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“Tenho apoio total do partido para um novo mandato na Boa Vista”
Entrevista

“Tenho apoio total do partido para um novo mandato na Boa Vista”

O município da Boa Vista está em festa (4 de Julho, dia da sua padroeira, Santa Isabel) e o presidente da Câmara Municipal falou em exclusividade para o Santiago Magazine sobre como  a ilha está de saúde. Economia, política, turismo, projectos, relações com o Governo não escaparam à conversa.

Santiago Magazine – Boa Vista está a festejar neste 4 Julho o dia da Santa Isabel, sua padroeira. Há motivos para celebrar? 

Cláudio Mendonça – Sim, sim, temos motivos para festejar. Apesar das dificuldades, temos que ter nossa auto-estima bastante elevada. A Boa Vista está a comemorar o dia do município e também da sua freguesia, Santa Isabel. O aspecto religioso é muito importante, temos que celebrar Santa Isabel no espírito da fé, e também comemorar mais um ano da elevação da Boa Vista à categoria de município, mais de uma centena e meio de aniversário.

Claro está que vivenciamos uma situação bastante delicada neste momento. A sua pergunta é pertinente percebi bem onde quer chegar. Bom, é dizer que Boa Vista deveria estar num patamar muito diferente daquilo que vive neste momento. Ou seja, poderiamos estar hoje a festejar melhor, mas estamos aqui para mostar as pessoas que estamos num processo ou numa perspectiva de djunta-mon no sentido de trabalharmos para o desenvolvimento desta ilha. Não estamos em festa para esbanjar, e sim festa para estimular e motivar as gentes desta ilha, na certeza de que no próximo ano vamos celebrar melhor.

Temos quase certeza de que o ano passado era diferente deste ano, houve muita melhoria, muito trabalho, muita organização, quando comparamos com o ano anterior. Hoje, por exemplo, o número de pessoas com energia elétrica em casa é muito superior. Digo energia, também posso dizer água, há mais casas com água canalizada. Temos muito mais estradas asfaltadas assim como muito mais jovens com formação técnica ou profissional.

Com a retoma da actividade económica, há pessoas criar seus negócios, voltaram a trabalhar. Saimos da pandemia na mesma altura em que vivíamos uma seca prolongada, afectando tudo.

 

- E a sua administração autárquica veio trazer novo método de trabalho, é isso que está a querer dizer? 

-  Nós implementamos uma nova estratégia. Para já pensámos melhorar o que estava bom e romper de forma muito radical as práticas menos boas que encontrámos. Havia essa necessidade, de trabalhar internamente no sentido de melhorarmos a organização. Desde logo, aprovámos uma nova orgânica da Câmara  Municipal, criando mais serviços e a nivel das delegações municipais demos mais capacidade e responsabilidade aos delegados. Hoje têm uma postura diferente, temos reuniões regulares para actualizarmos as acções a implementar.

A nível da Protecção Civil também tivemos um ótimo desempenho, motivando e capacitando os profissionais. Demos os subsídios necessários que há muito reivindicavam, aumentámos seu salário por forma a trabalharem com maior motivação e dedicação. Houve portanto uma aproximação da Câmara a esses profissionais, coisa que não havia no mandato anterior, pese embora persista alguma resistência, um fosso que tentamos encurtar e eliminar na relação com os funcionários.

"O nosso recurso humano é bastante deficitário, porque 75% dos trabalhadores da Câmara têm menos do 9º ano de escolaridade. Não temos quadros, numa ilha com a dimensão que tem no contexto nacional."

-  São pouco colaborativos? 

- Não diria pouco colaborativo e sim pouco motivados. Há pessoal a reivindicar seus direitos porque estão há mais de 20-25 anos na mesma actividade, sem progressão, e isso os deixa pouco motivados. É bom referir que temos funcionários com nível de escolaridade baixa e só para ter uma ideia temos cerca de 300 trabalhadores em regime de contrato.

- Isso significa um encargo financeiro mensal de quanto? 

- É superior de 12 mil contos e o Fundo de Financiamento Municipal não cobre as despesas com o pessoal. Temos que correr atrás para podermos pagar mensalmente o INPS, IUR… Apenas 5,5% dos funcionários da CMBV tem uma licenciatura.

- O problema da CMBV tem a ver com recurso humano? 

- Também. O nosso recurso humano é bastante deficitário, porque 75% dos trabalhadores da Câmara têm menos do 9º ano de escolaridade. Não temos quadros, numa ilha com a dimensão que tem no contexto nacional. Temos grande dificuldade para encontrar quadros para colaborar no processo de desenvolvimento da Boa Vista.

