Desenvolvimento de Santiago Norte. Para que serve este governo?   
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Desenvolvimento de Santiago Norte. Para que serve este governo?  

Ulisses Correia e Silva já provou que o seu governo não conta com os homens e as mulheres de Santiago Norte. Passou 5 dias úteis a passear pelos 6 concelhos da região e não deixou um único projeto - que seja uma palavra - para a agricultura, a pecuária, as pescas, o turismo e a cultura, que seguramente constituem o grande potencial de desenvolvimento desta que é uma das mais importantes parcelas do território nacional, onde vivem mais de 121 mil cabo-verdianos.

Agora que a poeira parece ter se assentado sobre a passeata do Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e sua longa lista de ministros e secretários de Estado, pelas terras de Santiago Norte, entendemos oportuno escrever algumas linhas sobre esta importante região política, económica, social e cultural de Cabo Verde, para efeitos de reflexão, ou, ao menos, para descarga de consciências de cidadãos de boa vontade.

O chefe do governo e os seus companheiros passaram uma semana em Santiago Norte. Durante esse período, ele realizou o tão proclamado quanto famoso Conselho de Ministros descentralizado, andou pelos 6 municípios da região para no final apresentar uma mão cheia de nada.

Quando soou nos órgãos de comunicação social a notícia dessa passeata governamental, todas as atenções voltaram-se naturalmente para Santiago Norte, cientes de que o governo estaria prestes a anunciar ao país grandes novidades para o processo de desenvolvimento da segunda maior região política do arquipélago – elege 14 deputados e dá guarida a cerca de 121 mil almas.

Porém, tudo não passaria de miragem, de publicidade enganosa. Afinal, Ulisses Correia e Silva não tinha, e não tem, absolutamente nada para Santiago Norte.

Passeou pelos municípios, falou em ressuscitar projetos já caducos, anunciou a retoma de projetos com mais de ano de suspensão, prometeu abrir tribunais e outros serviços para alimentar a máquina administrativa do Estado, e voltou para a cidade da Praia, com uma mão à frente e outra atrás, sem qualquer resultado ou sinais de dever público que vincule os homens e as mulheres desta região.

Estamos a falar de um primeiro-ministro que já vai no segundo mandato – está há 6 anos no poder - e não foi capaz, até agora, de apresentar um único projeto credível e credenciado no quadro do potencial competitivo da região Santiago Norte, concretamente o desenvolvimento das atividades do setor primário da economia, como a agricultura, a pecuária, as pescas e demais atividades conexas, que alavancam a vida no mundo rural, garantem rendimento às famílias do campo, abastecem o mercado e colocam a comida na mesa de ricos e pobres.

As zonas costeiras de Santiago Norte oferecem particulares condições para o desenvolvimento das pescas. Centenas de famílias de Santa Catarina, São Miguel, Tarrafal e Santa Cruz vivem das pescas, seja como pescadores, seja como distribuidores no mercado consumidor. O primeiro-ministro ignorou, pura e simplesmente, esses ativos da economia nacional, os seus sonhos, as suas ambições e o direito natural de ascensão na vida profissional e familiar. Para Ulisses Correia e Silva, esses milhares de seres humanos não passam de peças de engrenagem ou figurantes na triste e degradante novela eleitoral que normalmente protagoniza em épocas de sufrágio.

A capacidade de produção agrícola e pecuária de Santiago Norte é grande. As bacias hidrográficas de Santiago Norte possuem uma competência de produção agrícola e pecuária superior ao somatório de todas as outras regiões e ilhas do país, isto sem falar da experiência acumulada nesse domínio desde a governação colonial. É um setor que emprega mais de metade da população da região, mas para o governo de Ulisses Correia e Silva é como se essas pessoas não existissem, ou existindo, servem apenas para ajudá-lo a se manter no poder, assim alimentando a extensa carruagem de seguidores e violadores dos direitos básicos de uma plebe manipulada na sua boa fé e sentido de participação nas “coisas públicas”, que se convencionou chamar-se entre nós de "vida coletiva".   

Durante os 15 anos de Primeira República, o governo de então alocou recursos consideráveis na engenharia rural, na correção e requalificação das bacias hidrográficas, na conservação de solos, na mobilização de recursos hídricos, visando estabelecer bases sólidas para o desenvolvimento da economia rural, da cadeia de produção agrícola, alavancando consequentemente a vida no campo e a capacidade produtiva do país e outras externalidades que tal fenómeno provocaria nos demais setores, como o turismo, o comércio, a indústria, entre outras dinâmicas próprias de economias maduras e cientes das suas forças e oportunidades num mundo cada vez mais global e mais exigente.

Chegou a década de 90 e com ela a lengalenga da “Inserção Dinâmica na Economia Mundial”, vendida até à exaustão pelos “democratas”, porém, sem qualquer resultado no processo de desenvolvimento do país. O mundo rural foi simplesmente ignorado. E essa cantarola governativa acabaria por morrer golpeada por elementos de proa dos então defensores do neoliberalismo e da economia de mercado, dir-se-ia um colégio de kamikazes se autoflagelando num país onde os empresários vivem pendurados nas tetas do estado ou mergulhados na corrupção política, promovida por comadres e compadres bem agasalhados nos gabinetes ministeriais.

A partir de 2001, o mundo rural, e no caso, Santiago Norte, começou a experimentar um novo pulsar - a construção de barragens, os projetos de revitalização das bacias hidrográficas, os projetos de financiamento e formação dos profissionais da pesca, a construção de estradas modernas, a eletrificação rural, a construção de hospitais, centros de saúde e estabelecimentos de ensino básico e secundário, fizeram renascer os sonhos e a confiança num futuro mais risonho e mais próspero na região.

Com efeito, a vida voltaria a dar sinais de alento para os homens e as mulheres de Santiago Norte. Mas foi sol de pouca dura. Em 2016, o governo mudou. O MpD subiu ao poder e Santiago Norte voltou para o limbo, o esquecimento. Os seus sonhos, o seu potencial, a sua visão, foram por água abaixo. E 6 anos depois ninguém viu, ou ouviu, o atual governo a dizer uma palavra que seja, para mostrar que vai trabalhar o potencial desta região, reescrevendo-a nas políticas públicas nacionais.

É desolador! É indigno! Mas é também um grande drama para as mais de 121 mil pessoas que vivem e trabalham na região. E com o futuro adiado, os sonhos encolhidos, resta-lhes o consolo de pelo menos poder colocar algumas questões simples, mas que de algum modo poderão consolar as suas almas, tais como: Para que serve este governo? O que quer este governo com uma das mais importantes regiões políticas, económicas, sociais e culturais de Cabo Verde? 

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine

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