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O Calvário de Amadeu Oliveira
Ponto de Vista

O Calvário de Amadeu Oliveira

O Tribunal Constitucional gastou 102 páginas de word e cobrou 90 contos em custas para negar provimento ao recurso de fiscalização concreta da constitucionalidadepedida pelo deputado Amadeu Oliveira a partir da cadeia de Ribeirinha em S. Vicente onde ainda se encontra enclausurado desde que o então juiz desembargador Simão Santos, hoje conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, assim ordenou,desrespeitando as leis e a condição de deputado, cometendo desse modo um crime de prevaricação que lhe terágarantido a promoção ao STJ.

O procurador-geral da República entusiasmou-se e mostrou grande regozijo perante o facto de o TC ter negado provimento ao recurso do Amadeu Oliveira, como se, em vez de se estar a tratar de um caso de justiça, estivesse ante um jogo de lotariade que tivesse tido ganho de causa. Porém, o juiz constitucionalAristides Lima confirmou esse caráter totobolístico ao definir que na justiça os cidadãos podem ganhar ou perder.

No entano, foi mesmo vontade de comemorar da parte do procurador-geral, como alguém que se mostra alegremente surpreendido e feliz porque à noite sucedeu o dia.

 Porque, francamente, não foi uma grande vitória. Vitória mesmo seria se o procurador-geral tivesse tido uma derrota nesse seu afã de ver Amadeu Oliveira condenado a qualquer preço, algo de todo impensável enquanto mantivermos como juízes esses que nos tem cabido em sorte. Sempre tenho dito e insistido que todos os juízes que têm lidado com os processos do Amadeu Oliveira deviam ter tido a hombridade moral de se declararem suspeitos e impedidos de o julgar. Mas não! Pelo contrário, esses juízes parecem estar alegremente convencidos que estão a inventar novas formas de tortura que têm vindo a experimentar na pessoa do Amadeu Oliveira, ignorantes ou esquecidos de que o próprio Salomão já dizia, há mais de não sei quantos séculos, que já nada novo há debaixo do sol.

E de facto, essas maneiras perversas de agir e obstinadamente perseguir um homem desamparado, mas pela simples razão de se mostrar quem manda, a gente já as conhece das leituras de O ZERO E O INFINITO de Koestler ou 1984 ou O TRIUNFO DOS PORCOS de Orwel. Nada de novo, portanto. O erro principal que teremos cometido foi não termos acreditado que esses métodos infames poderiam chegar a um Cabo Verde que se proclama a maior democracia do mundo, ressalvando os EUA, e até tem um dia especialmente dedicado à liberdade e à democracia sempre comemorado com pompa.

 Mas fixemos um pouco nessas deliciosamente patéticas 102 páginas que podem afinal ser resumidas numa mais que subtil, porém absolutamente abismal e definitiva diferença entre “até antes do início da audiência” e “até ao início da audiência”.

 Porque o segredo supremo, a vexata questio de todo o julgamento e condenação do Amadeu está nesse simples mas definitivo “antes”. E dele se poderá dizer que nunca um pequeno advérbio de cinco letras teve um poder tão iníquo e devastador, a ponto de chegar a valer sete anos de cadeia para um deputado.

 A coisa explica-se da seguinte maneira: Amadeu Oliveira acha que o julgamento do crime de que vem acusado compete a outro tribunal que não a Relação de Barlavento, e quis provocarum incidente de incompetência territorial desse tribunal, invocando o artº 158º do CPP que diz “que (esse incidente de incompetência territorial do tribunal) deverá ser deduzida até ao início da audiência de julgamento em primeira instância”.

E então o tribunal coletivo entra na sala, instala-se, a presidente declara aberta a audiência e o advogado pede a palavra e apresenta o seu requerimento. Não, diz a presidente  do tribunal, requerimento extemporâneo, a lei diz que deve ser deduzido “até ao início da audiência”, portanto teria que ser “antes do início”, isto é, antes de tudo começar, para poder ser considerado “até ao início”. Foi assim! Difícil de acreditar, mas foi assim.

 Todos os réus gozam do privilégio de beneficiar da interpretação que lhe seja mais favorável.In dúbio favorabiliasuntampliandaet odiosa restringenda.

Menos o Amadeu Oliveira! Contra ele vem ao de cima e impera uma irracionalidade que faz a esses magistrados esquecer a sua função essencial que é aplicar o direito em nome da comunidade que representam e não em nome próprio ou em nome de mesquinhos interesses. Porque não é preciso alguém ir para a escola primária para entender a desprezível diferença existente entre as duas formas de dizer a mesma coisa, se é que existe. Mas o TC recusou tomar conhecimento dessa evidente e patética ignomínia. Certamente para não ter que dizer que era uma ignomínia.

  O presidente da UCID, partido pelo qual o Amadeu Oliveira foi eleito deputado, certamente que em muita má hora para ele, porque esse facto singelo valeu-lhe ser condenado a sete anos de prisão, acusado de ter praticado um absurdo crime contra o estado de direito democrático, dizia, o presidente da UCID foi mais uma vez dizer ao presidente da República que o seu partido não está de acordo com a forma como as coisas estão a decorrer no que concerne ao processo Amadeu. Mas alguém com algum senso, neste país ou fora dele, que tenha acompanhado a forma como esse processo se tem desenrolado, poderá estar de acordo com ele?Quando muito podemos excetuar os algozes que têm vindo a julgar e condenar Amadeu Oliveira!

“No entanto, acatamos plenamente as decisões dos tribunais, dos órgãos judiciais nesta matéria”, disse o presidente da UCID. Porém, sermos forçados a acatar as decisões dos tribunais, em caso algum deve inibir-nos de clamar a altos berros contra decisões iníquas, como é a condenação do Amadeu. Ainda que inutilmente, porque sabemos quemem última instânciadetém o poder das armas, nunca devemos calar diante dessas injustiças clamorosas, como é a forma como alguns juízes se têm comportado nos processos em que Amadeu Oliveira é arguido, tratando-o como inimigo pessoal.

“De forma que nós estamos a pedir muita ponderação pelas autoridades judiciais, neste caso, do Tribunal Constitucional, na análise dos dados que têm em sua posse e tomarem as decisões que acharem conveniente, mas as decisões, portanto, que sirvam de escola para o país e as decisões justas”, disse finalmente o presidente da UCID. Mas é apenas sonho, pura perda de tempo. Mais que elevado a inimigo público, Amadeu Oliveira está a servir de exemplo para todos aqueles que se permitirem pensar em pôr em causa a impunidade de alguns deuses que pontificam como juízes nos nossos tribunais.

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