O coordenador geral do Projecto Reduce, Jacob Gonzalez-Solis, apelou ao Governo para a “implementação urgente” do programa de observadores a bordo das embarcações de pesca industrial que operam em suas águas.
Em entrevista à Inforpress, o especialista e professor da Universidade de Barcelona (Espanha) disse que o país carece de dados básicos sobre o impacto real dessa actividade sobre espécies vulneráveis da megafauna marinha, como tartarugas, tubarões, raias e aves marinhas.
“Cabo Verde é um país-chave para a pesca na África Ocidental, mas não tem um programa de observadores a bordo. Isso é surpreendente, especialmente quando países vizinhos como Senegal, Mauritânia, Gabão e Marrocos já o fazem há anos”, destacou Jacob Gonzalez-Solis.
Apesar da importância do sector pesqueiro para a economia cabo-verdiana com acordos firmados com países da União Europeia, Japão e outros, referiu que “não há uma política nacional activa de monitorização das capturas acidentais, conhecidas como ‘bycatch’”.
Isso representa, segundo o coordenador do Reduce, uma falha na gestão sustentável dos recursos marinhos do país.
Entre os dados preliminares já obtidos por meio do Projecto Reduce e programas de observadores europeus, Jacob González-Solís destacou que cerca de 7.000 tartarugas marinhas são capturadas todos os anos na região da Macaronésia, que inclui Cabo Verde, e lembrou que muitas dessas espécies se reproduzem nas ilhas do arquipélago e estão “sob forte pressão”.
O tipo de pesca influencia os impactos porque, explicou, o “palangre”, que consiste numa linha principal em que são colocados milhares de anzóis atrás da popa dos barcos, representa o maior risco para as tartarugas, enquanto “a pesca com cerco tem causado altas taxas de mortalidade” de tubarões e raias, inclusive espécies protegidas.
"Essas capturas, muitas vezes acidentais, raramente são relatadas pelas embarcações não europeias que operam sem qualquer tipo de fiscalização local", disse a mesma fonte, sublinhando que, actualmente, apenas algumas embarcações espanholas e francesas possuem programas próprios de observadores, cobrindo cerca de 10% da frota.
Os dados coletados por esses observadores alimentam projectos como o Reduce, mas segundo Jacob Gonzalez-Solis isso é insuficiente e o Governo “não está interessado”.
“Não há interesse claro em fazer uma pesca sustentável. Isso coloca em risco a biodiversidade marinha e a reputação internacional do país”, advogou o pesquisador, que reforçou que o “bycatch” de aves marinhas, no caso da pesca industrial, é relativamente baixo, sendo a pesca artesanal a principal causa de mortalidade dessas aves em Cabo Verde.
No entanto, a situação é diferente para tartarugas e tubarões, cujas mortes são “altamente concentradas” na pesca industrial e ainda “não estão sendo devidamente contabilizadas”.
O Projecto Reduce, financiado pela União Europeia com nove milhões de euros e reunindo 13 parceiros de cinco países, está disposto a apoiar directamente Cabo Verde na coleta de dados, através da instalação gratuita de sistemas de monitorização electrónico em embarcações industriais, como alternativa moderna e eficaz aos observadores humanos, disse Jacob González-Solís.
O sistema de monitorização electrónico usa câmeras e inteligência artificial para registrar e analisar as capturas em tempo real, identificando automaticamente espécies-alvo e acessórios com “alta precisão”.
Segundo Jacob Gonzalez-Solis essa pode ser uma solução “mais viável e escalável” para países com poucos recursos.
“O Reduce pode pagar por essas instalações. Precisamos apenas da vontade do Governo de Cabo Verde e da colaboração de armadores que aceitem iniciar essa experiência. O futuro da pesca sustentável pode passar por esse modelo”, afirmou Jacob Gonzalez-Solis.
A mesma fonte adiantou que com esse sistema não é necessário colocar uma pessoa ou manter uma equipa de dez observadores.
Enquanto outros países africanos avançam na gestão pesqueira, Cabo Verde ainda enfrenta uma lacuna crítica de informação e acção.
Para o coordenador do Projeto Reduce o momento é agora e é necessário tomar medidas concretas para proteger os ecossistemas marinhos e garantir uma pesca sustentável.
A implementação de programas de monitoramento e transparência na actividade pesqueira pode não apenas preservar espécies ameaçadas, mas também reforçar o papel de Cabo Verde como líder regional na conservação dos oceanos, referiu Jacob González-Solís.
O investigador participou nos dias 10 e 11 de Outubro, em São Filipe, na IV Conferência sobre Década do Oceano promovida pela Presidência da República.
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