Quem conhece a Lei nº 28/VIII/2013, de 10 de Abril, que aprovou a Directiva Nacional de Ordenamento do Território (DNOT)? Espero que, ao menos, os deputados da VIII legislatura que a votaram, ainda se lembrem dela! Os proponentes do modelo da regionalização, chumbado, teriam tido, seguramente, melhor sucesso e prestado algum serviço útil à Nação, se a tivessem lido. Mas, sobre isso, voltarei oportunamente.
Num post recente, falei da "politiquice que conduziu à competição entre as ilhas (que deviam se complementar) e ao populismo que está a colocá-las (as ilhas) em guerra”. O post suscitou interpretações diversas, muitas das quais distanciadas do sentido que quis dar e, consequentemente opiniões, também algumas desfocadas.
Na verdade, quando falei de “politiquices,...”, tinha presente os discursos dos políticos (de carreira e de conjuntura), governantes e outros actores políticos não partidários, mas também as práticas, estas, sobretudo dos governos (nacionais e locais), que incitam, prometem/oferecem aos cidadãos (sobretudo aos cidadãos eleitores), soluções “fáceis”, mas insustentáveis, do tipo, “a ilha ou o concelho “x” já teve ou vai ter, então a minha/o meu também terá que ter.
Entretanto, mormente num micro Estado, que nem Cabo Verde, eu entendo que as ilhas têm é que se complementar, e não competir entre si: não faz sentido que as orlas costeiras de Santiago tenham que ser enchidas de areia branca, transportada a custo de ouro, das outras ilhas, para ter praias tão lindas para poder desenvolver o turismo de sol e praia como as ilhas do Maio, Boa Vista ou Sal; não faz sentido construir aeroportos internacionais, portos de água profunda ou de longo curso, terminais de cruzeiros, polos universitários, institutos politécnicos, museus do mar, orquestras nacionais, estádios nacionais, ... em todas as ilhas/concelhos; não faz sentido subvencionar, a custo de ouro, o preço da água no Sal ou na Boa Vista, para ali se poder produzir produtos agrícolas e pecuários como se produz em Santo Antão, S. Nicolau ou Santiago; não faz sentido criar e infra-estruturar ZDT’s no Fogo, Santo Antão, ou Brava, a custo de ouro, para incitar o desenvolvimento de um turismo de massa igual ao do Sal, Boa Vista, ou Maio; não faz sentido subvencionar os grupos de carnaval em S. Nicolau ou Santiago, para reproduzirem o modelo do carnaval de S. Vicente; etc., etc.
O turismo de massa, que as ilhas montanhosas e de elevada fragilidade e riscos naturais e ambientais não possuem condições para desenvolver, pode e deve ser potenciado nas ilhas do Sal, Boa Vista e Maio, que possuem condições excepcionais para o efeito; em contrapartida, o turismo cultural, de aventuras, de natureza,... que as ilhas do Sal, Boa Vista e Maio não possuem condições para desenvolver, pode e deve ser potenciado nas restantes ilhas, com visão nacional e em complementaridade do turismo de massa nas ilhas do Sal, Boa Vista e Maio; os produtos agrícolas e de pecuária, que as ilhas do Sal, Boa Vista e Maio não possuem tão boas condições para produzir e abastecer o mercado de turismo de massa que demanda essas ilhas, podem ser produzidos nas ilhas de Santo Antão, S. Nicolau ou Santiago, que possuem condições bem melhores, etc., etc.
O que S. Vicente não tem, S. Antão tem para partilhar com ela. O que S. Antão precisa para se complementar, encontra em S. Vicente. Essas duas ilhas são exemplo perfeito e melhor explorado da complementaridade que devia estar a ser potenciado entre as ilhas; A mesma coisa podia estar a ser feito entre Santiago e Maio, entre S. Nicolau e Sal, entre Fogo e Brava; numa escala maior, podia estar a acontecer entre as ilhas de Barlavento no seu todo e entre as ilhas de Sotavento, também no seu todo; E, numa escala ainda maior, entre todas as ilhas do arquipélago.
Resumindo, na minha interpretação, não era para se construir um outro “Vulcão na Praia de Santa Maria”, um outro “Vale de Paul na Boa Vista” ou reproduzir uma outra “Morna d’Nhô Eugénio na Nhô S. Nicolau”, mas sim, que os salenses vissem o Vulcão do Fogo como sendo igualmente seu e o “vendessem ao ingleses que tomam sol na sua Praia de Santa Maria; que os cabreros pudessem desfrutar do maravilhoso Vale de Paul e todas as suas condições agrícolas para alimentar os turistas que banham nas Praias de Santa Mónia ou Chave; que os “patchêparloa” adoptassem e exaltassem, como se de Paulino Viera se tratasse, a morna d’ Nhô Eugênio e pudessem tocá-las nas suas famosas tocatinas.
Entretanto, ao incitar ou aceitar, de ânimo leve, as reivindicações de cada ilha ou concelho, o “direito” de ter uma algo, pelo facto da outra/o já ter ou vai ter, sem antes considerar o quê que ela/e tem melhores condições naturais para ter, em complemento da outra/o, colocou-se, consciente, ou inconscientemente, as ilhas a se competirem entre si, ao invés de se complementarem. Essa “incitação” à competição, que começou a ser económica, passou a ser política.
A forma populista como recentemente se comprometeu com a regionalização, os argumentos de que tudo está concentrado na Praia, que todos os investimentos são feitos na Praia (leia-se - Santiago), que as outras ilhas não se desenvolvem porque não têm autonomia/poder de decisão, de cooperação, ..., não têm recursos porque esses ficam na Praia, ..., para justificar a regionalização e seu modelo proposto, são incitadores do bairrismo extremista e da “guerrilha” e do fraccionismo entre os cabo-verdianos, em função da ilha de cada um.
Essa incitação é particularmente preocupante, quando feita por quem cabia o dever e a obrigação de promover e defender a união entre os cabo-verdianos (i) Parlamento, suportado pelos deputados (nacionais!), eleitos nas listas dos partidos, mas para representarem a Nação, (ii) o Governo (da nação), aquém é esperado que tenha um olhar sobre o todo nacional, sustentado e intergeracional, e não se limita à conjuntura de curtíssimo prazo.
Vamos ainda a tempo de evitar estragos irreparáveis e/ou com custos insuportáveis? Espero que o bom-senso emperre!
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