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O Papel da UCID no Percurso da Democracia Cabo-verdiana
Ponto de Vista

O Papel da UCID no Percurso da Democracia Cabo-verdiana

 

(Por ocasião do quadragésimo-segundo aniversario da fundação da União Caboverdeana Independente e Democrática –UCID)

Que esta data comemorativa sirva para a reposição da verdade histórica, esclarecendo particularmente as gerações mais recentes sobre o papel de relevo da UCID na construção da democracia cabo-verdiana, e que constitua um momento solene de prestação de justa homenagem àqueles punhados de patriotas militantes da primeira hora e fundadores da UCID e a todos os homens e mulheres humildes do nosso povo que, condignamente, levantaram o protesto político contra o sistema do Partido Único, são os desejos do nosso partido, que aqui expresso em seu nome.

Comemora-se, no dia 13 de Maio de 2020, o quadragésimo-segundo aniversario da UCID como partido político. Dentro dos limites dos nossos recursos materiais e da dedicação e voluntarismos de nossos militantes na Diáspora e em Cabo Verde, a UCID comemora esta data com a dignidade e entusiasmo, de modo a que nela possa apresentar o percurso histórico da UCID como um dos obreiros distintos na construção da democracia cabo-verdiana, em prol da qual continua a lutar, embora em condições de desigualdade relativamente às outras forças politicas, uma desigualdade orquestrada desde os primórdios da abertura democrática, iniciada em 1990 pelos dois principais partidos políticos.

Que esta data comemorativa sirva para a reposição da verdade histórica, esclarecendo particularmente as gerações mais recentes sobre o papel de relevo da UCID na construção da democracia cabo-verdiana, e que constitua um momento solene de prestação de justa homenagem àqueles punhados de patriotas militantes da primeira hora e fundadores da UCID e a todos os homens e mulheres humildes do nosso povo que, condignamente, levantaram o protesto político contra o sistema do Partido Único, são os desejos do nosso partido, que aqui expresso em seu nome.

Pretendo nesta pequena exposição informativa e analítica contribuir, sem obviamente esgotar a questão, para reposição da verdade e de forma o mais objetiva possível, para a reflexão sobre o papel da UCID na construção da democracia cabo-verdiana e na definição dos seus momentos mais marcantes de alinhamento com os fundamentos do Estado de Direito Democrático, com a defesa dos valores e práticas dos Direitos do Homem e da Justiça Social.

A UCID, é uma organização politico partidária cabo-verdiana, para cuja formação se congregaram várias outras organizações, individualidades e movimentos, particularmente na diáspora cabo-verdiana, que nunca se conheceram no sistema politico de Partido Único instaurado em Cabo Verde pelo PAIGC-CV, não aderiram ao projeto da União com a Republica da Guiné Bissau e proclamaram bem alto a bandeira do Estado de Direito Democrático.

A fundação da UCID, em 1978, veio clarificar e dissipar dúvidas entre alguns patriotas cabo-verdianos opositores do regime sobre a necessidade histórica da independência nacional e de sua irreversibilidade, centrando a luta nos propósitos da edificação do Estado de Direito Democrático, respeito pelos direitos humanos e recusa do princípio da união com a República da Guine Bissau e orientando-a com a recusa da violência como método de resistência. Todos os princípios que se foram materializando ao longo do período pós-independência, alguns como o fim do projeto da União com a República da Guine Bissau, portanto, antes da abertura política e os restantes incorporados no programa de transição para a Democracia negociada com o PAICV. Estranha e pouco antidemocrática negociação da qual foi praticamente excluída a maior força de oposição ao regime do Partido Único.

