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(a)política de fachada
Colunista

(a)política de fachada

Senhor Ministro Abraão Vicente. O CNAD nunca foi um projeto apolítico, e todos desejamos que jamais o seja. Não tenha receio de publicamente o afirmar. O que, de todo, não se aceitará, é que as opções partidárias transformem o CNAD num espaço de compadrios, de exibição de alter egos de famílias burguesas, que se julgam detentoras da “verdade estética” do povo; assim como será inaceitável que o CNAD venha a ser usado para a renovação ou criação de narrativas que nada têm a ver com a realidade das ilhas. Por último, que não sirva o CNAD como trampolim para alguns diretores e seus assessores marcarem presença em palcos mediáticos da pseudo-cultura mercantilista. Pois, tal efetivamente não seria política, mas sim oportunismo e nepotismo. Isso sim, seria intolerável!

A cidade de Mindelo prepara-se para a inauguração do renovado Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design (CNAD).

Ao longo destes últimos anos, os habitantes da cidade conviveram com as obras do novo edifício, localizado no pátio recuado da histórica casa do Senador Vera-Cruz.

Muitos não acreditavam que alguma vez este espaço viesse a ser inaugurado. Outros, cautelosos, acompanharam em silêncio o decorrer dos trabalhos. Mas o que todos os mindelenses receavam era que os ditos trabalhos de construção e remodelação descaracterizassem a histórica casa do Senador e, por extensão, a rebatizada Praça Amílcar Cabral.

A respeito do novo edifício, do restauro do palacete  e da envolvência urbana, falarei numa outra crónica, após a inauguração. Dado que, todos os contatos efectuados no sentido de conhecer o projeto e apreciar os trabalhos, foram recusados pela direção do CNAD, por alegada falta de agenda.  Nas palavras do Diretor Irlando Ferreira, foi recomendado que “aguarde pela inauguração. Neste momento o CNAD está focado no grande dia!

De facto, a equipa do CNAD tem estado focada, tão focada no sucesso dessa inauguração, que nos últimos meses tem vindo a apresentar à cidade uma estratégia de comunicação particularmente eficaz, com o objetivo de sondar a opinião da comunidade e apreciar as discussões mais ou menos acaloradas acerca do novo edifício. Recorrendo periodicamente a iniciativas e debates no centro cultural de Mindelo, com temáticas, por vezes, enviesadas, convidando figuras de reconhecido relevo na sociedade mindelense, com o propósito de, e por antecipação, controlar opiniões, atenuar possíveis controvérsias, que de alguma forma pudessem perverter o dia da inauguração.

Exemplo máximo, dessa estratégia de comunicação, foi o desvelar das tampas de cores espampanantes, que cobrem  integralmente a fachada do nova estrutura arquitectónica. No mesmo instante, a equipa do CNAD e o seu diretor procuraram nos mais diversos fóruns da cidade, recolher opiniões e justificar as decisões que estavam a ser tomadas.

Mas, nem tudo tem corrido bem nesta mise-en-scène comunicacional. Pois, sempre que a direção do CNAD resolve envolver outros atores neste processo, a estratégia encenada desmorona-se e cai no ridículo. Exemplo disso, foi a apresentação do projeto aos órgãos de comunicação social, que decorreu no dia 24 de junho de 2022.

Neste evento, marcado pela incoerência discursiva dos intervenientes, destacou-se a inconsistência das afirmações e a descontinuidade formal e estética, acerca das opções que foram sendo tomadas ao longo do desenvolvimento dos trabalhos. Deixando transparecer fragilidades internas, que em nada honram  o projeto, tal a impreparação dos intervenientes.

Quero acreditar que, mais adiante, estas fragilidades serão devidamente reparadas, assim que os arquitetos Moreno Castellano e Eloisa Ramos, os consultores criativos Ana Cunha e Gonçalo Santana, e o diretor do CNAD Irlando Ferreira, apresentarem as motivações, as decisões técnicas e estéticas que tomaram, numa linguagem cuidada e profissional. Pois, aquilo que até à data disponibilizaram, está longe de satisfazer estes requisitos.

Podemos aguardar mais algumas semanas por estes esclarecimentos, no entanto, não podemos deixar passar em claro as declarações absurdas e incoerentes do Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Senhor Abraão Vicente:

“O novo CNAD é um projeto apolítico!” - disse.

Esta afirmação de Abraão Vicente demonstra, mais uma vez, a sua total impreparação para o cargo que ocupa há já dois mandatos.

Desde quando um museu, uma instituição pública tutelada pelo estado, sob a direção de um governante, com um diretor designado pela tutela, pode reclamar neutralidade política?

De que forma pode o CNAD ficar afastado das tensões sociais e políticas, das relações de poder da sociedade onde está inserido?

Para que serve (ou a quem serve) o CNAD, se a sua agenda programática se dedicar a apresentar coleções “neutras”, impregnadas numa espécie de disfarçado virtuosismo académico, repleto de clichés sem correspondência com a realidade social e política de Cabo Verde?

O ato de investigar, recoletar, enriquecer o espólio da instituição, apresentar exposições, contratar curadores, interpretar objetos de arte, artesanato e design, são inequivocamente atos políticos! De outra forma não poderia ser.

Os museus, as instituições, os centros de arte são a expressão viva do pulsar das sociedades e, as sociedades, consequentemente, sustentadas por manifestações políticas.

Quando o senhor ministro  Abraão Vicente e o senhor diretor Irlando Ferreira dizem que o CNAD vai permitir “descolonizar o pensamento cultural e artístico, e assim continuar a afirmar a independência cultural de Cabo Verde no mundo, servindo o edifício como farol, como instrumento de emancipação  e assim realizar o sonho de Amílcar Cabral”, não é isto politizar a instituição?

Senhor Ministro Abraão Vicente. O CNAD nunca foi um projeto apolítico, e todos desejamos que jamais o seja. Não tenha receio de publicamente o afirmar.

O que, de todo, não se aceitará, é que as opções partidárias transformem o CNAD num espaço de compadrios, de exibição de alter egos de famílias burguesas, que se julgam detentoras da “verdade estética” do povo; assim como será inaceitável que o CNAD venha a ser usado para a renovação ou criação de narrativas que nada têm a ver com a realidade das ilhas. Por último, que não sirva o CNAD como trampolim para alguns diretores e seus assessores marcarem presença em palcos mediáticos da pseudo-cultura mercantilista.

Pois, tal efetivamente não seria política, mas sim oportunismo e nepotismo. Isso sim, seria intolerável!

 

 

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