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Sobre gestão de terrenos do Estado. (Ou a hipocrisia de certos discursos...!)
Ponto de Vista

Sobre gestão de terrenos do Estado. (Ou a hipocrisia de certos discursos...!)

O post é longo. Mas leiam até o fim para poderem compreender toda a "novela"...

Decidi voltar a partilhar alguns factos relevantes sobre o antigo terreno do Estado, sito na localidade de Xoxô, no vale de Ribeira da Torre. Porque defendo que os cidadãos/contribuintes têm o DIREITO À INFORMAÇÃO sobre a gestão do património do Estado (que pertence, portanto, a todos nós!), e os gestores da coisa pública têm o DEVER DA TRANSPARÊNCIA E LEGALIDADE nas decisões que tomam sobre este mesmo património.

1. O Boletim Oficial do passado dia 11 de julho traz publicada a Portaria n° 25/2019 do Ministério das Finanças, que cede à Diocese do Mindelo, a título "definitivo e gratuíto", uma área de 12.064m2, do terreno do Estado na localidade de Xoxô, em Ribeira da Torre. De referir que o terreno já havia sido cedido à Igreja Católica a título "precário" em outubro de 2004, com a CONDIÇÃO EXPRESSA de no mesmo ser implementado, pela Igreja, um projeto de Centro de Formação, projeto este que, volvidos 15 anos, nunca foi implementado.

2. A mesma Portaria refere que o terreno terá sido dividido em 03 parcelas, esta acima, agora cedida à Igreja Católica a título definitivo e gratuíto, e duas outras, uma de 7.045m2 e outra de 9.061m2, cedidas a "dois promotores", que manifestaram intenção de "investir no turismo rural" (desconhece-se em que condições as mesmas terão sido cedidas aos promotores). A Portaria não identifica quem são estes promotores; mas consultando o Estudo de Impacto Ambiental no site do Sistema de Informação Ambiental, fica-se a saber que os promotores são Orquídea L. Dom, Gerald Dom e Gorazd Borstnar (vejam link nos comentários).

3. A Resolução n° 107/2017 publicada no Boletim Oficial de 25 de setembro de 2017 prevê o investimento de recursos do Estado no montante de 18.000 contos (sendo 7.000 contos em 2019 e 11.000 contos em 2020), para financiamento de projeto de "Turismo Religioso (Centro Xoxô, Santo Antão)". Deduzo que este projeto deverá ser o da Igreja Católica no terreno referido acima. Ou seja, o Governo anterior cedeu terreno e este atual Governo vai ceder 18.000 contos para construir a Capela e Casa de Retiro referidos na Portaria 25/2019.

(Abro um parêntesis para deixar claro que não culpo nem os promotores nem a Igreja Católica: eles limitaram-se a fazer um pedido a quem tinha competências para decidir, e foi-lhes cedido o bem do Estado. E sei que pelo menos os promotores privados sequer sabiam das discussões então em andamento. Pelo que do fundo do coração desejo-lhes muitos sucessos com os seus empreendimentos e, à Igreja Católica, que faça bom uso desta dádiva. Não culpo também o atual Governo de todo - estão apenas a formalizar uma situação de posse que já o era de facto).

4. Agora o outro lado. Em outubro de 2001 - ou seja, 03 anos ANTES do pedido da Igreja Católica - entreguei pessoalmente ao então Primeiro Ministro José Maria Pereira Neves, uma proposta de projeto turístico para a localidade de Xoxô, expressando a minha intenção de aquisição daquele terreno do Estado para o efeito. Nunca tive resposta.

5. Em 2011, vendo que a Igreja Católica não estava a avançar com o Centro de Formação e vendo o estado de abandono em que o terreno se encontrava, voltei a tirar a ideia do projeto da gaveta. Um investimento total estimado em 170.000 contos, que iria criar 25 postos de trabalho direto e outros tantos indiretos. Já havia pelo menos 02 bancos dispostos a olharem para o projeto para possível financiamento. Assim, em outubro de 2012, apresentei uma nova proposta ao Governo, de COMPRA do terreno (propûs até o preço - 15.000 contos), mais um conjunto de contrapartidas, que incluíam, entre outros "destinar 5% do Resultado Líquido anual durante 10 anos para um fundo de desenvolvimento comunitário a ser gerido pela Igreja Católica".

