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Caso Amadeu Oliveira. Mais de 2 mil cabo-verdianos pedem ao PR para solicitar sessão extraordinária na AN sobre Acórdão do TC
Política

Caso Amadeu Oliveira. Mais de 2 mil cabo-verdianos pedem ao PR para solicitar sessão extraordinária na AN sobre Acórdão do TC

Uma petição pública com mais de duas mil assinaturas recolhidas no país e na diáspora vai ser entregue esta terça-feira, 20, ao presidente da República para, depois de ouvir o Conselho de Estado, solicitar ao presidente da Assembleia Nacional que convoque, ao abrigo da alínea o), do nº 1 do artigo 135º da Constituição da República, uma sessão extraordinária para debater o acórdão do Tribunal Constitucional, que “introduziu costumes constitucionais contra a constituição, alterou o consenso político-social de décadas”, para legitimar a resolução da AN que autorizou a detenção do deputado Amadeu Oliveira fora de flagrante delito para ser apresentado ao tribunal. Representam os mais de dois mil subscritores, o escritor e jurista Germano Almeida, o psicólogo José António dos Reis, a professora universitária Filomena Martins, a jornalista e empresária Helena Leite e o advogado Daniel Ferrer Lopes.

Até o último domingo, 18 de Junho, tinham assinado a petição 2021 (dois mil e vinte e um) cabo-verdianos residentes e na diáspora, mas o documento vai continuar aberto online (link aqui) para novas subscrições até ao agendamento dessa sessão extraordinária. Esta é, de resto, a resposta da sociedade civil face ao repto lançado pelo próprio presidente da República, José Maria Neves, que, ao comentar o Acórdão controverso do Tribunal Constitucional, desafiou a sociedade civil a abrir um debate e a reflectir sobre essa decisão.

O resultado é esta petição que circula há semanas por todas as ilhas e comunidade cabo-verdiana na diáspora, tendo conseguido o apoio de cidadãos de todas as áreas e profissões: advogados /Juristas, engenheiros, economistas, gestores, gerentes, professores, professores universitários, arquitetos, psicólogos, sociólogos, jornalistas, deputados, ex-governantes, membros do governo e militar superior.

Segundo um dos organizadores, em se tratando de uma petição para o presidente da República não é obrigatório um número mínimo de assinaturas como aconteceria se fosse directamente para a Assembleia Nacional, que a lei exige pelo menos 1500 nomes. “Mesmo assim, queremos mais pessoas a participar, embora muitos apoiam a iniciativa, mas na hora de assinar recuam”, lamenta, sem, contudo, deixar de estar optimista.

A audiência com José Maria Neves é esta terça-feira, 20. A partir daqui, o presidente da República ouvirá então o conselho de Estado (posição dos conselheiros não é vinculativa) e só depois irá solicitar ao presidente da Assembleia Nacional que convoque, ao abrigo da alínea o), do nº 1 do artigo 135º da Constituição da República, uma sessão extraordinária para debater o controverso acórdão nº 17/2023 do Tribunal Constitucional, que, conforme explica a peitição, “introduziu costumes constitucionais contra a constituição, alterou o consenso político-social de décadas, segundo o qual a única via para se alterar a constituição é aquela prevista na própria constituição que definiu quem e as condições em que essas alterações poderão ser feitas”.

“Ora, face às dúvidas e inquietações suscitadas por essa decisão do Tribunal Constitucional, os cidadãos subscritores desta petição trazem à sua judiciosa consideração e, ao mesmo tempo, solicitar à Vossa Excelência os seguintes: 1. O Tribunal Constitucional, através do acórdão nº 17/2023, decidiu que «a resolução nº 3/X/2021, de 12 de julho, da Comissão Permanente não é inconstitucional por ser conforme a norma costumeira constitucional». 2. Na mesma decisão do Tribunal Constitucional, esta mesma instância jurisdicional, entendeu que a norma costumeira constitucional tinha «efeito derrogatório em relação à norma do nº 1 do artigo 148º da Constituição da República». 3. Este entendimento do Tribunal Constitucional suscita em nós, os subscritores, sérias dúvidas, uma vez que até agora existia a convicção generalizada de que a Constituição da República se encontrava no topo da hierarquia do ordenamento jurídico cabo-verdiano”.

