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Chuva Brava no CNAD   
Colunista

Chuva Brava no CNAD  

O afastamento do Irlando Ferreira da direção do CNAD é apenas um recorrente e desonesto ato político, a que Abraão Vicente nos tem habituado. Primeiro, sob a capa de uma normalidade aparente, prepara os cenários, ensaia o discurso e no clímax da peça, surpreendentemente, as luzes apagam-se, deixando às escuras os espectadores. Nesse preciso instante, sem piedade ou misericórdia, desfere o golpe fatal aos atores que possam, eventualmente, assombrar o seu portentoso e incomensurável ego. Esta teatralização política já não nos deveria surpreender. Pois, este foi sempre o seu modus operandi político. Portanto, quanto ao estilo teatral adotado, nada de novo há a registar.

Primeiro veio a seca. Mais tarde, lançaram-se as sementes à terra na esperança de que viessem a vingar. Neste longo período de seca, muitas sementes pereceram. Outras tantas esconderam-se do sol impiedoso e, durante muito tempo, aguardaram pela chegada da chuva.

Mutatis Mutandis, assim vai a vida social e cultural na cidade de Mindelo. Depois da simentera, nasceu o novo edifício do Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design (CNAD). A inauguração deste novo espaço aconteceu há menos de um mês. Foi um dia de feliz para a cena cultural cabo-verdiana. Muitos foram os sorrisos e abraços ministeriais, brindes discursos e promessas, encantos e ovações. Contudo, poucos dias depois, veio a chuva, brava e de enxurrada, a qual varreu, literalmente, o diretor do CNAD, Irlando Ferreira do cargo que ocupava há já sete anos na referida instituição.

Alguns Órgãos de Comunicação Social falam em despedimento, outros de afastamento, outros ainda de dispensa programada.

Seja como for, certo é que poucas horas depois, ainda a água corria em Ribeira Bote, o senhor Ministro da Cultural, Abraão Vicente, anunciava o término da comissão de serviço de Irlando Ferreira, através do Boletim Oficial e, quase no mesmo instante, ocorria a nomeação do novo diretor do CNAD, Artur Marçal.

O afastamento do Irlando Ferreira da direção do CNAD é apenas um recorrente e desonesto ato político, a que Abraão Vicente nos tem habituado. Primeiro, sob a capa de uma normalidade aparente, prepara os cenários, ensaia o discurso e no clímax da peça, surpreendentemente, as luzes apagam-se, deixando às escuras os espectadores. Nesse preciso instante, sem piedade ou misericórdia, desfere o golpe fatal aos atores que possam, eventualmente, assombrar o seu portentoso e incomensurável ego.

Esta teatralização política já não nos deveria surpreender. Pois, este foi sempre o seu modus operandi político. Portanto, quanto ao estilo teatral adotado, nada de novo há a registar.

Porém, desta vez, o desempenho do senhor ministro da cultura não foi convincente, o que fez recair uma nuvem de suspeição sobre o CNAD, que merece ser apreciada. Senão vejamos:

Foi em 2017 que o senhor ministro apresentou, com grande entusiasmo, o novo estatuto do CNAD. De viva voz, anunciava que os “novos estatutos iriam conferir a esta instituição autonomia financeira” e, por consequência, “projetar a instituição para o mundo a partir da cidade de Mindelo”.

Ainda em 2017, o então diretor do CNAD, Irlando Ferreira, no decorrer da Feira de Artesanato e Design (URDI), destacava a importância deste novo estatuto para a vida do CNAD - “autonomia e independência diretiva”, com o objetivo de “construir uma visão de futuro para a instituição”.

Hoje, volvidos 5 anos, e depois da utopia concretizada, Abraão Vicente anuncia aquilo a que denomina de “pequena mudança” nos estatutos do CNAD. - Com que propósito, perguntamos nós? “Para que possa acolher uma equipa diretiva mais alargada”, ou se quisermos numa linguagem mais cruel “novo sangue” com uma nova direção, respondeu o senhor ministro.

Pode parecer pequena a alteração estatutária, mas é com certeza significativo o impacto desta medida na orgânica interna do CNAD.  Perante esta apressada e extemporânea substituição do diretor, e porque até ao momento não tivemos qualquer esclarecimento público proferido por Irlando Ferreira, somos tentados a formular um conjunto de conjeturas e suspeições, acerca do enredo desta nova teatralização política.

Quis o senhor ministro Abraão Vicente, ao afastar Irlando Ferreira, branquear as decisões tomadas nos últimos anos pela direção do CNAD? Evitando assim eventuais danos colaterais que, de alguma forma, pudessem vir a ferir a sua credibilidade governativa?

Talvez o senhor ministro não se sinta confortável com as contratações, por ajuste direto, de empresas portuguesas, algumas delas sem expressão comercial fora de Cabo Verde - as ditas empresas lusas, com as quais é mais fáceis de comunicar em território cabo-verdiano, do que em Portugal, onde têm morada fiscal?

Talvez o senhor ministro se sinta desconfortável, pelo facto de a direção do CNAD não ter contratado profissionais de design e de comunicação cabo-verdianos, para a criação da imagem identitária da instituição?

Talvez o senhor ministro não tenha resistido à pressão dos outros agentes culturais da cidade (alguns deles ciclicamente financiados por instituições lusófonas), que se sentiram ameaçados pelo protagonismo que Irlando Ferreira conquistou ao longo destes anos?

Quando forem conhecidas, ao pormenor, as despesas inerentes a este novo equipamento cultural, talvez o senhor ministro e Irlando Ferreira revelem dificuldade em justificar as derrapagens financeiras, as contratações alegadamente apressadas e o dispendioso “networking” (cunhas em bom português), efetuadas com o objetivo de… “partilhar sinergias e internacionalizar o projeto”.

Certamente estas alegações não tiram o sono ao imperador da cultura morabeza, no entanto, o mesmo não terá sucedido com a entrevista que Irlando Ferreira concedeu a um jornal nacional, em agosto último, a qual poderá ter sido a primeira gota do dilúvio a que agora assistimos.

Nessa entrevista, o ex-diretor do CNAD demonstrou espírito de liderança, falou do futuro da instituição que liderava, sublinhou a importância do CNAD no contexto das instituições internacionais. O teor da entrevista colocou Irlando Ferreira como potencial candidato a um cargo de relevância governativa. Posicionou-o, também, no centro das decisões do CNAD, menosprezando as diretrizes do ministro da cultura. Esse posicionamento público, diminuiu o protagonismo político do ministro da cultura, o que, para Abraão Vicente, constitui um comportamento intolerável. E é bem provável que o tenha considerado uma ameaça à sua liderança, uma traição, em que o desfecho só poderia ser a “decapitação” do opositor Irlando Ferreira.

Para concluir, relembro a conversa em tom jocoso do senhor ministro, durante a apresentação pública do CNAD no dia 21 de junho de 2022: 

…o CNAD “terá temas de conversão hoje e daqui a 50 anos quando o Irlando estiver a escrever artigos contra o novo curador por este não respeitar a história do CNAD”

Podemos depreender assim que Abraão Vicente despediu o diretor cultural, e a sociedade cabo-verdiana ganhou um novo cronista? O futuro o dirá.

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