6. Foi-me "sugerido" tentar chegar antes a um entendimento com a Igreja Católica. Assim, entrei em contacto com o Bispo do Mindelo, D. Ildo Fortes, que muito amável e respeitosamente respondeu-me, designando uma comissão para discutir o assunto comigo. Depois de algumas reuniões, porém, não foi possível chegar a um acordo (na minha última proposta à Diocese, datada de 01 de abril de 2013, oferecia uma participação de 5% nos lucros + uma contribuição financeira para aquisição de um outro terreno ou a cedência gratuíta de um terreno que possuo em Corda para a Igreja ali edificar a sua capela/retiro). A Igreja não aceitou a proposta, pelo que encerramos as negociações, sem sucesso. De referir que, já naquela data, a posse "precária" do terreno pela Igreja já estava completamente ferida de legalidade, por não cumprimento do fundamento da concessão (conforme Ponto 2 do Despacho de 2004).

7. Na noite de 13 de julho de 2014 (lembro-me bem!!!!), numa receção numa das Embaixadas aqui na Praia, fico a saber numa conversa com um amigo que o Governo e a Igreja Católica tinham chegado a algum tipo de entendimento para "repartirem" o terreno de Xoxô com investidores privados e que ali iria nascer um outro projeto turístico. Esta informação seria confirmada pela publicação do estudo de impacto ambiental do projeto, em fevereiro de 2015. O Governo não teve sequer a CORAGEM, a DIGNIDADE e o RESPEITO de me informar formalmente, depois de eu ter passado 13 anos (!) em discussões com eles e de ter gasto centenas e centenas de contos em projetos, viagens, levantamentos topográficos. De forma absolutamente COVARDE, deixaram que eu tomasse conhecimento entre copos, numa festa...

8. Muito revoltado, escrevi em 14 de julho de 2014 uma looonga "cartinha" ao então Primeiro Ministro (que nunca se dignara sequer me receber para falarmos sobre o assunto, não obstante as minhas solicitações). Encerrei o dossier e procurei seguir com a minha vida. Com outros sonhos, outros projetos, outras lutas. Mas nunca mais pude visitar a bela região de Xoxô, no meu querido vale de Ribeira da Torre, e tomar uma cervejinha na loja do meu amigo Calú, sem ficar com o dia estragado...

9. Devo, porém, reconhecer o encorajamento e o apoio de gente como Jorge Santos (ainda desde quando era Presidente da Câmara de Ribeira Grande), e as então Ministras Cristina Duarte, Eva Ortet e Cristina Fontes Lima que, sabendo do meu projeto, sempre procuraram encorajar-me. E sei que fizeram tudo o que lhes era possível fazer para empurrarem a coisa. O meu sincero obrigado e reconhecimento por tudo.

10. A minha revolta e indignação tem, portanto, nome e endereço: José Maria Pereira Neves. Nas próximas campanhas para eleições presidenciais a que ele pretende concorrer, espero estar em Santo Antão para convidá-lo a uma cervejinha ali na loja do Calú em Xoxô. Para que antes dos discursozinhos de ocasião e dos cantos de sereia, ele possa explicar às gentes da minha Ribeira da Torre, olhando-os bem nos olhos, O PORQUÊ das decisões que ele tomou sobre o terreno do Estado em Xoxô!

E depois vêem - todos eles! - com estes discursos absolutamente hipócritas, vazias e inconsistentes com as decisões que tomam no dia-a-dia enquanto governantes, sobre "desenvolvimento de Santo Antão", "criação de empregos", "promoção de investimento privado", "loas ao empreendedorismo", "boa governação e transparência na gestão da coisa pública"...!

Compreendem porque de vez em quando me chega a pimenta ao nariz ao ouvir certos discursos sobre "o desenvolvimento" de Santo Antão? É que nem imaginam quantas ideias/projetos como este, para Santo Antão, já apresentei aos nossos empenhadíssimos e mui comprometidos Governantes (Central e Municipais)!

Um gajo tem de fazer um esforço gigantesco para não jogar a toalha ao chão, caramba! Mas não vou desistir da minha ilha, claro! Nunca! Procurarei outros caminhos, outra gente, também visionária, empreendedora e REALMENTE comprometida com o desenvolvimento de Santo Antão, para fazermos, juntos, este caminho.

E havemos de conseguir!!!!

Artigo publicado pelo autor, Paulino Dias, no facebook.

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Redação