“Viver é isso mesmo, ficar se equilibrando entre escolhas e consequências” (Paulo Coelho)
Há sensivelmente 40 anos que Cabo Verde vem beneficiando de programas vários de apoio, sensibilização/informação e educação, reabilitação, reintegração, etc., em diferentes áreas, nomeadamente saúde (geral, preventiva e reprodutiva), erradicação da pobreza, juventude entre outras. Existem vários grupos sociais bem identificados que usufruem destes benefícios diretamente. Surgem outros a cada dia, absorvendo financiamentos de organizações que parecem competir umas com as outras, em nome da resolução dos problemas dos ditos vulneráveis. Todavia, dá-se a sensação de que estes programas, de uma forma ou de outra, não conseguem fintar ao status quo da situação de assistencialismo que se vive um pouco por todo o lado.
Chega-se ao ponto de alguns grupos (bem identificados) se sentirem “orgulhosos” de pertencerem à uma determinada franja social e de beneficiar dos direitos que daí lhes advêm, causando “inveja” aos que se encontram fora destes parâmetros.
Longe de mim querer vilipendiar os diversos grupos de vulneráveis que, infelizmente existem e têm que ser amparados, de uma forma ou doutra. Seria presunção a mais minimizar o trabalho digno levado a cabo por instituições de cariz social, com o fito de ajudar na redução das desigualdades sociais, algo mais que notório na nossa sociedade.
A questão da vulnerabilidade social está muito interligada às desigualdades sociais. Estas, por seu lado, têm a ver com o acesso ao emprego, bens e serviços, numa palavra, oportunidades. Que têm a ver com estabilidade familiar, acesso à educação emprego e serviços. Todos estes quesitos se encontram de tal forma interligados que é difícil, muitas vezes, determinar quais são as causas de uns e as consequências provenientes dos outros. Todavia, no meio de tudo isso, é bom ter em mente a questão das escolhas. Que a nosso ver, não são lineares! Em muitos casos, trata-se mais de uma questão de mentalidade de que ausência de recursos de per se.
Cada escolha tem as suas consequências (positivas ou negativas). É claro que as escolhas são condicionadas por circunstâncias várias que muitas vezes fogem ao controlo da própria pessoa. Entrementes, é notório a busca de opções que se apresentam mais simples e que não requererem esforços, nem físicos nem mentais. A Lei –do- Menor -Esforço chegou para reinar e se instalou em todos os setores: nas famílias, nas igrejas, nas escolas, nas instituições, na sociedade em geral. Entre uma escolha que requer algum sacrifício, com resultados palpáveis a longo prazo, opta-se por uma outra, onde se exige o mínimo de esforços, independentemente de haver garantias futuras.
Somos responsáveis pelas nossas escolhas. Caso não sejamos responsabilizados por elas, corremos o risco de nunca assumirmos as nossas responsabilidades, relegando a outrem os nossos compromissos. Com as suas implicações inerentes, pois, quando a pessoa não é responsabilizada pela escolha que fez, jamais se responsabilizará pelos seus atos. E isso pressupõe caos na sociedade. Se não nos atentarmos, estamos caminhando nesta direção.
Analisando caso a caso:
Dizem os mais entendidos de que não há uma idade bem definida para se começar a vida sexual. Todavia, é consensual que entre os 12-15 anos, não é aconselhável, por conta da imaturidade tanto física como psicológica do indivíduo. Por isso, aconselha-se aos jovens nesta faixa etária a estudar. E condições mínimas estão criadas aos nossos jovens para irem à escola: acesso gratuito. Todavia, enquanto uns estão se martirizando queimando as pestanas, não dormindo horas suficientes, sem tempo para participarem em todas as festas, festivais, e “karanganhadas” que os colegas realizam ou que surgem nas comunidades, para ver se conseguem ter sucesso nos estudos, outros há que, pancam as aulas, não estudam e estão por todo o lado que houver alguma paródia. Expõem-se a todos os perigos que se associam a estes ajuntamentos, vivem na boa. Curtem e troçam dos colegas, muitas vezes, fazendo-lhes sentir fora da moda e ultrapassados. Alunos aplicados sofrem bullying (sim, e de que maneira! Se matasse, alguns já teriam morrido!) Exibem telemóveis último grito, estão sempre conectados, sem tempo de fazer os deveres. Desdenham dos professores que têm um telemóvel simples. Não querem saber dos conselhos deles ou dos progenitores, entendem que a vida deve ser vivida na plenitude e depois se vê... envolvem-se em sexo, surgem filhos ou outras situações preocupantes, todos são culpados: o sistema, os pais, os professores, a sociedade! TODOS...menos eles! Eles NÃO são responsabilizados pelas escolhas, antes, procura-se o bode expiatório. Às vezes são tão apaparicados que os que sempre pautaram por ser responsáveis se sentem envergonhados de sê-lo! Como se não bastasse, ainda usufruem de programas específicos que muitas vezes os põem um passo à frente dos que pautaram pela sensatez, pela sabedoria (atenção: não sou contra os programas de apoio ás jovens grávidas/mães, apenas faço constatações!)