Os subscritores dizem que a sua incredulidade “aumenta quando a norma costumeira, que viabiliza a aprovação da citada resolução, atinge matérias do âmbito dos direitos, liberdades e garantias, contrariando o próprio entendimento do Tribunal Constitucional, segundo a qual, esta entidade jurisdicional, num acórdão anterior, teria explicitado que procurou afirmar uma dogmática quanto aos limites da aceitação de costumes contra a Constituição a partir da interpretação valorativa da cláusula consagradora de limites materiais de revisão da Constituição. Segundo esta perspetiva, o costume contra constitutionem não pode prevalecer contra uma norma que pertença aos limites materiais de revisão da Constituição …(Acórdão 17/2023, págs. 23 e 24)”.

Nessa mesma decisão, sublinha a petição que vai ser entregue ao PR, “o Tribunal Constitucional admitiu a existência de normas costumeiras supra-constitucionais, com poder derrogatório das normas constitucionais escritas, porquanto, todos nós, estávamos convencidos que Cabo Verde, sendo um Estado Constitucional e regido pelo princípio da constitucionalidade, tal como definido nos nºs 2 e 3 do artigo 3º da Constituição da República, tal decisão não teria amparo no nosso ordenamento jurídico. Mais, a nossa convicção fundava-se na própria jurisprudência do Tribunal Constitucional que defendia que «A ideia essencial que se pode extrair do princípio da constitucionalidade é que num Estado de Direito como o nosso, a validade dos atos dos poderes públicos, assumam ou não a forma de lei, depende da sua conformidade orgânica, formal e material com os princípios e normas constitucionais (acórdão 27/2017 (pág. 57)»”.

Por isso, “a pretensão dos subscritores deste instrumento de participação política democrática, é a de verem esclarecidas as suas legítimas dúvidas, por não saberem, doravante, com que constituição podem contar, e quais são as normas constitucionais vigentes que mantêm a eficácia plena no ordenamento jurídico cabo-verdiano”.

“Assumindo que a Constituição da República é um sistema de normas ordenadas, todas elas com igual validade, tal significa como ensina o Prof. Doutor Gomes Canotilho que «O princípio da unidade hierárquico-normativa …todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra ordenação dentro da lei constitucional)»”.

Senhor Presidente, esta petição inspirou-se nas suas sábias palavras quando comentou o acórdão do Tribunal Constitucional onde afirmou que pelo «seu caráter inovador e polémico e pelos seus efeitos, espero que a sociedade civil - comunicação social, universidades, comunidade jurídica, investigadores … e cidadãos discutam as posições do TC no já referido Acórdão e contribuam para um debate fundamentado e enriquecedor das mesmas, aprofundando, desse modo, a cultura da Constituição e da legalidade democrática». Ademais, os subscritores, enquanto sociedade civil, verificaram que o repto lançado por V.EXA não foi deixado num vazio e sem reação. Vários escritos nos jornais e declarações públicas na rádio e nos jornais posicionaram-se, contestando ou colocando dúvidas, sobre a decisão do Tribunal Constitucional”, justificam os mais de dois mil cabo-verdianos subscritores do texto da petição que entendem ser “o momento oportuno para, através de Vossa Excelência, solicitar aos eleitos da Nação, enquanto legítimos representantes do povo, um debate sobre os efeitos sobre a Constituição da República, resultantes da decisão do Tribunal Constitucional”.

Por isso, querem ver debatidas, clarificadas e esclarecidas as questões seguintes: (i) A Constituição da República mantém-se ou não, no topo da hierarquia do ordenamento jurídico cabo-verdiano? (ii) Os limites materiais de revisão constitucional podem, a partir desta decisão do Tribunal Constitucional, ser alterados? (iii) O nº 1 do artigo 148º derrogado pela norma costumeira, deixa de figurar como norma constitucional, não podendo, doravante, ser aplicado? (iv) As normas constitucionais citadas no ponto 9 da presente petição, que são comandos constitucionais vinculativos, mantêm a sua eficácia plena com esta decisão do Tribunal Constitucional? Se sim, como compatibilizá-las com normas costumeiras supra-constitucionais?

 

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