Três empresas em Cabo Verde no império de Isabel dos Santos. Ulisses não comenta
Economia

Três empresas em Cabo Verde no império de Isabel dos Santos. Ulisses não comenta

O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, disse esta segunda-feira que o caso das revelações de transações suspeitas e esquemas alegadamente fraudulentos de Isabel dos Santos não interpela o Governo, mesmo com os investimentos de 100 milhões de dólares da empresária angolana no país e que aparecem nos ficheiros do 'Luanda Leaks'.

Das 400 empresas e respectivas subsidiárias que enformam o império construído por Isabel dos Santos ao longo dos anos, três estão localizadas em Cabo Verde e foram mencionadas pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que investigou o 'Luanda Leaks', um dossier de 356 gigabytes de dados relativos aos negócios da filha do ex-presidente de Angola entre 1980 e 2018, e que ajudam a reconstruir o caminho que levou Isabel dos Santos a tornar-se na mulher mais rica de África.

A magnata angolana é acusada pelas autoridades de ter beneficiado de fundos públicos angolanos (da petrolífera Sonangol, que detém 38,7% da Enacol) para criar a Unitel International, sociedade de direito holandês detida em exclusivo por Isabel dos Santos e que foi buscar à Unitel SA, em 2012, 35 milhões de euros para comprar a sua participação na Tmais.

A Unitel SA é detida em partes iguais (25%) por Vidatel (Isabel dos Santos), Mercury (Sonangol, a empresa petrolífera de Angola), Genie (grupo de investidores angolanos) e a PT Ventures (empresa da brasileira Oi, outrora no universo da Portugal Telecom Internacional SGPS) e seria uma espécie de torneira financeira da empresária sempre que queria comprar ou construir novas empresas ligadas ao sector das telecomunicações no estrangeiro, como foi o caso da Tmais.

Há três anos, Isabel dos Santos admitira ao jornal Público que contraiu sete empréstimos na Unitel SA, entre Maio de 2012 e Agosto de 2013, para investir, por exemplo, numa posição de controlo na ZON Multimédia (crédito para este investimento terá ascendido aos 177,8 milhões de euros), adquirir o capital da T+, em Cabo Verde, e transformá-la na Unitel T+ (35 milhões) e numa nova operadora em São Tomé e Principe, a Unitel STP (6,7 milhões de euros). Na semana passada, e na sequência do mandado judicial de arresto das contas bancárias e das participações de Isabel dos Santos nas empresas onde é accionista, a Tmais emitiu um comunicado a garantir que as medidas por Angola não põem em causa o funcionamento da operadora em Cabo Verde.

De acordo com documentos publicados pelo ICIJ, Isabel dos Santos detém ainda participação maioritária no banco BIC Cabo Verde, instituição financeira internacional. Dos Santos entra no capital desse banco por via da Sidemore Holdings Limited, sociedade sedeada nas Ilhas Virgens Britânicas e detida a 100 por cento pela angolana, conforme revelam os documentos obtidos pelo ICIJ e relativos ao BIC Cabo Verde. A investigação não refere, todavia, a qualquer transação ilegal feita através desse banco.

No arquipélago, Isabel dos Santos é dona a 100% da Espaços Cabo Verde Lda., uma sociedade unipessoal virada para o consumo de luxo, com sede em Chã de Areia, Praia, e da qual pouco se sabe.

Em entrevista à agência Lusa em Outubro do ano passado, quando visitou este arquipélago, Isabel dos Santos disse ter investido cerca de 100 milhões de euros nos últimos anos na economia cabo-verdiana, primeiro nas telecomunicações e depois nas finanças (Tmais e Banco BIC). Também afirmou na altura que estava a preparar um investimento na economia digital em Cabo Verde, um sector prioritário para o Governo.

Apesar destes investimentos jno país, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, disse esta segunda-feira que o caso das revelações de transações suspeitas e esquemas alegadamente fraudulentos de Isabel dos Santos não interpela o Governo. "Eu não faço comentários porque este é um trabalho dos investigadores, é algo que tem a ver com Angola e não com o Governo de Cabo Verde, nós vamos acompanhando de uma forma interessada aquilo que está a passar-se", começou por dizer o chefe do Governo, quando questionado pela agência Lusa à margem de uma cerimónia na cidade da Praia.

Ulisses Correia e Silva insistiu que o caso "não tem a ver com Cabo Verde diretamente", mas sim com os investimentos que Isabel dos Santos tem em várias partes do mundo. "Não é algo que interpela o Governo de Cabo Verde. Não tenho de fazer o papel de analista nem de comentador relativamente a essa matéria", disse o primeiro-ministro.

O Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, também foi questionado sobre o assunto, mas escusou-se a comentar, dizendo apenas que é uma matéria que interessa a Cabo Verde, visto que tem a ver com "um país muito próximo e irmão". "O Presidente da República não pode estar a comentar notícias que têm a ver com fortunas, ou com os bens de uma cidadã angolana. Vamos acompanhando, vamos ouvindo as notícias, vamos formando opinião, mas naturalmente não podemos fazer comentários sobre esse assunto", afirmou o chefe de Estado.

Jorge Carlos Fonseca, a propósito, teria advertido o primeiro-ministro, em Outubro passado, sobre o facto de Isabel dos Santos ter anunciado financiar dez bolsas de estudo a estudantes universitários na UNI-CV, por haver suspeitas acerca da origem do dinheiro da empresária angolana, a braços com a justiça no seu país. Esta situação teria provocado, na altura, alguma tensão política entre o palácio da Várzea e do Plateau.

O tema Isabel dos Santos está na boca do mundo desde que no domingo passado, 19, um consórcio de jornalismo de investigação revelou mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de "Luanda Leaks", que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família.

O ICIJ, que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso e a SIC, analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.

Durante a investigação, foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas. As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares para o Dubai.

Da sua parte, e em sua defesa, Isabel dos Santos disse à BBC que "todos vão ficar a perder" devido às investigações, lamentando "que Angola tenha escolhido este caminho". A empresária considera falsas as acusções e argumentou que "as autoridades angolanas embarcaram numa caça às bruxas muito, muito selectiva, que serve o propósito de dizer que há duas ou três pessoas relacionadas com a família dos Santos".

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