Dois graves acontecimentos políticos marcam esta semana: 1. O caso do ex-coordenador da Unidade de Acompanhamento do Sector Empresarial do Estado (UASE), Sandeney Fernandes; 2. A ingerência do Conselho de Administração na programação da TCV. São duas expressões que revelam a existência de uma “quadrilha” que, há muito, assaltou o Estado e intenta sequestrar a democracia e as liberdades.
Para início de conversa, convirá dizer que não tenho (nem nunca tive) qualquer relação de amizade com Sandeney Fernandes. Ademais, é uma figura que nunca me mereceu qualquer simpatia, ao contrário de outros que diziam a pés juntos ser seus amigos e, agora, o fenestram; ou, ainda, os que sempre lhe desejaram o pior e, agora, por razão de agendas pessoais, o elevam ao altar das pessoas probas e admiráveis…
Tenho, porém, um princípio: a presunção de inocência não deve ser selectiva, e ao ex-coordenador da UASE assiste esse direito inalienável, como a qualquer outro cidadão!
Um “culpado” conveniente
Sandeney Fernandes, segundo o Ministério Público, é suspeito de ter praticado crimes de abuso de informação e participação ilícita em negócios, por alegadamente ter adquirido acções da Caixa Económica de Cabo Verde, no decurso da venda em que, ele próprio, actuou como representante do Estado.
Admitamos (em tese) que as imputações correspondam a uma realidade factual, embora seja para mim muito estranho que um jovem, com pouco mais de trinta anos, com apenas uma década de actividade profissional enquanto economista (maioritariamente ocupando cargos intermédios na administração pública), sem fortuna de família (terá mesmo custeado os seus estudos trabalhando nas obras, em Portugal), tenha tido a capacidade de juntar milhares de contos (ou, eventualmente umas parcas centenas, tudo é possível) para adquirir as acções da Caixa Económica de Cabo Verde, sem que ninguém se tenha apercebido.
Não sendo de crer que qualquer entidade bancária lhe tenha emprestado o dinheiro, tão-pouco um amigo mais generoso haja avançado a quantia sem garantias, sobra-nos a possibilidade de Sandeney ter sido financiado por alguém (uma pessoa individual ou uma quadrilha de assaltantes do Estado), ou, então, ter-se queimado por uma quantia ridícula – o que tornaria o caso ainda mais bizarro.
Claro que isto é especulativo, Sandeney não fala, nada se conhece de substantivo. De todo o modo, no actual contexto, este caso permitiu desviar atenções e colocar o ex-coordenador da UASE como uma espécie de “culpado” conveniente.
É evidente que só ele poderá responder a estas interrogações. Mas, a fazer fé no seu trajecto, algo me diz que Sandeney não terá a coragem de “meter a boca no trombone” … Seja por receio da eventual organização criminosa, ora por uma qualquer fidelidade canina a quem ele pensa protegê-lo, mas que não fez mais do que o atirar para a fogueira, da qual, agora, dificilmente poderá saltar.
Subsistem, ainda, outras interrogações, que remontam aos primórdios do conhecimento público dos alegados crimes praticados por Sandeney Fernandes!
Corria o final de Maio último, quando o escândalo foi tornado público. Decorrente de um relatório da Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM) – o organismo de supervisão do sector financeiro em Cabo Verde -, o Ministério Público começou a investigar Sandeney Fernandes.
Na ocasião, no programa da Rádio Alfa “Clube de Imprensa”, tive oportunidade de me insurgir contra a operação “hollywoodesca” da polícia, isolando uma rua do platô com agentes embuçados e fortemente armados, mais parecendo uma operação anti-máfia, substituindo-se a necessária discrição de uma acção policial por uma encenação para julgar antecipadamente o então coordenador da UASE.
Na mesma altura, a comunicação social avançou que Sandeney teria apresentado a sua demissão, o que não teria sido aceite pelo vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia.
Curiosamente, o Governo veio anunciar a demissão de Sandeney Fernandes na véspera da sua detenção pela Polícia Judiciária, sendo legítimo supor que Olavo Correia (ou alguém do Governo) tenha sido avisado, por “mão amiga” do Ministério Público ou da Polícia Judiciária.
Curioso, ainda, é o comunicado da Procuradoria Geral de República, com o sugestivo título “Ministério Público ordena detenção de alto funcionário do Estado…” O que, a tratar-se de uma compra de acções na ordem das centenas de contos (como já referi, é uma das possibilidades), torna o alarde em torno deste caso ainda mais ridículo!
Ou seja, a mesma PGR que passa de fininho pelo escandaloso negócio com a CV Interilhas, lesando o Estado de Cabo Verde em 40 milhões de Euros – e que é useira e vezeira em criminalizar jornalistas –, sente-se na obrigação de enfatizar a detenção de um “alto funcionário do Estado”, dias após se saber que a minuta do contrato com a CV Interilhas terá sido alterada (ao que se sabe, com o desconhecimento do então ministro da Economia Marítima, José Gonçalves), beneficiando interesses privados, sem que, até agora, Olavo Correia (nem Ulisses Correia e Silva) tenha justificado este inusitado acto.
Fica o registo para memória futura, para que a amnésia colectiva não se substitua à sequência dos factos!
Afinal, quem manda na RTC é o Governo
Ao contrário das narrativas promovidas pelo entorno do partido no poder, parece evidente que é o Governo – e não a oposição – que manda na Rádio e Televisão Cabo-verdiana (RTC). Isto, a fazer fé em denúncias de jornalistas deste órgão público de comunicação social, que apontam “tentativa de interferência na grelha de programação da estação”.
Em causa está um contrato assinado entre o Conselho de Administração da RTC e a Agência Cabo-verdiana de Imagens (ACI), onde consta a inclusão do programa “Nha Terra Nha Cretcheu” na grelha da TCV.
Evidentemente, não está em causa a reconhecida qualidade do programa, tão-pouco dos conteúdos fornecidos por esta prestigiada produtora privada, antes a ingerência inadmissível (e ilegal!) na direcção editorial do canal, à revelia do parecer prévio da Direcção da TCV, liderada por Dina Ferreira.
Aliás, ao que se sabe, um dos administradores, Humberto Santos, ter-se-á recusado a assinar o contrato, contrariando a posição dos restantes membros do CA, a presidente Karine Miranda e o administrador Victor Varela.
Sabe-se, ainda, que a Direcção da TCV terá solicitado um parecer à ARC (Autoridade Reguladora para a Comunicação Social), no entanto, a fazer fé em anteriores posicionamentos deste órgão “em cima do muro”, a apreciação poderá situar-se entre o sim e o não… ou seja, “nim”.
Pelo que se vê, as reiteradas e sonsas declarações do secretário de Estado da tutela sobre a “liberdade de imprensa”, não passam de uma cortina de fundo para tentar ocultar uma lógica reiterada de interferências do Governo na orientação editorial da televisão pública, acrescido da intenção de afastar da direcção a jornalista Dina Ferreira, cozinhando nos bastidores um expediente supostamente legal para concretizar esse objectivo.
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Post Scriptum:
Quero, ainda, manifestar a minha sincera solidariedade às populações das ilhas de São Vicente e São Nicolau, às quais me ligam fortes relações afectivas; e à ilha de Santo Antão, à qual me ligam fortes relações afectivas e familiares. E repudiar os recorrentes oportunismos políticos e aproveitamentos pessoais que sempre maculam os momentos de tragédia. Dizer, ainda, que a solidariedade (que não a hipócrita
, quanto possível, íntimos.
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