A Ditadura dos Sonâmbulos
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A Ditadura dos Sonâmbulos

Quem não alinha com a narrativa oficial, é imediatamente acusado de traidor, vendido ou inimigo do povo. A dúvida tornou-se heresia. O pensamento crítico, um acto de resistência. A moderação, um crime contra o fervor popular. É assim que começa o fim. Por isso, a pergunta que fica é simples, mas urgente: quando é que acordamos?

Hermano Lopes da Silva escreveu há dias no Facebook, um daqueles textos que se não te abanarem, é porque já foste absorvido por um sono colectivo, profundo, quase comatoso. Um sono onde, nas suas palavras, “os sonâmbulos proliferam-se num hipnótico cortejo de tristes”.

E é exactamente disso que se trata: andamos todos a dormir. Enquanto isso, os extremos políticos (que se vendem como opostos), cultivam afinal “o mesmo idioma”. Um idioma feito de manipulação emotiva, desconfiança generalizada e descrédito visceral das instituições.
Direita ou Esquerda? Pouco importa. Ambas gritam muito, choram em público, prometem revoluções… e, no fim, instalam-se no poder com a mesma sede de domínio. Com o mesmo apetite voraz por controle. Com a mesma arrogância camuflada de salvação.

Hermano denuncia, com precisão desconcertante, como os extremos “se tocam de tal sorte que todas as nuances cromáticas divergentes se nos apresentam simetricamente iguais”. E nós, entretidos com as luzes do palco, não vemos que estamos a ser conduzidos, hipnotizados e amansados.

O mais perigoso é isto: o povo é transformado numa espécie de “elite” atípica, forjada na ditadura da maioria. Quando a maioria é convertida em tropa de choque contra quem pensa diferente, quando o pluralismo é esmagado pelo barulho uníssono do mais indignado ou do mais oportunista, a democracia já não é um sistema de participação. É um espectáculo de manipulação.

A crítica de Hermano é incómoda porque é lúcida. Revela que estamos a ser usados enquanto aplaudimos. Estamos a celebrar “vitórias de Pirro”, daquelas que se ganham à superfície, mas que nos corroem por dentro. Os líderes que se apresentavam como anti-elite tornam-se a nova elite. Os que prometiam “limpar o sistema” transformam-se nos donos do sistema.

E nós? Seguimos em cortejo, tristes e a dormir.

Mas o que mais me inquieta no texto de Hermano Lopes da Silva não é apenas a análise política. É o diagnóstico social: “Transformando, qual alquímicos, factos em mitos, mitos em factos, mentiras úteis em verdades circunstanciais de puras e terminantes letalidades”. Esta frase devia fazer-nos saltar da cadeira. Estamos a viver uma era de alquimia perversa, onde a verdade já não interessa. Só interessa a narrativa. E quanto mais conveniente, mais perigosa.

Quem não alinha com a narrativa oficial, é imediatamente acusado de traidor, vendido ou inimigo do povo. A dúvida tornou-se heresia. O pensamento crítico, um acto de resistência. A moderação, um crime contra o fervor popular.

É assim que começa o fim.

Por isso, a pergunta que fica é simples, mas urgente: quando é que acordamos?

Nota:
A expressão “vitória de Pirro", faz referência a uma vitória que sai tão cara que mais parece uma derrota. O nome vem do rei Pirro de Épiro, que, após vencer os romanos em várias batalhas no século III a.C., teve tantas perdas no seu próprio exército que no final, a vitória não compensava o custo. No contexto político contemporâneo, ganhar uma eleição ou um cargo pode, muitas vezes, resultar em danos irreparáveis à democracia e à liberdade, o que torna a vitória aparentemente conquistada uma verdadeira perda para a sociedade.

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Comentários

  • Carlos Vieira De Carvalho, 11 de Abr de 2025

    Como sempre, um brilhante e impactante artigo de opinião! Obrigado por esta análise relevante Sra. Any Delgado

    Tenho a certeza de que o despertar de um povo, de uma sociedade ou de qualquer outra coisa, terá e tem a ver com escolha! A escolha certa! Renovação.

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  • Casimiro centeio, 10 de Abr de 2025

    Por curiosidade fui visitar, numa noite qualquer, o MERCADO DE COCO, vi ali dentro figuras com feitios humanos muito horríveis, sentados a uma enorme nessa retangular, bebendo " grogui fedi" e jogando poker. Eram notívagos desemparados que habitavam á noite " essa sombria caverna" e, vendo -me, dirigiam-se em minha direção, e saí logo correndo, gritando: AQUI-D'EL-REI !!!!!!

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