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Partidos políticos, militantes. Servir ou ser servido, eis a questão!
Colunista

Partidos políticos, militantes. Servir ou ser servido, eis a questão!

...filiar-se num partido político é um ato de coragem. Um ato voluntário e corajoso! E quem é corajoso o suficiente para entrar num partido político, deve fazer bom uso dessa mesma coragem para assumir as suas motivações, e propósitos, de forma pública e consequente. Pois, esconder-se atrás de argumentações e vitimizações circunstanciais para não assumir a sua missão de servo, é de uma ignomínia opressiva e uma covardia indecente!

“Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro”. Livro de Mateus, 6-24

A epígrafe ao presente artigo é uma sensata exortação de Jesus Cristo aos seus discípulos. Jesus, personalidade intemporal, é um grande professor e pedagogo. Este Homem, que nasceu em Belém, na Judeia, é, com os gregos, uma das maiores autoridades da história do pensamento. Considerado, por alguns estudiosos, um subversivo do Judaísmo, é, porém, reconhecido, um pouco por todo o mundo, que as suas palavras carregam, em simultâneo, a força de ensinar, orientar, instruir, exortar e curar. Sobretudo no campo psíquico e espiritual. O mundo não registou, até os dias de hoje, um varão que tenha penetrado, com ingente autoridade, sapiência e conhecimento, as profundezas da natureza humana, para trazer à luz os fundamentos das mais insondáveis interrogações do homem, esse ser social, gregário, vinculado aos desafios comunitários, tal como Jesus, o Nazareno.

Vem este introito a propósito do PAICV, das eleições legislativas e dos conflitos internos que vêm minando a sua coesão interna, sobretudo o processo de definição das listas concorrentes, sendo um partido do arco do poder, tributário de grandes responsabilidades no percurso e formatação dos destinos desta nação, e, consequentemente, pedra angular do processo de desenvolvimento de Cabo Verde, desde a independência nacional.

Para começar, a questão - servir ou ser servido? Deve o membro de um partido político servir a sua organização ou servir-se desta?

Antes de mais, chamamos a esta arena duas autoridades do mundo da filosofia, sociologia e ciência política – Raymond Aron e Max Weber - para nos elucidar sobre o conceito de partidos políticos, na sua versão básica, primária. O primeiro, filósofo francês, define os partidos políticos como agrupamentos voluntários mais ou menos organizados que pretendem, em nome de uma certa concepção de interesse comum e de sociedade, assumir, sozinhos ou em aliança, as funções de governo, e o segundo, economista e sociólogo alemão, sugere que os partidos políticos constituem relações de tipo associativo, uma dependência fundada num recrutamento de forma livre, cujo objetivo é assegurar o poder a seus dirigentes no seio de um grupo institucionalizado, a fim de realizar um ideal ou obter vantagens políticas, sociais e materiais para seus militantes.

Ambas as definições aqui trazidas são precisas ao evidenciarem os pontos centrais que estruturam essas instituições, designadamente o seu caráter associativo e voluntário, que se materializa nas conexões entre sujeitos com objetivos e ou ideias semelhantes, a sua função em relação ao processo de disputa pelo poder político de uma sociedade, e as possíveis motivações que levariam à busca pela formação de uma ação política combinada entre sujeitos diferentes.

Partindo dos pressupostos acima referenciados, temos que a adesão a um partido político é sempre um ato voluntário. Um sujeito resolve, livremente, associar-se a uma organização ou partido político, vinculando-se aos objetivos e à cultura organizacional da respetiva coletividade. Tudo muito simples e cristalino, sendo certo que a filiação ocorre sempre numa lógica de complementaridade e respeito aos objetivos comuns, firmado sobretudo no princípio da entreajuda e do bem servir.

Ora, as instituições são constituídas por pessoas, que as dão forma e conteúdo. Boas pessoas formam boas instituições, excelentes pessoas formam excelentes instituições, más pessoas formam más instituições. As virtudes, as qualidades das instituições, resultam da combinação das virtudes e qualidades das pessoas que as constituem. O inverso também é verdadeiro!

É consensual - até provas em contrário -, que todas as instituições transportam consigo a missão de servir. Partidos políticos também. Servir é a palavra chave. Servir sempre!

Nesta perspectiva, podemos concluir, com o bom senso que as coisas simples nos inspiram, que um sujeito, ao entrar para uma organização política, estará naturalmente, e por princípio, a colocar-se ao serviço desta, assumindo a missão de servo. Se tal não se verificar, ou seja, se esse sujeito não se entregar à missão de servir, estará eventualmente no lugar errado, e a solução mais sábia e expectável seria a escolha de outro poiso. Com naturalidade! Em todo o momento e situação.

No exercício das suas funções, os partidos políticos, ou qualquer outra organização social e política, orientam-se pelos respetivos estatutos e decisões dos órgãos representativos, vinculando todos os seus membros. Ou seja, todos os seus membros obrigam-se a trabalhar no quadro das orientações emanadas dos órgãos competentes, colaborando e servindo lá onde as suas capacidades são chamadas a operar.

Resulta cristalino que o papel de um membro de uma organização, seja de que natureza for, é colaborar e servir, no quadro das competências e atribuições devidamente definidas e estabelecidas. Não tem outra alternativa, como, aliás, exorta Jesus Cristo, no Livro de Mateus, citado em epígrafe, pelo que, há que observar esse princípio básico, sendo este o único caminho provável para ajudar, da melhor forma possível, a organização que decidiu, de livre e espontânea vontade, abraçar. A não ser que a adesão se deva a outros propósitos, desconhecidos da própria organização.

Em todo o caso, seja qual for a motivação, ou os propósitos, filiar-se num partido político é um ato de coragem. Um ato voluntário e corajoso! E quem é corajoso o suficiente para entrar num partido político, deve fazer bom uso dessa mesma coragem para assumir as suas motivações, e propósitos, de forma pública e consequente. Pois, esconder-se atrás de argumentações e vitimizações circunstanciais para não assumir a sua missão de servo, é de uma ignomínia opressiva e uma covardia indecente!  

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine