• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
Governação desastrosa e democracia em queda livre   
Colunista

Governação desastrosa e democracia em queda livre  

É o país de quem pode mais pode menos! A propósito, recentemente, uma ministra ou seu gabinete endereçou uma nota ao Presidente da Câmara da Praia, usando esta referência. Engana-se quem pensa que a ministra ou o seu gabinete é titular da frase. Está no caderno de encargos do MPD! Eis mais um exemplo elucidativo: em 2016, um Agente da PN, agora Subchefe reformado, foi chamado e desarmado, sem processo disciplinar e sem ser ouvido, porque a sua mulher, membro da direção do partido no poder, resolveu mudar de braços, coisa legal, normalíssima e até, às vezes, salutar e escolheu alguém com algum peso político no sistema rabentola. O “coitado” do agente afastou-se da casa e sempre que as saudades do filho apertavam, ia lá abraçá-lo, de porta para fora. Não é que a mulher foi ter com o todo-poderoso de Cabo Verde, que faz e desfaz, dizendo que estava a ser ameaçada com arma e o homem ordenou o desarme imediato do pobre agente? Este infeliz agente teve duas perdas: a sua cara-metade e o seu instrumento de trabalho. Trabalhou longos seis anos desarmado, com apenas um cinturão a suster-lhe as calças. Já está em casa reformado desde 2022 e é possivelmente o único Subchefe da Polícia Nacional na reforma em toda a história da polícia, sem arma de defesa pessoal.

Há muito tempo que não dou crédito às classificações que as instituições internacionais, que avaliam as democracias e a governação dos países, como The Economist, Freedom House e Mo Ibrahim vêm atribuindo a Cabo Verde. Ou não seguem com atenção as trapalhadas da nossa governação e as impurezas da nossa democracia ou os dados que recebem são enviados por árbitros nacionais que também são jogadores.

O funcionamento do governo é um dos critérios de avaliação dessas instituições. Então, é bem governado um país arquipelágico que as pessoas ficam sitiadas nas suas ilhas semanas ou até meses por falta de meios de transporte, com consequências gravíssimas para os doentes que pretendem fazer tratamento médico nos hospitais centrais, tendo já originado perdas de vidas humanas por impossibilidade de atendimento atempado; para além de deixar uma parte considerável de cidadãos privados de abastecimento com produtos de primeira necessidade?

Como pode ser considerado bem governado uma minúscula República, duas vezes menor que o distrito de Beja, em Portugal, com a dimensão igual ao pequeno distrito de Coimbra, também em Portugal, com 4033km2, com menos de meio milhão de habitantes, quando em plena crise económica, pandémica, guerras e secas cíclicas, o primeiro-ministro faz um elenco governamental maior do que todos os outros governos, desde a Independência do país, há 48 anos?

Para a formação do governo, o primeiro-ministro enganou os cabo-verdianos (Só não digo que mentiu, por respeito) que iria ser um governo enxuto com 12 membros para poder poupar duzentos mil contos para os carenciados. Neste quesito, o governo de Cabo Verde tem entrada direta no Guinness book como único país do mundo que tem mais membros do governo que o número de concelhos ou municípios que são 22.

Em Portugal, se o homólogo de Ulisses Correia e Silva, António Costa, seguisse o exemplo de Cabo Verde, teria de ter entre 350 e 400 no seu elenco governamental, já que tem 308 municípios.

Se eu, Elias Silva, na qualidade de candidato a deputado, subisse ao palanque em Mindelo, na presença do presidente do Partido e primeiro-ministro Ulisses Correia e dissesse: “o nosso candidato a primeiro ministro promete que se ganhar as eleições fará um governo enxuto, de 12 membros, para poupar duzentos mil contos que se reverterão a favor dos mais carenciados” e o  primeiro-ministro ao ganhar as eleições fizesse o contrário, isto é, triplicasse o número de governantes, lavraria um protesto público contra a sua decisão, pediria desculpas (públicas) aos são-vicentinos e nunca mais faria campanha por esse presidente de partido. É uma questão de caráter, mas sei que há quem dê mais importância a cargos. Esse deputado já foi líder parlamentar e agora está um pouco afastado das lides partidárias e se esse incumprimento está na base do seu afastamento, então está perdoado.

