Este homem foi detido, não pelos ouvidos que ofendeu, e sim, pelos olhos que abriu. A toga, injuriada pelas suas sentenças tortas, condena a retidão firme do advogado. Almejam fazer do senhor Amadeu um exemplo, de que não devemos destinar as nossas indignações aos poderosos, porém que saibam, que o efeito surtido será o contrário. A este tipo de justiça medieval nunca é demais consultar o velho Montesquieu, que nos ensinou no Espírito da Leis estas palavras: “A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos”. O Estado de Direito no arquipélago tornou-se o direito do Estado, a infâmia praticada pelos braços da alta autoridade é desavergonhadamente legitimada, enquanto a indignação popular deve ser silenciada. Eis a democracia da nossa pátria.
A nata do Estado cabo-verdiano, mais uma vez, deu-nos motivo de vergonha e repulsa, e uma vez mais, testa a paciência do seu povo!
Do vosso lado tendes a força, do nosso a verdade.
Nós, filhos e filhas da terra, suportamos resignadamente os desmandos despóticos da elite desta República. Não toleraremos tais atropelos desta vez!
Testemunhamos com uma calma desafiadora, famílias serem expulsas dos seus lares com suas habitações sendo dizimadas em plena pandemia na capital do país. E, presenciamos passivamente, o mandante destas atrocidades ser presenteado com o título de Governador do Banco de Cabo Verde.
Observamos serenamente, a chuva tão requisitada, escancarando a incompetência das obras públicas. Até quando, os donos do poder abusarão da nossa paciência?!
Pauso aqui este currículo sórdido de feitos, pois elencar todos os crimes deste Estado me desviaria por demais do assunto que requer a nossa atenção, por conseguinte, me deterei no seu crime mais recente, a prisão do senhor Amadeu Oliveira.
A figura emblemática do senhor Amadeu dispensa apresentações. Senhor de uma coragem imensa, sempre denunciou de forma enérgica a prevaricação da Justiça cabo-verdiana. Entre várias de suas conquistas, encontra-se o fato de ter conseguido libertar onze cidadãos das garras da prisão. O último a encontrar a liberdade deste grupo liberto foi o senhor Arlindo dos Reis Teixeira, preso por oito anos ilegalmente.
Este pequeno evento, mostra a determinação ímpar deste advogado intrépido e o descaso patente da Justiça cabo-verdiana.
Por anos este advogado questionou de maneira consistente, perante o povo cabo-verdiano, a conduta dos juízes que reinavam sobre os processos jurídicos. Armado sempre da verdade, proclamou-a em voz alta, quando muitos sequer ousavam sussurá-la entre quatro paredes.
No entanto, como sabemos, nenhuma boa ação fica sem a devida punição das autoridades em Cabo Verde.
Cidadãos da estirpe do senhor Amadeu causam um incômodo olímpico para a elite e seus subservientes.
Ao que parece, notam nas atitudes libertárias do senhor Amadeu o crime hediondo de um indivíduo que se nega a comungar com a mediocridade elitista do seu cotidiano.
Qual afinal é o crime deste homem? Será que alguma alma crioula ainda ignora os verdadeiros motivos da sua detenção?
O senhor Amadeu, este Prometeu africano, não foi algemado pelas suas irreverências dirigidas aos seus algozes, e sim, pela sua devoção para com a Justiça. Este ínclito jurisconsulto não está cativo pelo seu comportamento hostil aos juízes, mas sim pelo seu comprometimento com a verdade. Este defensor da verdade foi preso, não tanto pelo seu desrespeito aos magistrados corruptos, mas acima de tudo, pelo seu respeito ao povo cabo-verdiano. Procuraram pretextos nos ultrajes dos meritíssimos, para punir a virtude do jurista! Não nos enganemos!
Este homem foi detido, não pelos ouvidos que ofendeu, e sim, pelos olhos que abriu.
A toga, injuriada pelas suas sentenças tortas, condena a retidão firme do advogado. Almejam fazer do senhor Amadeu um exemplo, de que não devemos destinar as nossas indignações aos poderosos, porém que saibam, que o efeito surtido será o contrário. A este tipo de justiça medieval nunca é demais consultar o velho Montesquieu, que nos ensinou no Espírito da Leis estas palavras: “A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos”.
O Estado de Direito no arquipélago tornou-se o direito do Estado, a infâmia praticada pelos braços da alta autoridade é desavergonhadamente legitimada, enquanto a indignação popular deve ser silenciada. Eis a democracia da nossa pátria.
Ao invés, de investigarem honestamente a veracidade das prevaricações de certos magistrados, perseguiram com afinco fanático o autor das denúncias. Na tentativa de nebular a justeza das acusações, recusaram-se provas. Tentando encarcerar a verdade, encarceraram o homem. E enchem o peito ufanamente contentes consigo mesmos, pois veem justiça na sua ira desacerbada. Mas já dizia Galileu que “a verdade é filha do tempo e não da autoridade”.
O que temos portanto, defronte cidadãos? Com qual realidade nos confrontamos hoje nas ilhas?
Assistimos a um dos episódios mais tristes da História jurídica do nosso país. Vimos a virtude rebaixada à cárcere, enquanto o direito do mais forte, parcialidade e a vaidade ferida foram promovidos à justiça.
Para ser franco, vendo tal conjuntura, confesso que temo. Temo que este protesto sincero não seja tomado com a seriedade que mereça, temo que o peso destas palavras íngremes nada pesem em corações indiferentes, temo ainda, que alguns não consigam estabelecer as relações existentes entre o tratamento de escárnio dirigido a um homem injustiçado e a dor escarnecida dos oprimidos. Entretanto, todos esses temores não constituem nada, absolutamente nada, diante da horrorosa possibilidade de ter contribuído, mesmo por pouco que seja, com uma postura calada e irrefletida, e ver do nosso tácito consentimento, a tirania consagrar-se!
Este advogado que pela sua trajetória pessoal de luta, converteu-se, para qualquer um que seja amante de uma República melhor, uma pessoa querida. Demonstra como ninguém, a resiliência de um cabo-verdiano, que leva até às últimas consequências os seus princípios.
A História atesta para nosso jubileu:
Nelson foi libertado e a Bastilha cedeu.
Libertem Amadeu!
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