LXXVIII CENA
Ponxita sai à porta e vê Domingos Vieira a aproximar-se, subindo e amarrando as calças.
PONXITA – Olá, Domingos Vieira. Apareceu-te algum biscate?
DOMINGOS VIEIRA – Porquê?
PONXITA – No meio da rua a subir as calças!
DOMINGOS VIEIRA – Por acaso não. Mas se fosse? Eu também não tenho direito?
PONXITA – As mulheres estão desavergonhadas, mas não acredito que haja meretriz com coragem de deitar-se contigo na rua e em plena luz do dia.
DOMINGOS VIEIRA (sorri e continua a abotoar e a amarrar as calças com a corda) – Eu com pressa para vir matar-te o porco e tu na brincadeira!
PONXITA – Brincadeira como? Queres negar que estavas a subir as calças?
DOMINGOS VIEIRA – E o que é que tem subir as calças? Estou a vir da Ponta do Covão de Salina onde fui fazer necessidade. E estou a vestir-me. Com pressa, se calhar nem o rabo limpei direito. Não te lembras que me pediste para vir matar-te o porco hoje?
PONXITA – Vens matar-me o porco… e foste primeiro fazer cocó?!
DOMINGOS VIEIRA – Há algum mal? Só porque fui fazer necessidade já não queres que te mate o porco?
PONXITA – Não é por não querer. Se cabantares [matares] o porco agora, ou qualquer outro animal, ninguém comerá essa carne.
DOMINGOS VIEIRA – E porquê? Achas que vou pôr cocó na carne? As minhas mãos não atolaram na merda, não!
PONXITA – Não sabes que a carne ficará com gosto esquisito? Que saberá a fezes e que se alguém a comer vomitará? Não sabias?
DOMINGOS VIEIRA – Mas quem te disse isso?
PONXITA – Desde que eu me lembre… ainda eu era uma criança, ouvia a Tela minha avó a dizer.
DOMINGOS VIEIRA – Nha Monteira?!
PONXITA – Exatamente. Matilde Monteiro da Veiga, a minha avó. Ela já tem 103 anos, já provou bastante sal desde que nasceu. (Solta um suspiro de alívio) Felizmente vi-te ainda a tempo. Senão a festa ficava estragada.
DOMINGOS VIEIRA – E agora?
PONXITA – Tenho que arranjar outra pessoa para vir matar o porco.
DOMINGOS VIEIRA – Desculpa, Ponxita. Não sabia que depois de dar de corpo não se deve matar o porco.
Guto chega atrás de um arco a correr, fingindo que é um motard.
PONXITA – Anda cá, meu filho. (Guto aproxima-se dela) Vai à casa do teu tio Levy Koloti, em Salina, e diz-lhe para me vir matar um porco. Vai rápido. Pago-te sábi quando voltares.
Guto arranca, anda um bocadinho, encosta-se à berma da estrada, pára e roda a cabeça sobre o pescoço em direção à Ponxita
GUTO – Quando o tio Levy matar o porco ele dá-me bexiga, mamã. Faço bola e meto golos.
PONXITA – Vai e volta rápido. Eu falo com Koloti para dar-te bexiga e pedaço do rabo e da orelha quando o porco estiver chamuscado. Vai a correr. Vou cuspir em cima desta pedra para puderes vir mais rápido.
GUTO – Cuspir em cima da pedra porquê?
PONXITA – Se encontrares o cuspinho seco…
GUTO – O tio Koloti não me dá a bexiga?
PONXITA – Se encontrares a saliva seca, não só Koloti não te dá a bexiga, como também vais morrer. (Volta a cara para o lado, cospe no chão e diz baixinho) Com a idade da Tela minha avó.
Domingos Vieira entra e vai sentar-se à mesa, cabisbaixo, em cima de num banco. Ponxita vai-lhe pôr à frente, uma garrafa de aguardente e um copo. O pessoal vai chegando e cada qual vai fazendo uma coisa, colaborando nos preparativos da festa.
LXXIX CENA
À porta de casa, Guto dá topada e machuca o dedão do pé esquerdo. Põe-se a berrar e rebola no chão desesperado. Ponxita desenfeta-lhe a ferida com grogue e cura-lha.
PONXITA – Vou pôr-te uma pomada que fiz da mistura de vela com petróleo, para matar-te estas pulguinhas nos dedos. (Entra em casa, sai com a pomado e unta-a nos dedos do Guto) Agora vai-te deitar um bocadinho e descansa-te.