Como é que um país é considerado bem governado, quando o próprio primeiro-ministro diz que estão vedados os cargos de direção superior, na Administração Pública, por mais competência e currículo que se tiver, se se não merecer a confiança política do MPD, isto é, se a pessoa não for portadora de um cartão de militante do partido?

Um país com elevada taxa de pobreza, que dá a algumas pessoas que não têm nenhum rendimento, cinco mil e oitocentos escudos, o equivalente a 50 euros mensais, para alimentação, vestuário, luz e água e que o salário máximo é 27 vezes maior que o salário mínimo nacional, que são treze mil escudos ou 118 euros, tem razão para se gabar que é um governo de rosto humano e merece nota positiva?

Que país do mundo pode ser considerado bem governado quando à população da sua capital é imposto o recolher obrigatório a partir das 19 horas, não por autoridades competentes, mas, sim, por um grupo armado que espalha terror? O caso do domingo passado, em plena luz do dia, numa das praias balneares mais frequentadas da capital, Quebra Canela, que dista 200 metros das residências de três órgãos de soberania: Presidente da República, Presidente da Assembleia Nacional e Chefe do Governo quando grupos rivais se confrontaram em plena orla marítima, testando as suas armas brancas e de fogo, é uma afronta aos praienses e um atestado de incompetência passado às autoridades deste país.

Nunca na história de Cabo Verde, nos hospitais centrais e regionais, os cirurgiões fizeram tantas operações para extração de projéteis ou para suturarem cortes e refazerem partes de corpos desfeitos pelas armas como nesses sete anos da governação Rabentola. É o período em que as ferramentas (pás e picaretas) dos coveiros não tiveram horas de descanso.

Esta governação iniciou mal, com uma esquadra de soldados destacados em Monte Txota a serem chacinados, sem consequências políticas a não ser a condenação num processo sumaríssimo de um único soldado, o “Antany”.

Os escândalos seguiram-se com o furto de uma metralhadora de guerra na esquadra Policial, mantido em segredo durante 20 dias, para evitar que a oposição tenha conhecimento, até entrar na cena do crime, no assalto a um banco; é o mesmo tipo de metralhadora que os russos utilizam para o extermínio de ucranianos e que em Cabo Verde as autoridades utilizaram para despedaçar o corpo de um pequeno cidadão cabo-verdiano em plena avenida, em Palmarejo. Que ser humano resiste à potência de fogo de AkM, uma das armas de guerra mais famosas e temíveis do mundo, com alcance de três mil metros e que faz seiscentos disparos em um minuto? Fuzilamentos nas esquadras e violação sexual dentro do Comando são uma outra pequena parte dos acontecimentos graves que não tiveram qualquer consequência política.

Mais uma vez, não tomamos o bom exemplo de Portugal onde o condutor do ministro da Administração Interna atropelou uma pessoa e o um ministro foi levado a sentar-se no banco dos réus.

Uma governação deve ser avaliada pela percentagem do cumprimento das promessas feitas ao eleitorado. Quem se comprometeu a criar 45 mil empregos bem remunerados, criou menos de quatro mil e destruiu 15 mil, governou bem?

Temos um governo que só vê a forma de se perpetuar no poder; que marginaliza as ilhas e que cria distorções e desequilíbrios regionais. O Dr. Mário Silva, antigo dirigente e ministro do MPD, agora fora das lides partidárias, o professor universitário que mais tem estudado e escrito sobre a nossa administração pública, a propósito do 30º aniversário da nossa constituição, foi lacónico quando disse num jornal da praça: “A democracia cabo-verdiana atingiu patamares respeitados no plano internacional. Porém, nem tudo foi «nice» os poderes públicos não combateram, como deviam as desigualdades em função do território e, neste particular o egoísmo regional impera: mama quem mais chora e não quem mais precisa”.