A luta encetada pela UCID, sob liderança de destacados patriotas cabo-verdianos, que neste ano quadragésimo-segundo pretendemos homenagear, foi eminentemente politica, encetada através de mobilização clandestina contra o sistema de Partido Único em Cabo Verde , da denúncia internacional junto de várias instâncias executivas e legislativas de países democráticos, nomeadamente parlamentos e governos europeus, do Departamento de Estado dos Estados Unidos e de outras organizações Internacionais como as Nações Unidas e suas agências relevantes, entre outras entidades governamentais e não governamentais de luta contra os abusos dos Direitos do Homem. De particular importância foi o papel da UCID na denúncia internacional da grande repressão levada a cabo pelo regime em S. Antão em 1981, contra a resistência à chamada Lei da Reforma Agrária, e de que resultaram em prisões, uma morte, julgamentos arbitrários e casos de torturas. Todas essas ações de luta política da UCID em prol da Democracia acabaram por influenciar a dinâmica do processo de reformas que desembocaram nas negociações de 1990 sobre a instauração do regime democrático em Cabo Verde. De se notar, a propósito destas negociações, que o Movimento para a Democracia surgiu no quadro delas e não como resultado de uma oposição prolongada e consequente ao regime do Partido Único desde a sua imposição em Cabo Verde, como foi o caso da luta da UCID. Com isso não pretendemos desvalorizar o papel importante do MPD na construção da Democracia Cabo-verdiana, papel que se revelou de grande importância no processo da edificação jurídico-formal do Estado de Direito Democrático, verificada já no período pós-eleições legislativas de Janeiro de 1991. Mas, este papel, não pode ser realçado com exclusão dos contributos decisivos da UCID na mudança para o regime democrático. De se notar também que mesmo antes da abertura politica, a UCID se disponibilizou para discutir com o PAICV as reformas políticas em Cabo Verde, sem contudo receber uma resposta às suas diligências, e mais, apesar de estar ao seu alcance influenciar decisões de governos simpatizantes da sua causa contra a ajuda pública para o desenvolvimento de Cabo Verde, nunca o fez ciente de que esta ajuda era fundamental e necessária para fortalecer a frágil economia do país.

Enquanto a luta da UCID se desenrolava e se desenvolvia, e com isso sofria os efeitos da repressão politica, por vezes extremas como foram os casos da repressão em S. Antão, aqui referidos, um número significante de futuros militantes e dirigentes do MPD, militava no PAICV e dirigia os diversos aparelhos partidários e governamentais do sistema do Partido Único, desde antes de 1975.

Como dito, não pretendemos diminuir ou negar o papel de outras forças políticas na democratização do pais, incluindo do PAICV enquanto tal ou de alguns de seus militantes, apenas pretendemos que a verdade histórica seja reposta, isto e que o papel relevante quiçá primordial da UCID seja reconhecida a bem de boa convivência e colaboração interpartidária em Cabo Verde e do aprofundamento da democracia.

Sabendo-se que o papel da UCID no processo de democratização de Cabo Verde foi assim tão relevante, a pergunta lógica que se impõe é porque que apesar disso, a UCID ficou marginalizada no processo negocial da transição e lhe foi negada a participação decisiva na primeira eleição legislativa democrática realizada em Janeiro de 1991?

A resposta a este questionamento tem a ver em parte com dois cenários que se impõe reconhecer, um de natureza organizacional e outro de análise  da situação emergente em 1991, com a abertura política.

O erro de natureza organizacional consistiu na incapacidade grave das nossas estruturas em Cabo Verde e na diáspora, que não souberam organizar em tempo oportuno, com eficácia e determinação, o processo de recolha de assinaturas que pudesse legitimar formalmente a participação da UCID nas eleições legislativas em vias de realização. A não participação na campanha eleitoral para essas eleições privou a UCID de um espaço temporal e territorial para sua afirmação como força política relevante, através da divulgação do seu programa, sua apresentação e a de seus dirigentes, sua imagem como principal força de oposição ao Partido Único e de utilidade democrática para o momento que emergia. A UCID, ao contrário do PAICV, que, durante 15 anos, teve tempo mais do que suficiente e recursos mais do que necessários para se implantar organizacionalmente e promover a sua ideologia, não teve tempo nem recursos para tal implantação e promoção, tanto mais que sua ação política aberta era proibida pelo regime. Também, ao contrário do MPD, cujo grande número de seus dirigentes e militantes emigrou do PAICV para a novel organização, beneficiando da experiência e implantação da organização do seu ex-partido que ajudaram a construir em Cabo Verde. Não podemos esquecer que o aparelho do PAICV foi durante muito tempo, estruturado e de certa forma comandado por jovens esquerdistas, experientes e capacitados em conspirações e ação clandestinas. A estas capacitações tanto do PAICV como do MPD, se juntou a oportunidade que tiveram de empreender uma intensa campanha eleitoral, oportunidade que a UCID não teve.

