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A Necessidade de se Cumprir Cabral e de se Desconstruir a Narrativa de História de Sucesso em Cabo Verde
Colunista

A Necessidade de se Cumprir Cabral e de se Desconstruir a Narrativa de História de Sucesso em Cabo Verde

A desesperança está a levar a uma saída massiva de jovens, uma situação estimulada pelas autoridades nacionais e com o apoio externo, mas que se afigura extremamente preocupante para o futuro de Cabo Verde, conformando-se na falta de mão de obra, como já se começa a sentir, e na diminuição drástica da população. É claro que, no imediato, aparenta um quadro falso, favorecendo a estatística, quanto à taxa de desemprego e da pobreza, pois estas se diminuem, não pelas boas ações do Governo, mas sim pela emigração.

Ainda, nós não conseguimos enfrentar a realidade da pobreza e da indignidade humana. Ainda, não conseguimos! 

Como é que, sem termos conseguido enfrentar e resolver o problema da pobreza e da indignidade humana, nós ficamos a repetir, eternamente, esta narrativa de história de sucesso?

Francisco Carvalho[1]
 

Pessoalmente, não poderia estar mais de acordo com o Presidente da Câmara Municipal da Praia. Tal como o Francisco Carvalho, também ando a refletir e a questionar, a partir de certos discursos políticos, a forma como temos estado a avaliar o nosso progresso e como andamos a interpretar os indicadores de desenvolvimento, constantes dos relatórios internacionais, no contexto da África.

Cabo Verde tem ocupado posições de satisfação, é verdade, quando ficamos nos primeiros  lugares, em relação a África. Parceiros internacionais têm-nos elogiados e isto tem nos ajudado na mobilização de ajudas e recursos financeiros. É verdade! 

Mas quando olhamos, com sentido crítico, para a realidade socioeconómica e até cultural de Cabo Verde e compararmos com realidades de países como, por exemplo, Maurícias Seicheles (também países africanos), Singapura e Coreia do Sul, países que, há 50/60 anos, atrás, estavam quase no mesmo patamar que Cabo Verde, por exemplo, em termos do PIB per capita por causa  da miséria, percebemos que as diferenças nos indicadores de desenvolvimento, hoje, é abismal.

Entendo que comparar o processo de desenvolvimento de Cabo Verde com os dos países africanos, de um modo geral, não é justo, se tivermos em conta o processo sócio-histórico. Cabo Verde é uma nação, desde o Séc. XVIII, devido à nossa particularidade no contexto da colonização africana. Não temos grupos éticos, o que representa uma força, e nunca tivemos uma guerra civil ou de outra natureza.

Do contrário, os demais países africanos, ainda, padecem de problemas sérios, em termos de construção da nação, ou do entendimento e convivência pacífica entre os diferentes grupos étnicos. Este é um problema criado, particularmente, pelas ex-potências europeias, no período de 1883 a 1885, quando dividiram a África entre eles e, em função dos seus interesses, juntando e dividindo povos com características diferentes, governos diferentes, culturas diferentes, etc. É claro que os imperialistas serviram os seus interesses, mas criaram um problema estruturante para  África e o seu futuro.

A braços com esses problemas, é natural que o processo de desenvolvimento dos diferentes países deste riquíssimo continente esteja, ainda, com muitas dificuldades. Ora, este não é o problema de Cabo Verde!

Em 1975, já éramos uma nação forte, unida e com uma grande ambição de desenvolvimento e de querer viver o bem-estar. Então, o que faltava? Faltava quase tudo. Mas tínhamos o mais importante: Homens e Mulheres unidos e ansiosos pelo desenvolvimento.

É a principal riqueza de qualquer País! E as autoridades de então reconheceram isso. No entanto, faltou fazer aquilo que, por exemplo, Singapura e Coreia do Sul fizeram - uma forte aposta numa Educação de alta qualidade para qualificar os cabo-verdianos com um alto padrão de cidadania/civilidade e com competências e habilidades produtivas para contribuirmos para o progresso do nosso país. Só assim teríamos, anos depois da independência, cidadãos com elevado nível de cidadania/civilidade, com competência e habilidade para produzir, e com alta capacidade para desenhar políticas, planificar, governar e administrar este País e as suas instituições, com o foco no progresso.

Se assim fosse, talvez, teríamos conseguidos, há já algum tempo, tal como a Coreia do Sul e Singapura, enfrentar e resolver os problemas da pobreza e da indignidade humana e não estaríamos a repetir, eternamente e de forma errada, a narrativa de história de sucesso em Cabo Verde, quase 50 anos depois da independência.

A realidade, à vista de todos, diz-nos que, ainda, temos milhares e milhares de cabo-verdianos a não poderem alimentar-se três vezes por dia; a morarem nas condições indignas, e com grandes dificuldades financeiras para cuidarem da sua saúde e da educação dos seus filhos. Por outro lado, as nossas instituições, na sua maioria, funcionam deficientemente, num quadro de incompetência técnica e profissional  e de falta  sentido de relevância e de missão.  Para complicar, aquilo que sempre nos animou está a desvanecer-se – a ESPERANÇA.

A desesperança está a levar a uma saída massiva de jovens, uma situação estimulada pelas autoridades nacionais e com o apoio externo, mas que se afigura extremamente preocupante para o futuro de Cabo Verde, conformando-se na falta de mão de obra, como já se começa a sentir, e na diminuição drástica da população. É claro que, no imediato, aparenta um quadro falso, favorecendo a estatística, quanto à taxa de desemprego e da pobreza, pois estas se diminuem, não pelas boas ações do Governo, mas sim pela emigração.



[1] Francisco Carvalho apresenta programa da Câmara Municipal da Praia para assinalar o centenário de Amílcar Cabral (rtc.cv)

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