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Novas de um Achamento ou o Assombroso e Inaudito Caso da Besta Falante da Ilha do Maio
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Novas de um Achamento ou o Assombroso e Inaudito Caso da Besta Falante da Ilha do Maio

"Não podia nunca deixar de dar publicamente esta demolidora e violenta resposta, porquanto, se escolhemos ficar calados diante de um desaforo ético, escolhemos o lado do perpetrador. Eu que vivo de imaginar mundos, para além da pobre lógica compreensiva de quase todos, devo dizer que nunca vi nem imaginei tamanho bruto besta sem redenção, jamais me deparei com tão deslustrada e descabrestada espécie jumentícia (ainda que com nome de gente: Mário Tavares, fixem), um lanudo que deve ser rapidamente classificado e mandado para um zoológico como jumento que fala, «asinus dicenti», espécie que apenas conhecíamos das imorredouras fábulas de La Fontaine, n’«O Asno de Ouro», de Apuleio, no «Platero e Eu», de Juan Ramon Jimenez, e no meu próximo livro, a sair em agosto, «Iô, Bakano», o libreto duma opereta juvenil em versos rimados, mas que pode ser lido perfeitamente por gente adulta."

Nos primeiros dias de julho visitei, pela primeira vez, a ilha do Maio, para prosseguimento do projeto «Pátria Soletrada à Vista do Harmatão -- Andanças por Cabo Verde & Outras Paragens». Desta viagem darei conta quando for tempo disso, mas uma primeira imagem merece ser destacada: a simpatia serena e a impressionante cordialidade das gentes da ilha.

Nunca cumprimentei nem fui cumprimentado tanto na minha vida, não como escritor decididamente antivedeta (que ninguém sabia que eu era), mas como simples humano circulando pelos lugares da ilha. Havia uma naturalidade rara nesse hábito quase perdido de civilidade humana, uma tal dignidade nas gentes, que até os raríssimos dois pedintes com que me deparei durante aqueles dias nada solicitaram abertamente, mas num discreto olhar ou movimento das mãos me deram a entender apenas que qualquer gesto meu seria bem-vindo.

Apesar de ser tempo de férias e dos avisos em alguns locais, não vi também crianças pedinchando, apenas esses dois seres maduros, tisnados pelo sol e precocemente envelhecidos, calmos e delicados, embora de semblantes desafortunados, de quem me aproximei mais pelo meu hábito de entabular conversa, e não por nenhuma solicitação ou assédio pedinchante deles, desse que assola a nossa querida ilha de Santiago, só para dar o exemplo que melhor conheço.

E, no entanto, deparei-me com uma besta.

Tem forma de gente (embora de curtíssimo entendimento), fala quase como gente (mas escreve como descomunal asno que é), tem nome também de gente (Mário Tavares), desempenha funções na área da cultura da Câmara Municipal do Maio e, infelizmente, não no departamento de esgotos, lugar mais adequado à sua suína, merdosa e medrosa natureza, revelada em mensagens que se atreveu a enviar, por sumo atrevimento, petulante ignorância e covardia ética, a este que tritura gigantes, quanto mais uma reles bosta malcheirosa, ainda que (mal) falante e porcamente escrevente.

Devo dizer que, desde criança, ouvia que na ilha do Maio havia muitos asnos, dos verdadeiros, simples criaturas da natureza, como todos nós. O que nunca sonhei é que houvesse um em formato de gente. É uma descoberta extraordinária, a acrescentar à nomenclatura binominal de Lineu como «asinus maiensi», e que não poderia deixar de partilhar aqui com aqueles pouquíssimos que me leem, ou fazem um esforço para me lerem e, coisa mais rara ainda, conseguem compreender-me, ao ponto de um quisto sebáceo, que até já comandou chancelarias (imaginem, gente, um embaixador!, se bem que desbocado) apodar a esses raríssimos de extraterrestres. Sim, só podiam ser alienígenas para terem a capacidade, ou até a coragem para lerem e entenderem o José Luiz Tavares. É o mundo asno em que vivemos, e que lhes convêm para a consecução dos seus torpes, miseráveis e egoístas, todavia sempre transparentes, porquanto incamufláveis, objetivos.