- Os quadros da ilha estão quase todos na Praia, Sal ou São Vicente…

- Precisamente. Existe uma tendência para fuga de cérebros nativos. Grande parte dos cidadãos da Boa Vista qualificados, capacitados, não reside aqui. Estamos a falar de quadros séniores. E há os que vêm, acreditando que o nível de vida na Boa Vista é elevado, e no fim não se enquadram com a realidade e o nível salarial que esperavam ter, por isso vão se embora. Acontece com o pessoal da saúde, professores, polícia…

Retomando a questão sobre se temos motivação para festejar o dia do município digo que sim, porque houve mudanças, sobretudo nos munícipes que agora acreditam que a actual equipa camarária está a esforçar-se para trabalhar para o bem da Boa Vista. Neste momento estamos com muitas inaugurações por toda a ilha, calcetamentos, requalificação, enfim obras avaliadas e 75 mil contos.

 

- Refere à requalificação urbana de Sal-Rei? 

- Sim, requalificação não só de Sal-Rei, mas também de Chã de Salina, atrás do hospital, de vários troços dentro da cidade

 

- Quem financia estas obras? 

- Basicamente é dinheiro que sai dos cofres da Câmara Municipal e também de um financiamento que conseguimos junto do BCA.

 

- Não vem nada do Fundo do Turismo? 

- Infelizmente, do Fundo do Turismo não vimos grande volume de transferência que nos permita dizer que a obra tal foi feita com financiamento do Fundo do Turismo. Se hoje temos algum calcetamento em andamento nenhum centavo veio do Fundo do Turismo.

 

"Não há liquidez, a SDTIBM não tem dinheiro. Há mais de quatro anos que não vende um único terreno."

- Sendo a segunda ilha turística no país, Boa Vista deveria beneficiar de fatia maior do bolo? 

- A nível Directivas do Fundo do turismo estamos contemplados, ou seja, na lei temos os nossos direitos assegurados. Estamos a falar de um montante de 500 mil contos entre 2012 e 2026. Desses fundos, parte é destinada à habitação social, cuja cifra, em termos de custos de financiamento que solicitamos junto de dois bancos comerciais, é de quase 300 mil contos, o que dificulta ao município ter dinheiro para a reabilitação de casas e requalificação urbana na cidade de Sal-Rei.

O que colocamos em cima da mesa é o Programa Operacional do Turismo que tem um tecto de 4 milhões de contos. Mas apenas 562 mil contos são contemplados no Fundo do Turismo e isso já incluindo a construção dos blocos habitacionais já consumados. Só que esse valor, em vez de ser transferido para a Câmara Municipal, vai directamente para o banco para a liquidação da dívida. Portanto se tirarmos 330 mil contos que vão para os bancos, ficamos pouco mais de 100 mil contos, o que significa que não teremos dinheiro até 2026.

O que é que esperamos com o Programa Operacional do Turismo é que a Sociedade de Desenvolvimento Turístico da Boa Vista e Maio (SDTIBM) consiga vender terrenos para financiar esses programas. Mas a SDTIBM está a passar por uma situação crítica, uma situação financeira bastante difícil. Nós, enquanto sócios (CM da Boa Vista e do Maio e Governo), temos recebido notas da administração sobre o funcionamento da sociedade que neste momento não tem dinheiro para pagar o salário dos funcionários.

- A SDTIBM está falida? 

- Não há liquidez, a Sociedade não tem dinheiro. Há mais de quatro anos que não vende um único terreno. Tem a ver com Covid-19, que atrapalhou os processos negociais…

Temos uma sociedade que seu conselho de administração, tem autonomia e estatuto próprio, mas tem muita interferência do governo, a intrometer-se na gestão da sociedade. Vemos ministros a dar instruções ao CA para determinados actos ou casos, mostrando alguma interferência na gestão da sociedade.

Por exemplo, a SDTIBM assinou um protocolo com a Câmara Municipal para financiamento de duas grandes obras impactantes para Boa Vista, a praça Santa Isabel e a Orla marítima, e houve uma concertação para avançarmos pelo menos a obra da orla da Praia de Diante, avaliado em 135 mil contos. Os dois  projectos custam mais de 300 mil contos.

Mas não arrancamos as obras na Praia de Diante, temos só a praça Santa Isabel, com atraso de anos e muitas idas e vindas.

- A CMBV vendeu o edifício do Cinema por 80 mil contos, esse dinheiro poderia servir para financiar parte desses projectos ou não?  O que fizeram com esse dinheiro?

- De facto, vendemos esse edifício e queriamos colocar esse valor ao serviço da ilha. Aliás foi vendido precisamente para garantir a requalificação urbana, em vez de ficar em pardieiro assim como está, sem uso, e nós sem capacidade de dar acabamento, pensamos que seria melhor colocá-lo à venda. Pois bem, pensamos assim, começarmos só com a Praia de Diante – 80 mil contos é mais do que um terço do valor orçamentado para as obras da Praia de Diante – e isso aconteceu por decisão da nossa equipa depois de o Estado ter dado aval para a SDTIBM. Porque havendo o aval da Sociedade a Câmara Municipal deixaria então de pagar as obras de requalificação da praça Santa Isabel.

