A abstenção pode ter implicações mais profundas para a legitimidade do governo. Como Lipset (1960) observa, a legitimidade do regime está intimamente ligada à participação política, e uma taxa elevada de abstenção pode ser interpretada como uma rejeição ao governo, facto que pode sinalizar que o MPD corre o risco de perder a confiança de uma parte significativa da população, o que comprometeria a sua capacidade de governar. A renovação das políticas públicas, especialmente nas áreas de transportes, segurança pública, saúde, melhorias de condição de vida e educação, será crucial para reconquistar a confiança da população e evitar um possível colapso eleitoral. O MPD, ao buscar manter a sua base de apoio e a sua legitimidade, deve estar atento a essas questões e considerar uma reforma nas suas políticas para atender às necessidades da população. A abstenção, quando elevada, pode ser um indicativo de que um ciclo político chegou ao fim, mas também oferece uma oportunidade para reflexão e correção de rumos, como por exemplo, o refrescamento do governo. O mesmo deve agir rapidamente para reverter a alienação do eleitorado e garantir que as próximas eleições sejam mais representativas e participativas.
Introdução
As Eleições Autárquicas de 1 de dezembro, em Cabo Verde, aponta o PAICV, segundo dados provisórios da CNE, como o grande vencedor, conquistando 15 Câmaras contra sete do MPD, no universo de 22 Municípios, em que concorreram 127 listas, das quais 62 para a Câmara Municipal e 65 para a Assembleia Municipal. Mas neste artigo particular, o nosso objeto de análise prende – se, concretamente, com as elevadas taxas de abstenção ocorridas nesse ato eleitoral.
A abstenção nessa eleição destaca –se por uma subida de 41,6% da eleição anterior, para cerca de 50% da eleição atual e, revela um fenômeno complexo que merece uma análise cuidadosa. O impacto dessa abstenção, que se reflete diretamente nos resultados eleitorais, não deve ser visto apenas como um simples reflexo do desinteresse político, ou saída de pessoas para estrangeiro, mas como um sinal de uma crise de legitimidade política. A elevada taxa de abstenção, com um número significativo de eleitores se ausentando das urnas, sugere uma desconexão entre o governo, os partidos e a população.
Esse fenômeno, que ocorre em diversas democracias ao redor do mundo, assume contornos particulares em países com sistemas políticos emergentes, como Cabo Verde. Para entender as suas consequências sociais, políticas e económicas, é fundamental ir além dos números e perceber o que a abstenção representa em termos de confiança nas instituições políticas, na eficácia do governo e na qualidade da democracia. Neste artigo, argumentamos que a elevada abstenção nas eleições autárquicas de 2024 não só reflete um desgaste político, como também pode sinalizar o fim de um ciclo político para o MPD, partido que atualmente sustenta o governo, ou ainda, uma alerta sobre a necessidade de correções políticas urgentes, especialmente nas áreas mais sensíveis para a população, como o transporte público e o aumento do custo de vida para as pessoas.
Abstenção como um ato individual
A abstenção pode ser interpretada como um ato de protesto ou insatisfação individual. O cientista político Robert Dahl (1989) argumenta que a participação política é fundamental para a saúde de uma democracia. Quando os cidadãos se abstêm de votar, isso pode ser visto como um sinal de desconfiança nas instituições políticas ou como uma rejeição à classe política dominante. A abstenção é, portanto, uma forma de manifestação contra um sistema percebido como ineficaz, injusto ou desinteressante.
Em Cabo Verde, muitos eleitores podem se sentir desconectados das opções partidárias disponíveis, especialmente quando as promessas de desenvolvimento social e económico não se traduzem em melhorias tangíveis na vida cotidiana. Dados da Comissão Nacional de Eleições (CNE) indicam que, apesar de um número significativo de eleitores, nomeadamente, 351.963 inscritos no caderno eleitoral, a participação nas urnas foi aquém do esperado. Este fenômeno pode ser atribuído a uma combinação de fatores, incluindo a falta de confiança nos partidos políticos, especialmente no MPD, que tem sido alvo de críticas em áreas como a gestão de transportes públicos e a alta no custo de vida das pessoas.
Abstenção como um fenômeno social
Seymour Martin Lipset (1960) argumenta que a desigualdade social tende a ser um fator crucial na participação política. Quando uma grande parte da população vive em condições de pobreza ou enfrenta dificuldades económicas, sua capacidade de se envolver com a política diminui. Em Cabo Verde, a crescente desigualdade social e os problemas económicos, como o aumento do custo de vida, podem estar diretamente ligados à abstenção. A falta de políticas públicas eficazes nas áreas essenciais, como educação, saúde e transporte, faz com que muitos cidadãos se sintam desvalorizados e excluídos do processo político. O Governo do MPD, em termos de políticas públicas definidas nos últimos anos, tem fugido do seu campo ideológico, isto é, do centro direita para centro esquerda, um espaço ideológico com o qual não identifica e, é inexperiente em definir politicas publicas acertadas para esta franja da sociedade. Por outras palavras, podemos dizer que andou em contramão. Pois, o espaço ideológico centro esquerda pertence ao PAICV. E, por conseguinte, na tentativa de poder captar eleitorado à esquerda (os mais pobres do País), o MPD esqueceu-se da classe média que tem sido o seu forte no que tange à governança pública.
Outrossim, as dificuldades em acessar serviços básicos e a falta de confiança nas soluções políticas podem resultar em um distanciamento das pessoas, reforçando um ciclo de exclusão social e política.
Abstenção como um fenômeno político e económico
Quando a abstenção se torna elevada, ela pode ter um impacto direto no sistema político e na confiança nas eleições. Isso é particularmente relevante para o MPD, que, ao sustentar o governo, é diretamente responsável pela implementação de políticas públicas. A elevada taxa de abstenção nas eleições autárquicas de 2024 pode ser vista como uma resposta crítica à atuação do governo, especialmente nas áreas que afetam diretamente o quotidiano dos cidadãos.
O aumento do custo de vida, por exemplo, tem sido um dos principais pontos de insatisfação popular. O setor de transportes também é uma área de crescente preocupação, com muitas críticas sobre a falta de uma politica eficaz e acessível para a população, sobre tudo porque, foi uma das bandeiras de campanha do MPD, na eleição legislativa anterior. Quando o governo não consegue responder adequadamente a essas demandas, a abstenção tende a aumentar, refletindo a perda de apoio popular e a perceção de que as eleições não trarão mudanças significativas.
O Impacto da Abstenção no Partido MPD e Consequências imediatas
A análise dos resultados eleitorais mostra que, embora o MPD tenha mantido algum apoio em certas áreas, o crescente desinteresse eleitoral em várias zonas, principalmente nas autarquias com maior índice de abstenção que o País já se viu, aponta para um enfraquecimento do partido, facto que, em boa leitura politica e maturidade democrática partidária, dita a demissão da liderança do MPD e dos principais responsáveis por esse resultado eleitoral.
Esse enfraquecimento político não se limita ao nível eleitoral. A abstenção pode ter implicações mais profundas para a legitimidade do governo. Como Lipset (1960) observa, a legitimidade do regime está intimamente ligada à participação política, e uma taxa elevada de abstenção pode ser interpretada como uma rejeição ao governo, facto que pode sinalizar que o MPD corre o risco de perder a confiança de uma parte significativa da população, o que comprometeria a sua capacidade de governar. A renovação das políticas públicas, especialmente nas áreas de transportes, segurança pública, saúde, melhorias de condição de vida e educação, será crucial para reconquistar a confiança da população e evitar um possível colapso eleitoral. O MPD, ao buscar manter a sua base de apoio e a sua legitimidade, deve estar atento a essas questões e considerar uma reforma nas suas políticas para atender às necessidades da população. A abstenção, quando elevada, pode ser um indicativo de que um ciclo político chegou ao fim, mas também oferece uma oportunidade para reflexão e correção de rumos, como por exemplo, o refrescamento do governo. O mesmo deve agir rapidamente para reverter a alienação do eleitorado e garantir que as próximas eleições sejam mais representativas e participativas.
Cesário Varela
Politólogo
Comentários
Casimiro centeio, 3 de Dez de 2024
Correta esta análise.
Muito embora pareça verosímil, mas numa situação do género, não é possivel fazer melhor.
Estou plenamente de acordo.
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