É este país da África que pertence a CEDEAO (Comunidade dos Estados da África Ocidental) que só  se revê nesta organização quando há vagas para preenchimento com comissários,  deputados ou juízes desse tribunal, mas que não acata as suas decisões, não quer aderir à moeda única, não quer fazer parte do seu exército de manutenção da paz e mantém relações mais próximas apenas com o Senegal, por necessidade de procura dos serviços de saúde, já que o investimento público que Cabo Verde faz no campo da saúde é irrisório e, consequentemente, está a léguas desse nosso vizinho.

O único ponto positivo desta governação resume-se na aquisição de várias dezenas de viaturas de alta cilindrada, dois para cada membro de governo, e a criação descontrolada e em tempo record de dezenas de institutos públicos para empregar militantes de partido

Quanto à qualidade da democracia, o momento não podia ser tão oportuno para a sua análise. É nas vésperas das eleições internas do maior partido, do momento, MPD, que encontramos bitolas para o efeito.

Há um MPD, na oposição, que parece democrático, que dá conferência de imprensa diária para criticar tudo desde a segurança, saúde, educação, emprego, transportes, liberdades e garantias dos cidadãos, que tem solução para todos os males e que os seus congressos passam despercebidos e sem concorrência.

Há um outro MPD, que é aquele que suporta o governo, aquele em que o primeiro-ministro diz não ter varinha mágica para a resolução dos problemas do país, das mortes, do desaparecimento das crianças, do aumento da criminalidade, do aumento da VBG, do desemprego, da venda das empresas públicas, da falta de liberdade de expressão e que as suas convenções são disputadas por inimigos à semelhança de hutus e tutsis no Ruanda, com ameaças de morte. Aproveito para alertar a Dra. Andyra Lima, Membro da Direção Nacional do MPD, ameaçada de morte, por apoiar Orlando Dias, para estar de olhos bem abertos, porque nesta terra alguém pode ser linchado na via pública.

Os fundadores dos dois extintos partidos, PCD e PRD, dos anos 94-95-96, saídos do MPD, dariam um grande contributo se dessem conferências periódicas para alguns jotinhas do MPD, outros já deputados da nação, que vociferam, insultam, espumam quando intervém no parlamento, contando-lhes a história das disputas internas do partido que se alvora ser autor da democracia cabo-verdiana.

Serve como ilustração um pequeno extrato do novo jornal de abril de 1994, onde Dr. Eurico Monteiro, quando tentou disputar a liderança do partido, dizia: “começaram as intimidações, ameaças de destituições de dirigentes e apoiantes da sua lista, acrescentando que já houve transferências e despedimentos sumários.” Num outro artigo de opinião do mesmo jornal sobre a cassação de mandatos, entre outros, dizia: “não precisa expulsar-nos, nós é que não queremos.”

Pode-se ainda ler vários artigos de opinião do ex-presidente da República Jorge Carlos Fonseca intitulado “AQUI E ALI” onde criticava a atuação da direção do MPD, na altura. Quase três décadas depois, o partido não mudou e de democrático não tem nada.

Não é por acaso que em 2016, o presidente do MPD, ao ganhar as eleições, conhecendo o seu pouco peso político e não sendo um líder carismático, despachou os mais críticos tanto do ex-PCD como do PRD, para embaixadas por forma a estar no meio dos novatos.

O Dr. Orlando Dias insiste muito na falta de liberdade de expressão no seu partido, sendo ele da direção deste partido, deputado nacional que está por dentro do sistema rabentola. Quando diz isso, quem somos nós para o desmentir? Não tenho a certeza, mas presumo que o Dr. Orlando Dias tem também em mente o insulto e desrespeito que um deputado nacional endereçou a uma alta entidade religiosa pelo simples facto de o mesmo ter manifestado o seu desagrado pela forma como a CV Interilhas trata os passageiros. O insulto veio de onde não devia vir, de um deputado condenado por VBG e não vimos nem ouvimos manifestações de solidariedade para com o bispo do Mindelo, do chefe do governo, nem de algumas mulheres religiosas do MPD que são frequentadoras assíduas da igreja.  Aliás, o presidente do MPD normalmente fica quedo e mudo quando os seus colaboradores metem os pés pelas mãos. Estranhamente, por causa de um alegado crime de VBG, que ainda corre nos tribunais, disse há tempos que a função do presidente de conselho de administração da RTC não combina com VBG, o que levou o titular do cargo a pedir demissão, antes de ser demitido. O estranho é que os nossos jornalistas não tiveram a coragem para perguntar ao presidente do MPD e primeiro-ministro se VBG combina com o cargo de deputado da nação.

É o país de quem pode mais pode menos! A propósito, recentemente, uma ministra ou seu gabinete endereçou uma nota ao Presidente da Câmara da Praia, usando esta referência. Engana-se quem pensa que a ministra ou o seu gabinete é titular da frase. Está no caderno de encargos do MPD! Eis mais um exemplo elucidativo: em 2016, um Agente da PN, agora Subchefe reformado, foi chamado e desarmado, sem processo disciplinar e sem ser ouvido, porque a sua mulher, membro da direção do partido no poder, resolveu mudar de braços, coisa legal, normalíssima e até, às vezes, salutar e escolheu alguém com algum peso político no sistema rabentola. O “coitado” do agente afastou-se da casa e sempre que as saudades do filho apertavam, ia lá abraçá-lo, de porta para fora. Não é que a mulher foi ter com o todo-poderoso de Cabo Verde, que faz e desfaz, dizendo que estava a ser ameaçada com arma e o homem ordenou o desarme imediato do pobre agente? Este infeliz agente teve duas perdas: a sua cara-metade e o seu instrumento de trabalho. Trabalhou longos seis anos desarmado, com apenas um cinturão a suster-lhe as calças. Já está em casa reformado desde 2022 e é possivelmente o único Subchefe da Polícia Nacional na reforma em toda a história da polícia, sem arma de defesa pessoal.

Em tempos, quando lhe perguntava “Sima Praia está prigu li, modi ki bu ta xinte horas ki bu ta sai de noti desarmado?” Respondeu-me “n’ta evita sai de noti, quando mi é obrigado a sai q nta leba um nabadjinha quim ta teni pan cumé mangui kual.” É quem pode mais pode menos, mas é também, por causa da morosidade da nossa justiça. Sabem que se um dia chegar a sentença, um dos intervenientes estará morto:  a vítima ou o transgressor/ governo.

Nessa disputa eleitoral no MPD, duvido se Dr. Orlando Dias terá a mesma sorte que o atual presidente da Assembleia Nacional, Dr. Austelino Correia, que de forma destemida, à moda de badiu de fora, resolveu enfrentar o Dr. Ulisses, ao candidatar-se ao cargo de presidente da AN, à sua revelia. Analisou todos os riscos, pesou bem o adversário, preparou-se bem física e tecnicamente, levou-o ao tapete, no 1º rondo, a toalha foi arremessada instantaneamente ao lado do corpo estatelado em sinal de resignação. Ele com a experiência que tem sabe que uma franja do partido jamais o perdoará, mas sei também que no seu círculo restrito dirá “ki importan la”.

As intenções do ainda deputado Orlando opositor de Ulisses, neste momento, são boas e é o que o que muita gente principalmente o “zé povinho” quer: a redução das gorduras do estado, como membros do governo, deputados nacionais, institutos públicos, fosso salarial, viaturas do estado, mais liberdade de expressão, etc.

Essas propostas não são simpáticas aos ouvidos das pessoas que estão a beneficiar com essas mordomias, por isso a maioria já se posicionou à volta do chefe do governo, por forma a manter o staus quo.

Sem ser bruxo, prognostico três saídas para o Orlando: o menos provável é ganhar e tentar reduzir os gastos do estado e introduzir democracia dentro do MPD; perder por pouco, ter forças suficientes para se fazer ouvir nos diversos órgãos do partido e continuar a tentar influenciar as coisas internamente ou perder de forma humilhante e ser varrido do sistema rabentola ele e os seus correligionários, colocando um ponto final na sua já longa carreira política.

Quando um partido que suporta o governo vai às eleições internas e o seu presidente que é também primeiro-ministro diz que se os militantes derem vitória ao seu opositor haverá crise, instabilidade governativa e que não terá condições de exercer a sua função mostra o seu défice democrático.

Efetivamente, não há democracia sem democratas e com estes democratas, não temos democracia.

Praia, 02 de abril de 2023

Elias Silva

Partilhe esta notícia