Nós, com 80 mil contos, e mesmo sem dinheiro do Estado – tendo em conta que conseguimos e estamos ainda a suportar os custos das obras na praça Santa Isabel, já lá metemos mais 50 mil contos – e com a verba da SDTIBM estaríamos em condições de arrancar e terminar as obras na Praia de Diante.

 

- Estes projectos foram aprovados pela Assembleia Municipal? 

- O nosso Plano de Actividades e Orçamento já contempla essas obras, e esses instrumentos foram aprovados pela AM. Existe, portanto, a requalificação da orla marítima da Praia de Diante e orla marítima da Praia Cabral.

 

- O Governo sabe destes projectos e da sua importância para a Boa Vista?

- Sabe e conhece muito bem, porque o protocolo que a CMBV assinou com a SDTIM, onde o Estado tem 51 por cento, estão contemplados esses dois projectos. O governo poderia até não entrar com dinheiro, a Câmara Municipal aguentaria até que a SDTIBM encontrasse dinheiro e assim não teríamos de pagar nós pelas obras na praça Santa Isabel.

Nós temos financiamento junto de um outro banco para a requalificação urbana. Numa perspectiva de ganhar-ganhar, ganhar ritmo, ganhar tempo, dar resposta, pensamos nessa lógica: vamos começar com a orla marítima de Sal-Rei. Falamos com o empreiteiro que disse não haver problemas em começar. Articulamos então com a SDTIBM que iriamos arrancar as obras na Praia de Diante, já que tínhamos a garantia de que não teríamos de custear mais a praça Santa Isabel, mas a sociedade não vendeu nenhum terrenos há não pôde cumprir.

 

- Enquanto isso os munícipes continuam sem a sua praça principal. Isso não preocupa? 

- É porque nos preocupamos com os munícipes que quisemos avançar com as obras. Para nós Praia Cabral é importante, mas Praia de Diante é muito mais importante, sob todas as perspectivas.

 

- E para as outras localidades o que há? 

- Veja antes. A Praia Cabral e a Praia de Diante são importantíssimos para nós, darão uma imponência grande para o município e para o turismo local. Mas não vamos pôr de lado tudo aquilo que estamos neste momento a fazer, como calcetamentos, arruamentos, etc., mas tendo esses dois projectos prontos dariam um passo enorme.

É claro que estamos a trabalhar a ilha toda. Neste momento temos um projecto interessante no quadro do Fundo do Turismo para a requalificação urbana da zona do Estoril, avaliado em 125 mil contos. Toda essa zona atrás do hospital por exemplo não é calcetada, não tem rede de água canalizada, é deficitária, por isso estamos a requalificá-la.

Apresentamos ao governo esta proposta, foi aceite. Temos também povoados com alguma dificuldade, mas estão melhor organizados que a cidade de Sal-Rei. Têm melhor organização, mais áreas verdes… Em Sal-Rei temos muitos mais desafios, o bairro Boa Esperança não tem água canalizada, no Estoril, zona nobre, não tem água também.

 

- Sem falar de muitos burros a deambular pela cidade turística. A CMBV tem sido incapaz de os controlar.

- Hoje há menos burros no centro da cidade. Nós pensamos várias possibilidades, inclusive utilização de animais para circuitos turísticos, mas há senão porque alguns sectores não aprovam a exploração de animais para fins turísticos, não aprovam a utilização de burros para se ganhar dinheiro. Embora defendamos que o burro desde semmpre foi utilizado em Cabo Verde para transporte de cargas e mercadorias e de pessoas, , mas respeitamos as opiniões. No nosso projecto, o burro, um dos simbolos da Boa Vista, pode ser atrativo turistico.

Mas temos menos burros, fizemos há temos um censo de burros e cães na ilha. Colocámos coleiras de identificação em cerca de 200 burros que entram com mais frequência no centro da cidade. Temos um pedido feito junto da Direcção de Agricultura e Pecuária que autoriza o transporte de animais de uma ilha para outra, porque muitos municípios de Santiago, Fogo e Santo Antão já nos solicitaram o envio de burros. Mas há boavistenses que questionam por que temos de mandar burros para as outras ilhas, sendo um património da Boa Vista, enfim a questão dos burros não é pacífica como pode parecer.

 

- Está a um ano e meio de terminar o mandato. O que orgulha-se de ter feito e o que lamenta não ter conseguido fazer? 

