num outro espaço, esta levantou-se e foi atende-la, apenas ela, no balcão do rastreio e regressou para o seu posto. Inconformada, a mãe do meu aluno ferido a questionou e ela respondeu-lhe com uma impúdica naturalidade, que o rastreio que ela acabara de fazer era do neto dela. De igual modo revoltado, contestei o porquê do assento onde deveria estar a funcionário que faz o rastreio se encontrava vaga há mais de meia hora, numa Urgência Pediátrica. Não obtive nenhuma explicação, senão, o convite da segurança que recebeu ordem para me expulsar da sala de espera onde acompanhava o meu aluno, uma criança que acabara de levar uma punhalada no lado esquerdo do peito. Por fim, chamaram um Polícia, o que fez-me lembrar o tempo do «Lindus Mélias, riba jatus Polísias».

Pelo menos, a causa teve efeito. Uma enfermeira foi sentar-se no banco do rastreio, sem se preocupar com o menino apunhalado no peito, chamou uma outra pessoa que, a meu ver, apesar de estar numa urgência, há urgências que são mais urgentes. Porém, chegou a vez do meu aluno e, simplesmente, a «rastreista» fez o registo da ocorrência e o mandou para a casa. Não foi submetido a exames especializados, como o Raio-X, ou mesmo a Ressonância Magnética, com vista a verificar de forma científica, se houve ou não lesão interna que poderá vir a ser fatal para o menino.

O povo tem medo. Tem medo de tudo. Tem medo dos serviços do Hospital da Praia. Ora, vejamos.

Uma colega lá do meu trabalho, há cerca de 3 meses atrás, procurou os serviços da maternidade do Hospital da Praia, já que era gestante e se sentia bastante desconfortável. Foi atendida, triada e encaminhada para o médico. Este ordenou o seu internamento devido a tensão arterial que se encontrava muito alterada. Depois de 17 dias teve alta, mas insistiu que estava a sentir o bebé a querer nascer. Ralharam-se com ela e a mandaram retirar-se da frente delas, por que só iria ter o bebé no dia seguinte. Foi-se então para a cama mas não conseguia deitar-se nem sentar-se. Ficou de pé e a gritar, sem que houvesse a preocupação de médicas, enfermeiras ou mesmo serventes. Sozinha, acabou tendo o bebé. Uma pessoa que terá presenciado a cena foi imediatamente avisar a médica e as enfermeiras em como a minha colega tinha acabado de dar à luz. Dirigiram-se a ela, antes de se dignarem a cortar o cordão umbilical que ainda ligava o bebé à placenta da mãe, pediram-lhe para andar e ir à sala do parto. Ela disse que não conseguia por que tinha o cordão umbilical ainda ligado entre o bebe e a placenta. Foi então que lhe cortaram o cordão umbilical e mandaram-na andar até à sala. Ela pediu que a colocassem num carrinho, recusaram-se, com o argumento de que ela era muito gorda e que podia partir o carrinho.

Haja profissionalismo. Decência. Pudor. Competência e compreensão.

Palmarejo, 24 de Abril de 2023

Armindo Martins Tavares

Professor

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