A minha experiência em trabalhar com jovens com problemas comportamentais cresceu em mim uma grande sensibilidade por esta camada da sociedade. Ainda mais quando se tem filhos e não se saber o que o futuro nos vai reservar! Sou a favor de reabilitação, sim! Conheço casos de sucesso que de outra forma, já participei afundariam para sempre. Já participei do processo de reabilitação de vários jovens. O que me revolta, contudo, é ver jovens com excessos de chances a tirar chances a outros que nem uma chance tiveram! Que beneficiaram de boa alimentação, escola, condições para estudar, divertir e viver a vida numa boa, mas que não aproveitaram e que de novo vão ter mais e mais oportunidades... por pertencerem a grupos vulneráveis! E outros que nunca tiveram apenas uma chance? Ou seja, os investimentos que poderiam e deveriam ser canalizados àqueles que tiveram bom senso e se sacrificaram são desviados a favor dos que, tendo oportunidade, não quiseram saber! É certo que há situações e situações, mas muitas vezes, desresponsabilizar as pessoas pelas suas ações, mais não faz do que perpetuar o ciclo vicioso da desresponsabilização, levando a pessoa a pensar que, para cada ato de irresponsabilidade haverá uma forma compensatória.
Temos mães que são mães em todos os sentidos. Não importam se são solteiras ou casadas, elas assumem as suas responsabilidades com garra e determinação. Trabalham de sol a sol, algumas vivendo em situações de mono-parentalismo, fazem inveja aos casais mais exemplares: são mães, ... Contudo, trago para a análise o seguinte: todos assistimos à discriminação positiva das mães solteiras, em vários setores da sociedade. Programas de empoderamento específicos foram e são levados a cabo, beneficiando uma franja bastante elevada da população. São programas assistencialistas, com impacto profundo na vida das famílias, pois de acordo com o último censo realizado em Cabo Verde, a taxa de famílias monoparentais (diga-se mães solteiras) é ligeiramente superior da das famílias ditas nucleares. No entanto, as mães solteiras são-nas, na maioria das vezes, por uma questão de escolha. Longe foi o tempo em que as mulheres eram enganadas pelos homens. Propala -se por aí de que o “o produto” está escasso, que a qualidade é baixa; todavia, isso não dá ao direito de cometer atos de irresponsabilidades e não assumir. Sabem que o homem tem outra mulher ou outras mulheres. Insistem em se envolver com ele. Tudo bem. Gostos não se discutem. Sabem que o homem tem mais filhos. Não se importam com isso. Tudo bem. A gente tem filhos com quem quiser. Engravidam, muitas vezes “à revelia do homem”. Mas que assumam as consequências dos seus atos! A vida não está fácil. Como é possível a um homem, com duas ou três mulheres, sete a dez filhos, poder dar educação a todos? E a responsabilidade dos filhos de quem é? Eu não concordo que o problema das mães solteiras seja um problema (só) dos homens com quem se envolvem. Nós as mulheres também temos responsabilidades neste aspeto. Dizem que não têm companheiro, estão sozinhas: no entanto, “rezan na metadi kaminhu”, fidju korenti. Há aquela máxima que diz, “kenha ki da si pedi tremi si polpa”, mas por cá parece que se aplica, ” kenha ki da si pedi, tremi polpa di algen”.
Na minha experiência na Câmara Municipal, tive situações de mulheres que se separavam do marido, se dirigiam à Câmara na qualidade de “mães solteiras”, pois foram abandonadas pelo marido. Conseguiam o apoio para construir a casa, depois se juntavam de novo. Isso ainda acontece: fui confrontada por uma senhora que disse ia solicitar algum apoio porque estava a sofrer VBG. Separou-se do marido durante quatro meses. Bateu em várias portas (não sei o que ela conseguiu). Ao fim deste período, estava grávida e de novo com o marido.
É claro que há casos e casos. Há situações em que as mulheres são realmente negligenciadas e trocadas ou abandonadas. Em casos pontuais, merecem atenção sim. E aí entram os programas de assistência específicos. Que têm dado resultados palpáveis obviamente, ajudando na redução das assimetrias sociais.
Noutro dia estive a falar com uma mulher, mãe de 3 filhos, grávida de mais um. Ela disse que tem estado a pedir apoio à Câmara para construir uma casa, mas que não estava certa de poder ser assistida, falámos e ela disse que não recebia nada do pai dos filhos. Perguntei-lhe porque então mais um, ela respondeu que os filhos iriam servir-lhe...
Tudo bem, que as pessoas tenham os filhos que quiserem. Contudo, é bom que haja planificação mínima da nossa vida, para podermos arcar com as nossas responsabilidades e não delegar as nossas decisões ao acaso...
Penso que já é altura de se começar a ver as coisas por um outro prisma, ressaltando as Boas Práticas. Focalizar um pouco naquilo de bom que as pessoas fazem. Ajudar as pessoas que estão no bom caminho, por forma a se sentirem mais estimuladas.
Já é senso comum de que a crise social que nos afeta está correlacionada com a família. Que sejam aplaudidas as famílias exemplares e que sejam usadas como referências. Que sejam utilizadas como modelo nas comunidades. Ajudá-las a lutar com a grande pressão porque passam, de modo a enfrentar a realidade e se sentirem apoiadas. Incentivar as pessoas que optam por ter uma vida a dois saudável, dar estímulos para que continuem e sirvam de exemplos;
Fazer discriminação positiva aos jovens que levam uma vida regrada, longe dos vícios, que estudam ou não, mas têm uma postura equilibrada e procuram dar o seu contributo junto à sociedade; muitas vezes, a atenção exagerada a grupos específicos, inadvertidamente, tira o foco dos que andam no bom caminho.
Que sejam utilizados como modelos e sejam proporcionados espaços de conversa e interação com jovens da mesma faixa etária.
Isto é apenas um desabafo. Fujo ao “politicamente” correto e ao corriqueiro. Digo o que me vem na alma. Solidarizo-me com aqueles que se esforçam por andar no caminho reto. Aqueles que fazem sacrifícios e que pela forma de ser e estar, dão o seu humilde contributo ao desenvolvimento. E que por causa disso muitas vezes pagam um preço demasiadamente elevado.
Calheta, julho de 2018
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