Depois de um sublime e grandioso texto de combate civilizacional, publicado há duas semanas aqui neste mesmo jornal, esta semana vejo-me a tratar de um insignificante e mísero bosteco, um basilisco mal chocado e incivilizado, rato dos esgotos da porca política, rasteira besta cujo apodo até ofende as simples e naturais bestas de deus, às quais peço redobradas e humildes desculpas por equipará-las a tão miserável amostra humana. Mas, se é o que calha, não podemos eximir-nos ao empreendimento sanitário de extirpar a bosta andante do convívio dos homens de sã e reta intenção, ainda que, humanos que somos, bastamente (quase todos bestamente) nos perdemos pelos desventurosos e sempre incertos e pedregosos caminhos da vida.

Não podia nunca deixar de dar publicamente esta demolidora e violenta resposta, porquanto, se escolhemos ficar calados diante de um desaforo ético, escolhemos o lado do perpetrador.  Eu que vivo de imaginar mundos, para além da pobre lógica compreensiva de quase todos, devo dizer que nunca vi nem imaginei tamanho bruto besta sem redenção, jamais me deparei com tão deslustrada e descabrestada espécie jumentícia (ainda que com nome de gente: Mário Tavares, fixem), um lanudo que deve ser rapidamente classificado e mandado para um zoológico como jumento que fala, «asinus dicenti», espécie que apenas conhecíamos das imorredouras fábulas de La Fontaine, n’«O Asno de Ouro», de Apuleio, no «Platero e Eu», de Juan Ramon Jimenez, e no meu próximo livro, a sair em agosto, «Iô, Bakano», o libreto duma opereta juvenil em versos rimados, mas que pode ser lido perfeitamente por gente adulta. A edição será da Canto Redondo e da Livraria Pedro Cardoso.

Apesar de ser caso deveras assombroso, espero que não orgulhe à civilizada ilha do Maio, à sua querida e honesta gente, nem mesmo aos seus tratadores e alimentadores que, ao que me dizem, mantêm-no ferreamente acorrentado pelo tubo digestivo, só o soltando para o meio do povo decente para espalhar a merda por alturas de caça à cruz, santa cruz no quadradinho que, devendo ser a suma liberdade de um povo, no nosso torrão transformou-se na sua ignóbil prisão.

Tenho que repetir, pois, de outra forma, pensarão que estou a mangar convosco: o animal mal falante e porca miserável e titubeantemente escrevente, não é um verdadeiro papagaio (é apenas um recadeiro dos donos), nem gralha ou um simples corvo, que tive a felicidade de ver um par no dia do meu regresso, no caminho para o aeródromo, por alturas das salinas, onde um alvíssimo tapete quase miraculoso me recordava a neve de longínquas paragens e outras estações venturosas da minha vida.

Esta espécie, espero que rara, que tem nome de gente, pavoneia-se também de artista, é responsável do Sete Sóis Sete Luas, mas é mais conhecido por ser pau mandado dos pequeníssimos mandarins da ilha, e cão de caça em tempos eleitorais, embora não passe de um pestífero, mas titubeante caniche, valentíssimo se escondido convenientemente atrás de um teclado e, vendo-se refletido no espelho da sua colossal ignorância, inventa estranhíssimas palavras, próprias de um lanudo cabeçudo, mas descabrestado, como «inércional», que pode ofender-vos e à vossa inteligência até «smaiar».

Não acredito que seja um «maísmo», porquanto muitos amigos da ilha tenho, e nunca ouvi tal jumentício termo. Acudi-me monte Penoso e monte Santo António, que ainda vos vejo nas brumas salgadas e trementes da partida; acode-me, tu, Betú, não a silhueta manhosa, mas o vero compositor; acode-me Nélson Issac Pinheiro, homem de latim, leitor de Séneca, amigo dos tempos de Lisboa, acode-me José Maria Barbosa, antigo colega do liceu, por estes dias reencontrado. Ó mosinhus tudu, ó nhos fepu, nhos rabate-m.

