À medida que o sol nasce sobre as belas praias de Cabo Verde e as ondas do Atlântico quebram suavemente na costa, há uma realidade oculta que se esconde sob a superfície da tranquilidade. Uma realidade que não pode mais ser ignorada, especialmente neste Dia Mundial da Saúde Mental: a atual política de droga. Imagine-se, por um momento, ouvindo não apenas as ondas do oceano, mas os gritos silenciados, as esperanças despedaçadas e as vidas perdidas devido a uma abordagem falha e desumana em relação às drogas. E esta política vai muito além da legalidade; ela toca em nossos corações e mente. Nossas leis proibicionistas contra o uso das drogas, que permaneceram inalteradas por décadas, não apenas fracassaram em controlar o problema, mas também lançaram nossa sociedade em um abismo de sofrimento mental. Esta é a dissonância dolorosa e esquecida que queremos trazer à tona. Uma política de drogas baseada na proibição que age como uma venda, encobrindo nossos olhos para os verdadeiros problemas. Rotulamos consumidores como criminosos quando, na realidade, muitas vezes são vítimas de circunstâncias desfavoráveis. Este artigo, mais do que um apelo à mudança, é um chamado à empatia e à esperança. É um chamado para ação, para repensar nossa abordagem, investir em saúde mental, educar nossos jovens e oferecer uma chance de recuperação aos afetados pela política de drogas.
Na tranquila melodia das ondas atlânticas que abraçam Cabo Verde, há uma dissonância persistente e preocupante. É uma dissonância que reverbera nas ruas de Mindelo e nos recantos remotos da ilha de Santiago, uma dissonância que raramente é discutida, mas que afeta profundamente a vida dos cabo-verdianos: a política de drogas. Neste Dia Mundial da Saúde Mental, convido-o a uma reflexão profunda e necessária sobre a política de drogas em Cabo Verde.
Não se pode dissociar a Saúde Mental da Política de Drogas e vice-versa. Indubitavelmente, a política de drogas em Cabo Verde (como em todas as latitudes) não é apenas uma questão de legalidade, mas também uma questão de saúde mental. A “guerra contra as drogas”, que foi incentivada pelas igrejas Cristãs nos Estados Unidos de América, no longínquo século XIX e que, por sua vez, esteve na génese dos mais importantes Tratados Internacionais sobre a matéria, trouxe consigo um fardo pesado. A marginalização e falta de acesso a tratamentos eficazes e em tempo útil são exemplos inegáveis. Portanto, as leis proibicionistas de combate às drogas, em vigor há décadas em Cabo Verde, não apenas falharam em conter o problema, mas também contribuíram para uma crise de saúde mental. Isto é inquestionável.
Não restam dúvidas de que a política de criminalização do consumo de drogas tem sérias implicações para o tratamento e a saúde mental dos toxicodependentes. A verdade é que o indivíduo viciado em drogas é, por um lado, cativo da substância e, por outro lado, refém das representações sociais. Paralelamente, enfrentam, muitas vezes, um profundo estado de angústia e sofrimento, exacerbado, impiedosamente, pela sua lutam para controlar a sua obsessão e a compulsão pelo consumo de drogas. E mais ainda, são vítimas marginalização da sociedade e da criminalização do sistema judiciário. Diante dessa situação, naturalmente, optam por se tornar invisíveis, evitando o estigma e o preconceito, que os leva a se afastarem dos sistemas sociais e, consequentemente, a abrir mão de seus direitos fundamentais, nomeadamente o direito à saúde.
Por isso, não é de se estranhar que, de acordo com dados do Órgão Internacional de Fiscalização de Narcóticos (International Narcotics Control Board - INCB), globalmente, apenas uma em cada seis pessoas que necessitam de tratamento tem acesso a programas de reabilitação e tratamento atualmente. Portanto, os governos devem tomar medidas eficazes para garantir esse direito fundamental que, por sua vez, evita a degradação da saúde mental desses indivíduos que são obrigados à fuga e a invisibilidade.
Compreende-se por que o paradigma da descriminalização do consumo deve ser, urgentemente, posto no quadro das equações quando o assunto é o consumo de drogas. Pode parecer insensato, mas a política de drogas baseada na proibição é como uma venda que cobre os olhos da sociedade, tornando invisíveis os problemas reais. Alias, Kofi Annan (ex-secretário-geral das Nações Unidas) tinha alertado de que “as drogas já destruíram muitas vidas, mas as políticas equivocadas sobre drogas destruíram muitas mais”. E Cabo Verde enfrenta uma epidemia de consumo de drogas (basta ver os dados de prevalência de consumo), mas continua no rol dos países que preferem continuar “equivocados” nas suas políticas de criminalização.
