A imprensa brasileira está rendida ao romance “Siríaco e Mister Charles” do escritor cabo-verdiano Joaquim Arena, vencedor do prémio Oceanos 2024, um dos mais prestigiados prémios literários em língua portuguesa. Desde a renomada revista Veja, ao Jornal Valor Económico,, o Estado de Minas e a Folha de São Paulo, jornal de maior circulação no Brasil, todos destacaram, deliciados, a edição brasileira de Siríaco e Mister Charles.
Nunca um escritor cabo-verdiano teve tanto espaço na imprensa brasileira como o que aconteceu com Joaquim Arena depois de vencer o prémio Oceanos 2024. O mesmo será dizer que Cabo Verde conquistou neste dias amplo e inédito destaque na comunicação social brasileira à boleia de Siríaco e Mister Charles, romance que encantou os críticos e os jornalistas dos principais órgãos no Brasil .
A revista Veja, por exemplo, um dos títulos de maior referência em toda a América do Sul, entrevistou Joaquim Arena referindo ao seu romance como “o curioso encontro de um ex-escravo com vitiligo e Charles Darwin”.
“Uma das mágicas da literatura é promover encontros possíveis no tempo e no espaço, mas que a realidade teimou em não viabilizar. Junte duas figuras singulares – cada uma a seu modo; uma mais, outra bem menos conhecida – e o momento histórico que compartilharam (sem saber uma da outra) numa praia de Cabo Verde e você embarcará nas páginas de Siríaco e Mister Charles, romance do escritor Joaquim Arena”, começa por escrever Diogo Sponchiato, que conversou com o escritor cabo-verdiano para a Veja.
“Siríaco e Mister Charles é um livro que nos provoca a pensar no que temos de comum e diverso em relação ao outro – e no que o ser humano é capaz de fazer com essa percepção, para o bem e para o mal. E ainda nos instiga a refletir sobre essa ânsia profunda da nossa espécie em desvendar o desconhecido. Seja na investigação de uma rocha ou de um animal, seja na leitura de mãos que uma cigana pode oferecer”, acrescentou.
Capa da Edição brasileira do romance de jpaquim Arena (Ed Gryphus)
A Folha de São Paulo, provavelmente o maior jornal do Brasil, também falou do livro de Arena, titulando: “Darwin se encanta por ex-escravizado com vitiligo em livro premiado com Oceanos”.
Vários outros órgãos, inclusive o Jornal Valor Económico, dedicaram páginas ao romance premiado pelo Oceanos 2024. O Estado de Minas até fala da importância de Cabo Verde na formação do naturalista britânico. “Romance de Joaquim Arena traz novidades sobre o cientista Charles Darwin”, titulou o jornal mineiro, para logo no abertura afirmar que “com base em ampla pesquisa, vencedor do Prêmio Oceanos aborda a importância de Cabo Verde na formação do cientista e sua provável amizade com ex-escravizado”
"O verdadeiro lugar do nascimento é aquele onde uma pessoa se descobre a si mesma", diz Charles Darwin no romance ‘Siríaco e Mister Charles’. Se levarmos em conta o argumento do livro, o pai do evolucionismo bem que podia ser cabo-verdiano. A obra venceu o Oceanos, prêmio mais prestigiado da literatura em língua portuguesa, contando uma improvável história que cruza os mares. O mister Charles do título é Darwin, retratado naquelas páginas como um garotão de seus 20 e poucos anos empolgado em descobrir o mundo”, observou Walter Porto, do Estado de Minas.
"Por todas as experiências que tivera em Edimburgo e Cambridge, explicou Charles, o prazer e os conhecimentos adquiridos não chegaram perto do impacto da sua redescoberta como pessoa, ali na ilha de Santiago de Cabo Verde",
"Quando você procura por Darwin, não encontra Charles", disse o autor Joaquim Arena, ao referido jornal. "É como se ele não existisse antes de ser um naturalista famoso."
“O outro personagem-título, Siríaco, é um ex-escravizado que viajou ao Brasil com a família real portuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, e terminou a vida no Cabo Verde natal de Arena. A primeira coisa que se vê em sua figura é a pele negra marcada por vitiligo, que escondia por baixo uma personalidade sensível e o transformou em atração de espetáculos aberrantes de ‘freak show’ no século 19, onde era ‘exibido como cão’, nas palavras do autor”, continua o EM, acrescentado que “os dois homens existiram e foram alvos de uma pesquisa minuciosa empreendida pelo escritor em arquivos de Portugal, onde Arena ficou vidrado numa pintura do menino Siríaco na corte e do Reino Unido, que guardava uma pouco explorada passagem de três semanas de Darwin pelas ilhas de Cabo Verde, a oeste da África, antes de avançar sua empreitada pela América do Sul”.
"É mais um caso da história para que ninguém liga. Quando você lê estudos sobre a viagem de Darwin, que mudou toda a nossa maneira de pensar, Cabo Verde não faz parte dessas páginas. E é um absurdo, porque Darwin acorda ali para a geologia, os animais marinhos, e quando chega ao Brasil já leva na cabeça alguma coisa tropical", disse Arena ao EM.
“São cenas como essa que embasam a ficção de ‘Siríaco e Mr. Charles’. No enredo, o antigo subordinado da corte portuguesa passa a vida rememorando o encontro com o britânico, então um rapagão elegante, e aguardando sua volta. Foi, afinal, o primeiro europeu que o viu por baixo da epiderme. A ironia trágica, completa Arena, é que a teoria da evolução de Darwin acabou desfigurada num conceito torpe de ‘darwinismo social’ que embasaria práticas eugênicas décadas adiante”.
"Foi uma consequência que ele não previu. A base teórica da lei do mais forte veio a ser aproveitada, da pior maneira, para justificar a supremacia branca contra os africanos e índios. Abriu a porta para a legitimação de um massacre. Mas aí ele já não tem culpa dessa interpretação", disse o escritor, citado pelo Estado de Minas.
Ilustração: Jornal A Nação
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