KOLOTI (chega e cumprimenta toda a gente) – Já deram água ao porco?
PONXITA – Para quê se o porco vai ser morto?
KOLOTI – Deve-se dar sempre água ao porco antes do açougue para fluir o sangue e aumentar mais. (Vai espreitar ao chiqueiro) Preciso de dois homens para me ajudarem a tirar o porco do chiqueiro
PONXITA – Vá lá, Tatote. Tu e Chico Nhambina vão ajudar o Koloti.
Retiram o porco da pocilga e atam-no todos os membros.
KOLOTI – Cunhada, manda uma pessoa com uma terrina aparar sangue.
Teté não espera pela ordem. Coloca numa terrina, um pouco de sal, vinagre, alho, folha de louro e vai pôr-se de cócoras com terrina encostada ao pescoço do porco.
KOLOTI (coloca o joelho direito em cima do lombo do porco, a mão esquerda segurada na orelha direita e, com uma faca “80” na mão direita, faz uma cruz no chão enquanto diz) – Cruz, Santa Cruz. Deus é que permitiu.
Enfia a “80” no gargantão do animal e vai calafetando até que o porco morre.
LXXX CENA
Enquanto Guto dorme, sonha que está a jogar a bola com os colegas.
GUTO [V. O.] – «Chuta a minha bola com cuidado, Escude! Senão, arrebenta. Por isso é que Adão de Bia e Domingos do António Xexé não vão jogar com a minha bola. São muito abusados. Armandinho de Rosa Touro, Culau de Georgina, Otávio de Preta Mendes, Luizinho de Chica, Manuel de Júlia Bernardo e Pumpum de Lázaro vão jogar pra minha equipa. A minha equipa vai-se chamar Benfica e vai jogar contra o Sporting».
Koloti está com o porco sobre uma prancha, despido do toucinho e todo aberto.
KOLOTI – Ponxita, manda um balaio para vir pôr tripas, e uma caçarola para pôr furfuras [vísceras!]
Guto ouve a voz do Levy, levanta de um pulo e vai ficar a frente dele, com olhos mirando, acompanhando cada movimento das mãos do Levy. Este tira as tripas e põe no balaio. Depois põe os bofes, o coração, o fígado, os rins e o baço numa caçarola. Tira a bexiga e segura-a na mão por uns instantes, enquanto olha para os lados. Guto fica ansioso, preparado para receber sua prenda. Mas Levy manda-a para o chão e os cães arrebatam-na e, num ápice a devoram. Guto sai correndo e berrando desconsoladamente. Vai dar parte do Koloti à mãe que o tenta consolar, fazendo-lhe outras mil promessas. Ninguém fica parado. Uns fazem o torresmo, outros lavam as tripas, enchem o chouriço ou a linguiça, racham a lenha, põem o milho a cochir, etc.
LXXXI CENA
Na sala, preparados para a cerimónia do Cristão. Entra o Sema de Nha Domingas que vai fazer de padre.
SEMA – Boa noite, toda a gente.
TODOS – Boa noite!
SEMA – Ponxita, dá-me um grogue para me relaxar e uma pitada de cancã. (Ponxita tira o tabaqueiro de dentro do seio, cheira uma pitada e dá o tabaqueiro ao Sema) Compraram vela?
PONXITA – Já está tudo preparado. Só estavam a faltar tu e o padrinho.
PEIXOTA – Padrinho também não deve demorar. Ele não tem hábito falhar.
SEMA – Preciso de um prato branco com um pouco de água e sal. E uma vela, uma cruz, três grãos de sibiki d'olho e um rosário de osso.
Peixota tem o menino ao colo e uma vela na mão direita. Ponxita tem o prato de água e sal na mão esquerda e a mão direita sobre a testa do menino.
SEMA (acende a vela) – Quem é o padrinho?
Alguém bate à porta.
PONXITA – Deve ser ele.
Guto vai abrir e entra o Chiquinho.
CHIQUINHO – Ponxita, titia mandou dizer que o titio não veio porque está preso desde ontem.
PONXITA – Está preso?!
PEIXOTA – O que é que o meu compadre fez?
SEMA – E agora?
PONXITA – Esperem um bocadinho. Dêem-me licença.
SEMA – Então vou botar mais um groguinho enquanto resolvem o assunto. (Serve um cálice de grogue) Dá-me mais uma pitada, Ponxita. A tua sabe bem.
PONXITA – Desculpa lá, Sema. Ou compra o tabaco, ou vende o nariz. Tu não podes ficar a pedir-me pitada sempre que te apetece cheirar.
MINÉSIO – E ele disse que a tua pitada sabe bem.
Todo o mundo se ri. Ponxita tira o tabaqueiro, cheira uma pitada e dá ao Sema. Amarra um pano à cintura, aperta o lenço à cabeça e prepara para sair.
PONXITA – Preciso que alguém me acompanhe à casa do José Regedor.
Tatote, Minésio e Chico Nhambina se oferecem para a acompanhar.
LXXXII CENA
Em casa do Regedor
JOSÉ REGEDOR – Por causa de ti e da cerimónia de Cristão do teu filho, vou deixá-lo sair. Mas o que ele fez é muito feio.
José Regedor apanha um molho de chave e sai.
PONXITA – Não sei por que deu compadre na cabeça, para ir furtar galinha de gente!
TATOTI – Deve ser que, como era padrinho, sem nada para oferecer… tentou sarapionar galinha para ir vender.
PONXITA – Mas eu não lhe dei menino para fazer cristão por interesse. Dei-lhe por amizade. Eu sei que ele não tem nada pra me dar.
MINÉSIO – Coma a madrinha e bazofa… talvez ele não queria ficar muito por trás.
José Regedor entra com o padrinho que está muito envergonhado.
PONXITA – Compadre!... Por que é que você foi roubar galinha de gente?
COMPADRE – Desculpe, comadre.
PONXITA – Por que é que foste roubar galinha?
COMPADRE – Era para levar para pôr na canja.
PONXITA – Não era preciso. Tinha lá um boronsete e cabantei-o.
COMPADRE – Desculpe.
PONXITA (para José Regedor) – Muito obrigado, Sr. Regedor.
JOSÉ REGEDOR – Não tens que agradecer. (Para padrinho) Espero que não voltes cá mais por causa desse trabalho.
COMPADRE – Nunca mais.
JOSÉ REGEDOR – Podem ir.
PONXITA – Muito obrigado, mais uma vez, Sr. José.
Saem todos juntos.
LXXXIII CENA
A madrinha volta a segurar o afilhado ao colo, o padrinho segura na vela e a mãe no prato com água e sal. O padre volta a acender a vela, manda apagar o candeeiro e, com o rosário na mão direita, mergulha-o no prato com água e sal.
SEMA – Como é o nome do menino?
PONXITA – Gil Fernando Tins Tavares.
Com o polegar da mão que segura o rosário, o padre faz uma cruz na testa ao menino e pede a todos que rezem dois Pai-Nossos, dois Ave-Marias e uma Glória ao Pai, e que ofereçam ao Anjo da Guarda e ao Santo Nome do menino. Mete novamente o rosário na água e sal e faz mais três cruzes na testa do menino, seguida da frase:
SEMA – Gil Fernando Tins Tavares, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
TODOS – Amem.
SEMA – Padrinho e madrinha, vocês acabaram de testemunhar a presença de mais um cristão no mundo. Portanto, quero que jurem perante esta cruz sagrada e este rosário de osso benzido, perante esta vela que está acesa e que nos alumia, perante esta água benta cheia do poder de Cristo, que se disponibilizem totalmente para exercerem o papel do pai e da mãe sobre o vosso afilhado, caso os progenitores venham a revelar-se incapazes de se cuidarem deste novo filho do nosso senhor Cristo que, por sua vez, é filho de Maria, virgem santíssima.
PADRINHO E MADRINHA – Juramos!
SEMA – Podem acender o candeeiro.
Alguém acende o candeeiro e Ponxita assopra a vela que está na mão do padrinho.
MADRINHA – Viva o nosso afilhado!
TODOS – Viva!
MINÉSIO – Viva à madrinha e ao padrinho!
TODOS – Viva!
MINÉSIO - Viva o pai e a mãe do menino!
TODOS – Viva!
MINÉSIO – Viva senhor padre!
TODOS – Viva!
Sema apanha a garrafa e um copo, serve mais um grogue, bebe e deixa um pouquinho no fundo do copo e atira ao ar.
SEMA – Para aqueles que não estão mais neste mundo, que não podem provar este soro de cana, esforço dos bois, fruto do alambique e remedio para todos os homens de boa-fé.
Batem palmas, bebem grogue e bafam com torresmo e vísceras de porco.