- Nós definimos três eixos de acção no nosso programa eleitoral: capital humano, economia local e infra-estruturação. Em todos esses eixos demos passos, obviamente, não demos os passos que gostaríamos, mas fizemos em todos eles trabalhos significativos, apesar dos bloqueios da seca, covid, e estrangulamento a nível governamental.

Temos pessoas com casa, habitação digna, temos muito menos barracas, mais iluminação pública, mais casas com água canalizada. A nível da saúde estamos a trabalhar com um privado para a abertura de um centro de saúde reprodutiva de modo a ganharmos mais espaço no nosso centro de saúde que terá mais salas de enfermagem, mais camas. Apoiamos muitas pessoas em tratamento, seja ajuda para TAC, seja para intervenção cirúrgica na Praia, a nível da habitação social trabalhamos na melhoria das casas, um investimento de mais de 50 mil contos em dois anos de mandato. Aumentamos o número de estradas calcetadas na cidade de Sal-Rei, nos povoados, Fundo das Figueiras, João Galego, Estância de Baixo…

- E o que falta fazer?

- Muita coisa. O que mais nos inquieta é o saneamento básico. Fizemos grandes investimentos na aquisição por exemplo de camiões de lixo, rede de esgoto é muito custoso e difícil tendo em conta a orografia da ilha, que é muito plana pelo que temos de ter cuidado com o lençol freático e vice-versa. Um estudo técnico tem que ser feito para analisar tudo ao pormenor. A nivel de resíduos líquidos temos problema e a nível dos resíduos sólidos também. Temos uma lixeira a céu aberto, embora seja cercada.

- Concretamente, o que é que definiu no programa eleitoral e não poderá ser cumprido

- Corremos um grande risco de não poder criar, que é um sonho nosso, uma escola municipal de hotelaria e turismo. É um projecto ambicioso. Podemos ter algum problema de sustentabilidade da economia local, que depende exclusivamente do turismo.

- E qual a alternativa? 

- Queremos massificar o sector primário, pesca, agricultura e pecuária. Mas estes sectores dependem do Ministério da Agricultura e Ambiente, que não reconhece a Boa Vista como uma ilha agrícola, e isso nos atrapalha.

- Tem o apoio garantido do PAICV para novo mandato? 

- Bem, até este momento não tenho nada de contrário. O partido tem demonstrado e manifestado total apoio à minha equipa camarária para eventual recandidatura à CMBV.

- Refere-se ao partido local ou a direcçao nacional? 

- A nível nacional. E local também, não há nenhuma rixa, nenhuma dúvida. Não vejo, a nível local, ninguém a perfilar-se para concorrer. A nível nacional, o partido não tem alternativa senão Cláudio Mendonça para voltar a candidatar-se à presidência da CM da Boa Vista. A não ser que aconteça uma tragédia, serei de novo candidato do PAICV para a CM da Boa Vista. E estamos convictos que vamos ganhar outra vez, tanto na Câmara quanto na Assembleia Municipal.

- Tem alguma sondagem a dar-lhe essa confiança? 

- Os nossos contactos com a população dizem.

 

- E já tem ideia do que vai propor ao eleitorado, que Boa Vista está a projectar? 

- Meu sonho é transformar Boa Vista.

 

- Traduz isso, o que significa na prática? 

- Significa ter uma boa gestão, por exemplo. Tudo aquilo que são os recursos locais e os que podemos capitalizar servirem para a melhoria das condições de vida da população.

 

- Dê-me cinco exemplos? 

- A primeira coisa é a requalificação urbana de Sal-Rei, torná-la mais bonita e atrativa, tirando os turistas dos hotéis. Isso fará a economia agitar, pessoas a vender nas lojas, casas a ganharem valor, é mais IUP, enfim tudo encadeado. Ponto dois: melhorar o serviço de saúde na Boa Vista, embora essa questão não dependa da Câmara. Trabalhamos com privados para abertura de clínicas e policlínicas. Neste momento temos em cima da mesa duas policlínicas para abrir já, já, e isso para nós é fundamental. Terceiro: saneamento básico e a nossa perspectiva é apostar no tratamento do lixo. Queremos Boa Vista limpa. Quarto: qualificação do nosso destino turístico, aumentar a qualidade do serviço prestado. Estamos a trabalhar firmemente para especializar os profissionais da área e temos o sonho de criar a escola municipal de hotelaria e turismo. Quinto: continuar a desenvolver e a aprimorar o desenvolvimento do sector privado. Queremos enveredar para a criação do gado caprino, investir na produção de queijo de qualidade, ter nossos produtos nos serviços hoteleiros. Se fores à feira verás a quantidade de produtores de queijo, mas nenhum desses queijo da Boa Vista que são de qualidade entra no circuito turístico. Por isso temos que investir mais, ganhar visibilidade, ganhar notoriedade e criar valor.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine