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Os Jovens, o Desemprego e a Emigração
Colunista

Os Jovens, o Desemprego e a Emigração

A dor do desemprego não se reduz ao facto de o desempregado ficar privado de uma fonte de rendimento, mas também ao facto de se ver privado da oportunidade de contribuir para o bem comum. O desemprego, no seu sentido básico, significa não ter nada para fazer. Isto significa, por sua vez, numa perspetiva mais social e global, que o jovem desempregado não tem nada que ver com os demais, pois não está a participar do bem comum. Estar sem trabalho, o que equivale não ter qualquer utilidade para com os nossos concidadãos, significa, com efeito, ser uma pessoa invisível.

Assistimos a uma saída massiva dos jovens para Portugal. Para certos setores deste país, isso é bom e é uma oportunidade para os jovens! Claro que sim, pois na ausência de alternativas reais e de políticas voltadas para a juventude e para o emprego, ainda bem que aparece essa possibilidade. Obrigado, Portugal!

No imediato, é uma oportunidade a aproveitar, na medida em que a satisfação das necessidades de sobrevivências não é adiável. No entanto, a médio e longo prazo, o país, cuja população já dá sinais de envelhecimento, pode vir a ressentir-se e sofrer consequências, pois está a perder parte expressiva da sua população mais ativa, a força da economia no futuro, a favor de um outro país, e como mão-de-obra barata. Informações dizem-nos que os salários rondam os 500 e 600 Euros, com exceção dos motoristas que recebem 900 Euros, num país onde o custo de vida, tal como Cabo Verde, está muito elevado e com dificuldades extremas no acesso às casas para arrendar.

A emigração faz parte da nossa história, desde os finais do Séc. XVII e início do Séc. XVIII, segundo António Carreira. Foi sempreF usada para se escapar da miséria e sofrimento, mas na esperança de que um dia Cabo Verde estará em condições de proporcionar uma vida melhor. Nos anos 50, na aurora da movimentação da luta para a independência, Portugal, na tentativa de desmobilizar as pessoas dessa luta, se disponibilizou a receber quantidade de jovens cabo-verdianos para irem trabalhar. Acontece que, nessa altura, o Amílcar Cabral, contrariamente à posição manifestada por certos setores da nossa vida pública atual, tomou uma posição firme de denunciar a estratégia de Portugal, como uma manobra que visiva, por um lado, dissuadir a luta pela independência e, por outro, enfraquecer o país (quando independente), a médio e longo prazo, em termos de capacidades humanas para o seu desenvolvimento. É claro que, as condições de vida eram ainda mais complicadas do que atualmente, mas mesmo assim Cabral tomou uma posição firme.

Hoje, num contexto diferente, não se pode posicionar contra essa emigração e, como referimos, é uma boa oportunidade para os jovens, pelo menos na presente conjuntura. No entanto, quando olhamos para o desenvolvimento do país, com um pensamento estruturado e estruturante, havemos de perceber que essa situação poderá nos prejudicar no futuro. São milhares de jovens (alguns até adolescentes que estão a abandonar a escola) e razão não é para menos, pois, estão desempregados ou no subemprego.

Muitos desses jovens poderiam estar a frequentar o ensino secundário, a formação profissional, ou o ensino superior, preparando-se para darem as suas contribuições para o progresso do país e para o nosso bem comum. Mas, por um lado, faltam-lhe estímulos, oportunidades e condições financeiras e, por outro, não conseguem visualizar, mesmo estudando, uma perspetiva de vida digna nesta terra, a menos que se metam na política partidária e terem a sorte, ou a coragem de lutar, para estar no pelotão da frente, mas como se sabe, não há espaços para todos. Está é a triste realidade! De outro modo, mesmo aqueles poucos que estudam, com muitos sacrifícios pessoais e familiares, e encontram um trabalho, como profissionais e com o salário que recebem, é muito difícil realizarem-se nesta terra.

Há duas situações que julgo vale a pena reter, e que devem chamar a nossa atenção e, sobretudo, das autoridades. Não se compreende que, desde que estamos a lidar com o ensino técnico-profissional e de todas as suas vantagens conhecidas, e que países como Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Luxemburgo, entre outros tantos, têm valorizado muito, em Cabo Verde, as quatro escolas técnicas tem estado a funcionar apenas com mil e poucos alunos, ou seja, à volta de 300 para cada uma, num universo de mais de 30 mil alunos que frequentam o ensino secundário, de acordo com os Anuários Estatísticos do Ministério da Educação. Um outro exemplo tem que ver com a redução do número de jovens que frequentam o ensino superior. Por exemplo, a Uni-CV, entre o ano passado e este ano, perdeu quase 500 (quinhentos) estudantes.

Todo este quadro sombrio remete-nos, do meu ponto de vista, para duas questões profundas: (1) Como estamos a governar o nosso país? (2) Como encaramos o trabalho/emprego nesta terra?