LXXXIV CENA
Os rapazes trajam minicalças boca-de-sino de duas cores. Muitos estão descalços, alguns têm sandálias nos pés, feitas de pneu e borracha de câmara-de-ar. Quase todos têm camisa de manga comprida, com ramas coloridas e folhados no pulso. Os que não têm boné na cabeça, têm o cabelo penteado tipo hippy, ou com um risco ao lado. As raparigas trajam saia gaita-gaita, algumas com fio de fantasia ao pescoço, lenço amarrado à cabeça e brinco “Show de bola” na orelha. Ao dançar, os rapazes tentam colar ao máximo nas raparigas, mas elas lhes põem travão com a mão. Xereta dança melhor do que todas. Ela é bonita, tem cor de chocolate, cabelo preto, liso e comprido. Tem entre 15 a 16 anos. Aureliano não sabe dançar. Fá-lo às escondidas, lá pro lada da porta do quintal, depois de conferir se ninguém lhe esta a ver. Minésio segreda Xereta ao ouvido, depois recua, cruza os braços ao peito e olha pra Aureliano.
MINÉSIO – Aureliano, tira Xereta para dançar. (Aureliano fica envergonhado) Xereta, vai dançar com Aureliano! (Xereta vai lhe pegar e os dois dançam-se. Todos ficam a bater palmas, enchendo de corda ao Aureliano) Aguenta lá um Funaná quente, Kodé de Dona. O Dimingu Denxu!
Kodé afina a gaita e Sérgio de Germina acompanha-o no ferrinho.
KODÉ (para Sérgio) – Aguenta aí, neste som como está.
Xereta coloca uma garrafa cheia de grogue em cima da cabeça e começa a deslisar com os pés. Sacode toda a parte baixa do corpo, mas a garrafa não mexe um milímetro. Aureliano também sacode o corpo, mas os pés dele não levantam do chão.
RAPAZIADA (batendo palmas) – Au-re-lia-no… Au-re-lia-no… Au-re-lia-no…
Minésio põe uma garrafa de grogue no meio da sala, próximo da pista onde Xereta e Aureliano estão a dançar. E segreda Aureliano ao ouvido. Enquanto o faz, rouba-lhe a carteira do bolso traseiro das calças.
MINÉSIO – Quem tocar nesta garrafa paga uma cheia. Se a derrubar paga duas. E se a partir paga cinco litrosas.
RAPAZIADA (batendo palmas) – Au-re-lia-no… Au-re-lia-no… Au-re-lia-no…
Xereta faz habilidades, mas não toca na garrafa. E a que ela tem em cima da cabeça também não se mexe. Aureliano dá um pulo, baixa de seguida, dá uma cambalhota e cai em cima da garrafa.
TODOS – Aureliano está multado! Tem que pagar duas litrosas! Aureliano está multado! Tem que pagar duas litrosas! Aureliano está multado! Tem que pagar duas litrosas!
KODÉ (para gaita) – Vá, Aureliano, tira já do bolso! Apetece-me beber um groguinho pago por ti
AURELIANO – Eu pago! Não há problema. Pago o que for. Mesmo que cinco litros.
Leva a mão ao bolso para tirar a carteira e não a encontra. Fica envergonhado e todo o mundo goza com ele.
KODÉ (improvisa um Funaná lento, do estilo Rufan Baré ou Fomi 47) – Sérgio, aguenta o ferrinho nesta nota.
Começa a tocar e a cantar.
Aureliano Nhu Muxunburgo
Rapaz bonito e bem talhado
Porque não aprendeste dançar
Ou trazer carteira no bolso?
Todos batem palmas e riem-se.
Xereta de Tanga Bogodji
Que todos os machos cobiçam
Dançar com ela e desejar o bis
Ao compasso do Funaná.
Minésio pega a Xereta e dançam-se.
Escuta agora, este meu conselho
Aureliano de Nhu Muxunburgo
Vai à casa buscar o dinheiro
E vens pagar aposta que perdeste.
Tremeste como um galo molhado
Não levantaste bem o pé do chão
Agora estás muito envergonhado
Como um papagaio com o cu cosido.
Envergonhado, Aureliano sai e desaparece.
PAI DE NHATUDA (Entra de repente e diz bem alto) – Eu é que sou Pai de Tuda! Não sou burro nem malcriado, nem feio nem maltalhado.
BETO NHADICENA (arfa o peito e, com muita força, responde num tom bastante provocante) – Eu é que sou Beto Nhadicena, que bebe o ovo, arrota o pinto, vomita galinha e defeca penas de pavão!
PAI DE NHATUDA – Eu também vendi o medo e comprei a coragem, por isso não me importo com ninguém. E o que for saboroso, mesmo pouco, quero ver no prato; quem tiver que mo dê, que não tiver que mo peça! Conforme me vêem, à frente não estou, mas atrás também não é o meu lugar. (Sem reparar na transfiguração do semblante do seu rival, aproxima-se mais da porta e diz novamente) Sou eu mesmo. Com a roupa no corpo, dinheiro na carteira e carteira no bolso. Quem não acredite, que experimente. Comigo, homem algum, mulher nenhuma! Vá, para a Gaita!
BETO NHADICENA (dá-lhe um murro num olho e ele cai de costas, dá três cambalhotas e vai parar no meio de arbustos) – Eu é que sou Beto Nhadicena, o homem de um cano na mão. Um soco meu, mal apanhado, no Hospital acordarás; se acertar devidamente, no Cemitério repousarás.
O pessoal dá água de açúcar ao Pai de Nhatuda, abana-lhe com uma folha de papelão e assopra-lhe no dedo mindinho.
PAI DE NHATUDA (Depois de reanimado) – Ah Pai de Tuda, farto de batata com leite, no meio de caiumbra com olho furado!
Ponxita está no quarto, exausta a tentar apanhar uma soneca. Ouve reboliço, leva-se meio estremunhada, corre para a rua e depara com Pai de Nhatuda de costas com pernas para o ar. Fica fula.
PONXITA – Isto é abuso, rapazes. Fizeram-no, porque sou mulher, sabem que estou sozinha, que o meu marido está embarcado nas ilhas!
NHAMIODA (Levanta-se e dá ordens como uma verdadeira autoridade) – Já chega de festa. Cada qual para a sua casa, e deixem a coitada descansar. Vocês são malcriados.
Pai de Nhatuda levanta-se, Beto mostra-se arrependido, pede desculpa, fazem as pazes e Ponxita atenua a situação.
PONXITA – Não, prima Mioda. Se eles querem continuar a divertir, podem ficar. Baile é que já não quero.
NHAMIODA – Sem toque, então, está tudo bem. Porque Nezinho não está, vêm fazer abuso nas costas dele! Tenho a certeza que se ele estivesse cá, vocês não faziam selvajaria em casa dele.
PONXITA (dá à prima uma palmadinha no ombro e ri-se) – Mioda… Nezinho mesmo que cá estivesse! Do jeito que ele é mofino!…
Todos dão uma gargalhada.
DOMINGOS (poe-se de pé) Então vou contar uma partida, já que não há mais baile.
TODOS (sobretudo a meninada) Siiiiim. Conta lá, Domingos.
DOMINGOS (despeja a garrafa de grogue num copo de meio quarto e bebe de uma só vez. Escolhe um caroço de torresmo e um naco de bofe) – O grogue é para limpar-me a garganta, esses bafios são para reforçar-me as energias.
MINÉSIO – Vá, conta lá a tua mentira.
DOMINGOS – Vocês sabem que Tute de Simoa, lá do Cutelinho, nunca lava os pés! (Riem-se todos) Um dia, a parede do quintal caiu-lhe em cima de um pé e nem um arranhão ele sofreu.
NHAMIODA – Bem disse Minésio para contares a tua mentira.
DOMINGOS – Não é mentira, não. É mesmo verdade.
PONXITA – Continua.
DOMINGOS – Quando Tute conseguiu libertar o pé dos escombros, por baixo ficaram crostas que ele teve de contratar uma empresa de aluguer de caterpílares para limpar a sujeira.
NHAMIODA – Oh, filho da mãe, mentiroso de uma figa! Sujeira é essa aí, com a qual estás a entupir-nos os ouvidos.
PONXITA – Deixa-o contar, Mioda!
DOMINGOS – Quando se libertou o pé dos escombros, foi coxeando até a cozinha onde estava Simoa, sua mulher, a esquentar cachupa de ontem para quebrarem o jejum, e disse-lhe: «Simoa minha mulher, se tivesse lavado os pés, tê-los-ia hoje partidos. A parede do quintal caiu-me em cima de um pé, nem um arranhão sofri».
CULAU – Eu também sei uma piada sobre o Tute.
TODOS – Conta, conta Culau! Conta lá!
Comentários