
Duas notas a ressaltar da conversa do primeiro-ministro com a sociedade civil, na quinta-feira, 24, para assinalar os dois anos da Governação:
1. Ouvi de bom grado o anúncio do chefe do Executivo de que o país vai ter já, já um novo avião para a Guarda Costeira e que servirá para transportar doentes das ilhas periféricas para os hospitais centrais em casos de emergência. É, nesta altura do campeonato, com mortes por falta de assistência devido à falta de meios de transporte, a melhor novidade que Ulisses Correia e Silva poderia dar aos cabo-verdianos.
Não sei se é conversa fiada – enviar apenas a Guarda Costeira para negociar a compra de um avião não me parece sensata, nem plausível – ou se a aeronave de que tanto o país precisa vem mesmo ainda nesta legislatura. Mas me agrada saber que o Governo está à procura da solução que jurou ter para o país. E, sobretudo, porque já chega de relatar e ler casos trágicos de grávidas a perder filhos ou a morrer num bote a caminho da Praia. Trata-se, ao fim e ao cabo, de promover a dignidade humana, logo, um direito universal.
Em 2011, o ex-primeiro ministro José Maria Neves anunciara a vinda de dois helicópteros para as emergências médicas. E voltou a prometer essas aeronaves três anos depois, em 2014. Até hoje nada. Mas havia a TACV, que, bem ou mal, prestava esse serviço.
Ulisses falhou antes ao não negociar previamente com a Binter o transporte de doentes inscritos no sistema da previdência apenas com requisição do INPS e, mais grave, dos enfermos que necessitam de cuidados especiais e urgentes nos hospitais da Praia ou de São Vicente. Vai fazê-lo agora – disse-o na tal conversa com a sociedade civil de quinta-feira – depois de quase ano a assistir à indiferença da monopolista BinterCV nesta matéria e, curiosamente, numa altura em que já está – segundo garantiu quinta-feira – a negociar a compra de um novo avião para a Guarda Costeira devidamente equipado para fazer esse serviço.
2. Enfim, quero acreditar desta vez – já fui enganado com os helicópteros – que o nosso crónico problema dos transportes inter-ilhas ficará resolvido com esse avião e com a conclusão do concurso para a atribuição de licença de exploração dos transportes marítimos no arquipélago (nota: era para ficar concluído este mês de Maio, mas pelos vistos só no próximo mês se saberá o desfecho). Mas a dúvida insiste em ficar, para não haver novas frustrações.
O primeiro-ministro disse também nessa noite de quinta-feira que em dois anos o Governo já criou cerca de 20 mil empregos. Não estando claro, ou pelo menos não dito, onde estão esses novos trabalhadores (não os sazonais com contratos precários) e não estando eu na posse de dados fidedignos e visíveis (a metodologia de recolha do INE já foi criticada por permitir leituras diferentes) dou o benefício da dúvida ao chefe do Governo, ainda que o inquérito da Afrosondagem sobre as políticas do Governo para o emprego tenha sido reprovado pelos cabo-verdianos, de acordo com a sua percepção.
Mas uma coisa é certa: este Governo já esteve muito mais atabalhoado e desorientado. Noto melhorias aqui e ali e nova dinâmica empresarial a advir, mas ainda não convence apesar de estarmos a meio do mandato e muito ainda esteja por acontecer. Porque, na maioria dos casos, são tudo expectativas, principalmente no que diz respeito às reformas estruturantes que o MpD disse ter solução. E tudo o que demora inquieta.
Este é um Governo que, claramente, não se conforma, por isso não deixa ninguém indiferente, seja agradando aos mais optimistas, seja decepcionando aos mais pessimistas. Quer fazer, fazer rápido para mostrar trabalho e isso leva muitas vezes a tomada de decisões impensadas, irreflectidas. Outras vezes, sobretudo quando atacado pelas críticas, se fecha e adia a medida com o argumento de que tudo está tratado e será explicado aos cabo-verdianos a seu tempo!
O problema de Ulisses é que ele dá a impressão de ser um maestro que está sempre a ensaiar a Valsa das Flores, de Tchaikovsky, enquanto boa parte do seu elenco governamental - e todo o MpD, diga-se - anda nas redes sociais a tocar ora batuco, ora ladainha. Se nos proximos dois anos conseguir sincronizar a orquestra pode ser que venha a dançar a sua valsa em 2020, aproveitando também de um desnorteado PAICV que ainda apalpa como fazer oposição.
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