À incapacidade organizacional da UCID, somaram-se os erros de análises políticas da nova situação emergente em 1990. Com efeito, a UCID não fez uma leitura política adequada da situação que se desenhava e que empurrava o MPD para uma posição com o claro propósito de integrar a UCID num movimento liderado por ele e que pudesse conduzir ao seu desaparecimento como forca política autónoma e com identidade e legitimidade próprias. Esta estratégia   foi o resultado da análise e conclusão (erradas como se veio a provar) do MPD de que as possibilidades de ganhar as eleições não eram grandes, e mais diminutas seriam num cenário de disputa eleitoral a três com potencial para fragmentar o movimento democrático e assim facilitar uma vitória do PAICV. Esta estratégia monopolizadora do movimento democrático prefigurava o que mais tarde se veio a verificar, isto é, um modelo de confronto democrático exclusivamente entre o PAICV e o MPD.

Relativamente ao MPD a sua contribuição para a construção da democracia cabo-verdiana e do seu percurso foi de grande e de inegável alcance. Negociou bem o processo de transição: garantindo a supressão imediata do preceito constitucional adotado durante o Partido Único e que conferia ao PAICV o estatuto totalitário de força politica dirigente da sociedade e do Estado; garantindo a liberdade de expressão e de formação de organizações politicas incluindo partidárias; conseguindo um calendário e legislação eleitorais favoráveis à consolidação da irreversibilidade do sistema democrático, entre outras conquistas chave para garantia de uma constituição típica de um Estado de Direito Democrático. Contudo, o grande contributo do MPD foi o da construção e consolidação jurídico-formal do Estado de Direito e da Democracia Pluralista, através da primeira Constituição Democrática da República, que veio consagrar os princípios básicos da organização política e da cidadania da Democracia Pluralista. Esta contribuição foi também marcante no plano económico, particularmente com a instituição das privatizações e do Banco Central Autónomo, como entidade reguladora e autoridade monetária, entre outras opções pertinentes da política económica.

No entanto, não podemos deixar de reconhecer que a estratégia do MPD, que conduziu à subalternização política da UCID durante o período de transição em que não teve uma voz autónoma, e do subsequente período de eleições legislativas e de vigência da Primeira Legislatura em que não se representou, condicionou o percurso da democracia cabo-verdiana, moldando-a num figurino bipartidário que hoje prevalece, com as consequências negativas que se lhe reconhece.

O papel do PAICV no desenvolvimento desta estratégia não está clarificado, pois se este partido não a apoiou formalmente, também não fez uso de poderes que detinha na Assembleia Nacional, onde ainda dominava largamente, para impedir a sua implementação, isto é, permitir que à UCID fosse conferida legitimidade histórica que a dispensaria de participar nas eleições legislativas com base em recolha de assinaturas mínimas. Legitimidade histórica que foi reconhecida ao PAICV. O resultado foi na prática a   bipolarização do sistema com todos os inconvenientes que se lhes reconhece. Uma bipolarização que na ausência de uma tradição democrática enraizada se assemelhou mais ao modelo tradicional bipolar sul-americano, avesso a compromissos, do que ao modelo bipolar norte-americano mais propenso a consensos e entendimentos.

Assim, intencionalmente ou não, formalmente ou não, o MPD e o PAICV objetivamente juntaram-se numa aliança antidemocrática redutora da democracia cabo-verdiana, privando-a de um de seus combatentes mais destacados, a UCID.

Relativamente ao PAICV, hoje, com serenidade, e num Cabo Verde pacificado politicamente com todos os partidos alinhados com o Estado de Direito Democrático e com sua defesa intransigente, reconhecemos, apesar dos atropelos passados no período do partido único, o seu contributo para o desenvolvimento da democracia exemplar que vimos construindo. Com efeito, este partido ao mobilizar o povo cabo-verdiano para a libertação nacional, lançou uma pedra importante na construção democrática da Nação, pois não existe democracia sem a libertação nacional. Também há que reconhecer que este partido teve um papel importante na construção da Nação Estado, adotando princípios e práticas de governação que precaveram o aparecimento do Estado Falhado, uma realidade omnipresente nas experiências descolonizadoras de vários países do continente africano.

Esses princípios e práticas que se informam nas matrizes sócio-culturais  da Nação cabo-verdiana, e nelas se reforçam, lançaram os fundamentos de uma sociedade civil pacifica, que por sua vez tornaram possível uma transição política também pacifica, civilizada e consensual, sem clivagens e ruturas significativas. A continuidade dos aspetos mais positivos da administração colonial nomeadamente da sua matriz foi outra contribuição positiva do PAICV.

