Sr. Primeiro Ministro,
Cordiais saudações.
Espero que tenha tido uma boa estadia na minha ilha - nem vou perguntar se a nossa gente tratou V. Excia. com a morabeza devida; pois sei que isso - a arte do bem receber-lhes está no sangue e na alma. Aproveito para agradecer ao seu governo os grandes investimentos anunciados ou em fase de arranque, partilho com as gentes de Ribeira da Cruz, Martiene, Chã de Branquinho, Lagoa, Figueiral do Paúl, Chã de Igreja e Cruzinha, Ponta do Sol, enfim, a ilha toda, o entusiasmo por verem as suas condições de vida melhoradas. Fico imensamente satisfeito ao ver que os impostos que EU pago enquanto contribuinte (88,2 dias de trabalho por ano...) estão a ser TAMBÉM aplicados para melhorar o bem-estar das gentes de Santo Antão. Bem haja!
Li com muita atenção as suas propostas de "duas formas para dar à volta (à perda de população", isto é, 1) "pôr a economia a funcionar" e 2) "tornar a ilha atrativa para que as pessoas possam se fixar na ilha".
Contudo, a sua leitura do problema, Sr. PM - e assim as "soluções que propõem" - pecam por ignorar uma NOVA nuance: o fluxo migratório atual, diferentemente dos do passado, é constituído maioritariamente por JOVENS QUALIFICADOS, com Ensino Superior ou Secundário Completo. E estão a sair de Santo Antão porque a A ILHA NÃO ESTÁ A TER CAPACIDADE DE CRIAR EMPREGOS QUALIFICADOS AO RITMO EM QUE OS SEUS JOVENS ESTÃO A SER FORMADOS/QUALIFICADOS! Este é a cerne do problema, Sr. Primeiro Ministro!
Dito isto, permita-me agora perguntar-lhe, não como PM, mas de Economista para Economista: acredita sinceramente que esses investimentos anunciados - e que volto a parabenizar - vão, por si só, resolver ESTE problema? Sabendo que 1) a estrutura da economia da ilha é ainda baseada MAIORITARIAMENTE num setor agrícola incipiente e fragmentado, sem mercado (estrangulado pelo duplo efeito da quarentena e deficientes ligações marítimas com mercados de maior potencial), e 2) o turismo, a que se referiu, é fortemente sazonal, de baixo impacto económico por quarto existente (disse-o o próprio Banco Mundial...) e gera sobretudo empregos PRECÁRIOS (pergunte aos guias o que fazem entre abril e outubro todos os anos...)? Acredita mesmo, caro colega, que estes investimentos vão "pôr ESTA economia a funcionar" a ponto de poder criar mais de 1.000 empregos QUALIFICADOS por ano, que a ilha precisaria para estancar a sangria dos seus jovens? (Esta, uma estimativa grosseira, muito por baixo, usando como base dados demográficos, dados do saldo migratório anual e estatísticas do setor educativo).
O anterior PM Jose Maria Pereira Neves cometeu este mesmo erro de análise, Sr. PM. Achando que bastaria investimentos públicos - não importa no quê nem onde - para resolver o problema (os seus discursos agora soam iguaizinhos aos dele então...). Assim, fez investimentos substanciais na ilha, verdade seja dita: porto, estradas, barragens, escolas, eletrificação e água, etc. Mas não resolveu o problema - os nossos jovens qualificados CONTINUARAM a sair da ilha a um ritmo alucinante. Basta ver os números do INE...
O despovoamento de Santo Antão não vai se resolver com fórmulas antigas e gastas, para um problema que tem causas novas. Nem vai desaparecer com passo de mágica só com discursos bonitinhos e tiradas bombásticas para animar a malta. Deve ser atacado com uma estratégia inteligente, instrumentos de políticas públicas inovadoras, pragmáticas, assertivas, eficazes e urgentes - mas sobretudo INTELECTUALMENTE HONESTAS, quanto ao pensamento subjacente e à vontade efetiva!
Votos de bom regresso, Sr. Primeiro Ministro. E que volte sempre à nossa querida ilha.
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