Em resultado, os consumidores são rotulados como criminosos ou como delinquentes. Alias, Estudos sobre a Prevalência do Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral em Cabo Verde (2013) confirmam que 27% da população cabo-verdiana vê o usuário de drogas ou toxicodependente como um delinquente. Estudos mais recentes do Ministério de Saúde (2017) apontam para uma taxa de 40,1% de usuários/toxicodependentes que já sofreram assédio verbal; 29,8% que já foram excluídos de reuniões sociais; 22,8% que já foram tratados de forma diferente ou recusados serviços; 30,7% que já sofreram violência física; 43,9% que já foram rejeitados ou maltratados pelos membros da família; 44,2% que já foram recusados ou perderam empregos.
E não nos iludamos: isto é consequência da política proibicionista, quando na realidade são, muitas vezes, vítimas de circunstâncias desfavoráveis. E as experiências internacionais são exemplos de mudanças positivas quando se opta por política mais equilibrada e flexível. O caso de Portugal é o mais paradigmático.
Ao persistirmos, portanto, na abordagem proibicionista, estaremos a desinvestir na saúde mental. Mais ainda, estaremos desperdiçando recursos preciosos, que poderiam ser alocados para programas de prevenção, tratamento e educação. Pios, estaremos, infelizmente, a destruir vidas.
Portanto, é hora de repensarmos a nossa abordagem. Que fique claro: não estou sugerindo que devemos abrir as portas para o tráfico de drogas, mas sim que devemos separar os consumidores dos traficantes e oferecer-lhes uma oportunidade de recuperação. O que quero sublinhar é que podemos, sempre, aprender com os erros e acertos de outros países e adaptar uma abordagem que funcione para Cabo Verde.
Precisamos, de uma vez por todas, perceber que a descriminalização do consumo de drogas não significa a promoção do uso de substâncias. Pelo contrário, é uma oportunidade de redirecionar os recursos para programas educacionais e preventivos e de redução de risco de minimização de danos. E, neste sentido, é hora de capacitar os jovens cabo-verdianos com conhecimento e habilidades para tomar decisões informadas.
Este chamado a uma reflexão conjunta não ficaria completo se não fizer ao seu coração e mente. Convido-o, caro leitor, a se deixar conectar com as histórias silenciadas, as vozes não ouvidas e as lágrimas não derramadas dos cabo-verdianos afetados pelas drogas e pela atual política de drogas.
Imagine, estimado leitor, o oceano, que abraça nossas praias com sua tranquilidade, e agora, imagine um país onde essa serenidade é interrompida por uma dissonância dolorosa e negligenciada - a política que criminaliza o consumo de drogas. É neste quadro, neste Dia Mundial da Saúde Mental, que todos somos chamados a uma reflexão profunda e carregada de emoção sobre essa dissonância, uma dissonância que impacta não apenas nossa legalidade, mas também nossa saúde mental.
Enquanto navegamos nas águas traiçoeiras das políticas atuais, reconhecemos que nossos irmãos e irmãs cabo-verdianos são vítimas desse paradigma proibicionista. Suas lutas, seus medos e suas esperanças nos tocam profundamente, e é por eles que fazemos este apelo à empatia e esperança.
Em um país onde a saúde mental é tida como uma prioridade, não podemos mais ignorar os efeitos adversos da política de drogas. A criminalização não é a resposta, mas sim um chamado para uma transformação urgente.
Quando olhamos além de nossas fronteiras, vemos exemplos de países que optaram por abordagens mais compassivas. Portugal é um farol de esperança, como já o dissemos, onde a descriminalização trouxe não apenas a redução do uso de drogas, mas também uma diminuição significativa nas overdoses e doenças relacionadas às drogas.
É hora de rejeitar o estigma e o preconceito que envolvem a política de drogas. É hora de separar os consumidores dos traficantes e oferecer-lhes a oportunidade de recuperação. É hora de investir em educação, prevenção e tratamento.
Por fim, o convite para si, caro leitor, é de se unir num desafio por um Cabo Verde mais compassivo, saudável e cheio de esperança. Lembrando que a mudança começa com uma conversa, e esta conversa é o primeiro passo para um futuro melhor. É hora de agir. É hora de transformar nosso despertar em ação. Unidos, podemos moldar um Cabo Verde onde a saúde mental é valorizada, onde a compaixão prevalece e onde a esperança brilha intensamente. O futuro é nosso para criar. Vamos criar juntos.
Então, neste Dia Mundial da Saúde Mental, lembramos que a saúde mental deve ser abordada intrinsecamente ligada à política de drogas. É hora de repensar, de criar um futuro mais seguro, saudável e justo. É necessário e urgente o despertar. E a hora é agora. É possível mudar, e a descriminalização das drogas pode ser um passo crucial nessa jornada em direção a um Cabo Verde mais saudável, inclusivo e mentalmente equilibrado. A mudança começa com uma conversa aberta e honesta, e este é o momento de iniciar essa conversa.
*Doutorando em Serviço Social; Mestrado em Políticas Públicas; Licenciado em Criminologia e Segurança Pública
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