Um país que não consegue apostar fortemente na sua juventude, com todas as potencialidades que essa camada é detentora, é um país que merece refletir melhor sobre a sua governação e toda a sua estratégia de desenvolvimento. O alinhamento dos discursos políticos e dos documentos de governação produzidos com as práticas e as suas efetividades, parece-me um problema sério neste país, pois os discursos são muito bem elaborados e os documentos, também, espelham ações e vontades a realizar. Então, o quê que está a falhar, sob pena de estarmos a incorrer numa falsidade ideológica?

Orientar o processo de desenvolvimento do país, com a ênfase no mercado (que o mercado decida!) e no crescimento do PIB (sem desprimor pela importância deste e este tem estado a crescer), leva ao enriquecimento de uns poucos, aumenta o fosso entre os ricos e os pobres e gera um drama social para os jovens, ainda que algumas medidas, ditas, de política social, como o Rendimento Social de Inclusão, estejam a ser tomadas.

Por seu lado, uma agenda política que reconhece a dignidade das pessoas e o valor do trabalho na afirmação dessa dignidade, procura estruturar uma economia da estima; valoriza a dignidade do trabalho e coloca os cidadãos no centro das suas atenções.

Talvez, precisamos mudar de perspetiva!  Difícil é, porque somos “obrigados” a seguir não a nossa agenda, mas, sim, a agenda que nos é imposta pelas agências internacionais, configurada, basicamente, no chamado “Consenso de Washington”. O nosso perigo é procurar ser um “um bom aluno” nessas coisas, quando, na verdade, nenhum dos países desenvolvidos, e que comandam tais agências internacionais, se desenvolveram porque seguiram, no passado, o mesmo receituário que nos impõem, como sendo ideal para o nosso desenvolvimento.

Ter uma economia que cresce, e que politicamente é vangloriado, é interessante, mas não chega, se as pessoas não estão a sentir lá em casa, e se esse crescimento não é acompanhado pelo crescimento e promoção da dignidade humana no país. Pois, se as pessoas continuam desempregadas, ou subemprego, isto lhes afeta no poder de compra e na qualidade de vida, mas também afeta a autoestima, enquanto cidadãos.

A dor do desemprego não se reduz ao facto de o desempregado ficar privado de uma fonte de rendimento, mas também ao facto de se ver privado da oportunidade de contribuir para o bem comum. O desemprego, no seu sentido básico, significa não ter nada para fazer. Isto significa, por sua vez, numa perspetiva mais social e global, que o jovem desempregado não tem nada que ver com os demais, pois não está a participar do bem comum. Estar sem trabalho, o que equivale não ter qualquer utilidade para com os nossos concidadãos, significa, com efeito, ser uma pessoa invisível.

Nós, os humanos, somos consumidores e, por isso, precisamos de uma fonte de rendimento para satisfazermos essa necessidade, mas também somos, por natureza, produtores. Deste ponto de vista, é preciso que o país disponha de políticas para cuidar das pessoas, não apenas nas suas necessidades como consumidores, mas também nas suas necessidades como produtores. É aqui que entra o valor do trabalho, por via do emprego.

Estando a trabalhar, asseguramos o rendimento para as nossas necessidades, como consumidores, mas também estaremos a dar a nossa contribuição para o bem comum e, pela qual, recebemos algo de muito valor e que é o reconhecimento social, decorrente do nosso papel como produtores e não como consumidores.  Isto é muito importante para a paz social e realização do bem comum no país!

OS jovens desempregados, ou no subemprego, significa que não dispõem do poder compra, ou dispõem, mas muito fraco, e isto é um problema sério. Mas, também, significa que eles não estarão a gozar do estatuto de produtor, perante a sociedade e, estando nessa situação, é condição perfeita para a insatisfação, com todas as suas consequências.

O trabalho é uma atividade de integração social, mas também uma arena de reconhecimento e uma oportunidade para cumprirmos a nossa obrigação para com o bem comum. Através do trabalho, o homem se realiza como ser humano e, num certo sentido, torna-se mais humano, na mediada em que o trabalho liga o homem aos seus compatriotas na realização do bem comum. Afinal, somos mais humanos, quando contribuímos para o bem comum e ganhamos a estima dos nossos concidadãos.

Cabe aos Estado o dever e a obrigação de criar condições e organizar as instituições económicas e sociais para que as pessoas, neste caso os jovens, possam contribuir para a nossa sociedade, num quadro de liberdade e de dignidade pelo trabalho. O Estado deve trabalhar para dinamizar o mercado de trabalho e para que hajam empregos para os jovens e é fundamental que o mercado de trabalho não seja compreendido apenas como um sistema para a satisfação das necessidades de consumo e o crescimento o PIB, mas também como um sistema favorável à dignidade do próprio trabalho e ao reconhecimento social. É assim que se constrói um país de paz, de harmonia e que cresce e progride, de forma harmoniosa, salvaguardando o bem comum.  

 

 

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