Refletindo um pouco mais sobre o sistema bipolar, de dualismo partidário, tornado possível com a marginalização da UCID no processo de transição democrática, hoje constatamos que ela tem sido prejudicial ao desenvolvimento da democracia cabo-verdiana.   Com efeito, este sistema tornou muito mais difícil, desde o seu início, uma melhor e maior representação parlamentar da UCID, que, no contexto de funcionamento da jovem democracia, seria de grande utilidade para soluções de alianças pré ou pós-eleitorais centradas na viabilização de reformas fundamentais em diversas esferas de governação e de políticas publicas relacionadas. Reformas estruturais importantes como de relações laborais, não tem sido implementadas pelo receio dos dois partidos em confrontar os sindicatos com a uma realidade insustentável; reformas do ensino, sistematicamente adiadas ou empreendidas de forma não abrangente, apesar do reconhecimento da importância ímpar da educação como fator de desenvolvimento e da mobilidade social; reformas sobre uma verdadeira regionalização, uma questão importante para a descentralização e desconcentração administrativas e correção de assimetrias regionais; reformas no setor do turismo, visando sua melhor inserção na cadeia de valor da economia nacional; reformas no estatuto de cargos políticos, paralisadas por politicas populistas; reformas da administração pública , cujo atraso tem impedido a sua a profissionalização e alimentado sua captura por interesses de caciquismos políticos e distribuição de cargos profissionais aos militantes dos partidos do chamado arco do poder; reformas na legislação eleitoral de modo a permitir listas uninominais ou outras soluções que melhor equilibram participação cívicas e partidárias.

Certamente que a representação parlamentar da UCID, nas legislaturas que se seguiram à primeira, dependeu e depende e muito do grau de aceitação das suas propostas eleitorais. No entanto, parece-nos ser evidente que o “pecado original” de boicote à participação da UCID na primeira eleição legislativa, afetou e muito o futuro político do nosso partido e a contribuição que poderia estar a dar de forma mais decisiva ao desenvolvimento da democracia cabo-verdiana.

Este boicote pode ainda ser remediado, emendando a lei no sentido de permitir aos partidos com representação parlamentar constituírem grupos parlamentares qualquer que seja o número de seus eleitos, como acontece com vários parlamentos de sistemas de governo de democracia parlamentar. Uma medida do tipo facilitaria maior envolvimento da UCID nas atividades parlamentares e sua exposição pública como partido político relevante à democracia.

Tal emenda legislativa, que só honraria a democracia cabo-verdiana, não substituiria a adoção pela UCID de estratégias diferenciadoras relativamente a várias questões importantes da política nacional. Estratégias concebidas autonomamente em relação aos outros atores políticos, mas com eles consensualizadas o tanto quanto possível,   com contribuição da sociedade civil e sobretudo utilização de instrumentos e técnicas de comunicação que garantem a penetração e aceitação das nossas ideias no seio da sociedade e de seus segmentos mais dinâmicos, de modo a que a nossa base eleitoral se reforce e eventualmente venha a garantir a nossa vitória eleitoral nos próximos pleitos.

São estratégias relativamente:

1. Reforma do ensino direcionando-a para servir a economia, a mobilidade social, o civismo e sua utilidade como fator de exportação de recursos humanos e de conectividade com a diáspora.

2. Reforma nas políticas do Turismo, direcionando-as no sentido de maior integração na cadeia do valor da economia nacional; adequando-as para melhor promover o investimento privado, e, sobretudo, para integrar os grandes investimentos em projetos sociais e ambientais beneficiadores das populações locais.

3. Regionalização, no sentido de consensualizar um projeto entre todos os partidos políticos, e, sobretudo, de conduzir o processo qualquer que seja as opções, de uma forma gradual e sem prejuízo para as descentralizações a favor do Poder Municipal Autárquico.

4. Segurança Pública, no sentido de promover a par de reforços quantitativos e qualitativos de meios, a integração social da juventude através de programas de apoio financiados e implementados conjuntamente pelo Governo, Autarquias e Organizações Não Governamentais nacionais e internacionais

5. Profissionalização da Função Pública através de soluções consensualizadas, mas que claramente façam distinção entre cargos políticos reduzidos ao mínimo e profissionais acessíveis pela progressão nas carreiras e através de concursos públicos. Trata-se de uma verdadeira despartidarização da Função Pública.

Dignificação de Cargos Políticos através de transparências nas remunerações, que devem ser consentâneas com a dignidade das funções e proibição de exercício simultâneo de cargos políticos com exercício da profissão.

Viva UCID, viva Cabo Verde!

*Académico e docente nos Estados Unidos e atual Vice-Presidente Nacional da UCID—Responsável pelas Relações Externas, Cooperação e Comunidades

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Redação