Se me dizem ma «meiu tiston ka ten troku», eu, José Luiz Tavares, digo: tem que ter. Que águia não se preocupa com minhoca? Digo: quem deve estar bem preocupado, se tiver que seja uma mera amostra de cérebro, é esse verme metade percevejo, metade minhoca (sendo na totalidade uma completa e enormíssima besta) e não a águia no seu céu de liberdade e superioridade. É uma bomba atómica para uma simples cuspidela de verme? Senhores, a assimetria das minhas respostas é sobejamente conhecida, e visa nada mais do que o esmagamento total do adversário, inimigo ou oponente, qualquer que seja a sua envergadura. Gasta bala ku txintxiroti? Nem pensar: este texto é apenas um treino de pontaria (ainda que com fogo real e dentro do alcance eficaz) para alimárias doutra mais assinalável envergadura, ainda que igualmente lanudas, pois, se não atuarmos perante as tropelias e os desaforos éticos, ainda que de reles e insignificantíssimos vermes, estamos a abrir a porta a outros maiores e mais perniciosos cometimentos.

Apesar das minhas muitas valências, descobri agora mais uma, não sei se defeito ou qualidade -- sou capaz de falar com animais. Desta vez um lanudo pesporrente, muito diferente dos que vi passeando pachorrentamente pela localidade de Cascabulho, onde, na manhã  já andada ainda se ouvia o concerto dos galos altivos, e nos demoramos, eu a minha companheira Adelaide e o nosso amável guia Alexssandro Robalo, em amena cavaqueira com dois amáveis moradores, Nuka e Juvina (a quem perguntamos pela possibilidade de adquirirmos polvos, uma espécie que não vimos no Maio até ao nosso regresso à Praia), depois de atravessarmos Morro, Calheta onde nos demoramos na contemplação da baía mansa, na indagação sobre vida, destino e poesia, diante da torre de Sabina, que nos fez voar até à torre de Tübingen onde o poeta Friedrich Hölderlin viveu a sua loucura até ao fim dos seus dias, antes de atravessarmos Pedro Vaz até Gonçalo Dias (onde, infelizmente, não pudemos subir ao monte Santo António, mas com o perfil do monte Penoso sempre em nossa companhia) e por Figueira Seca e Horta, Barreiro, regressarmos à Vila do Porto Inglês, passando pelo liceu Horace Silver, músico norte-americano de origem cabo-verdiana cuja história e trajetória uns alunos finalistas do dito liceu demonstraram desconhecer completamente, quando por mim levemente interrogados.

Eu que sou conhecido por manjar gigantes, gigantones e cabeçudos, desta vez coube a honra da desparasitante cacetada a um bicho (mal) falante (com pretensões até a músico e dramaturgo, safa!), não para o matar, matar não, mas para o tentar domesticar, coisa que bem sei difícil ou mesmo impossível de se conseguir, dado o estado avançado de bestialização. É claro que o animal, apesar de raro, é insignificantíssimo, mas isso não diminui o gozo literário, mas também a determinação, eminentemente ética, de chicoteá-lo pelo seu descomunal atrevimento, que tem na base uma suma ignorância que, apesar de molestamente reinante na nossa terra, não deixa de assombrar a alienígenas como eu.

E agora, animal, vais vazar o áudio que disseste ter gravado (ilegal e criminosamente) para que se saiba o que te disse por telefone quando deparei com nova merda vazada no meu celular, por não teres aproveitado a oportunidade de demonstrares a tua tão autoapregoada valentia (que não é coragem), comparecendo na magnífica apresentação, que devo à minha companheira Adelaide, ao Élvio e ao restaurante Maio Delícia, ao Djidjin, meu antigo colega de carteira no primeiro ano do liceu, no longínquo ano de mil novecentos e oitenta e dois, ao maravilhoso público assistente, e sobretudo a este que passará a ser um irmão e companheiro de jornada, Alexssandro Robalo, hoje com um processo disciplinar às costas por ter aquilo não apenas no meio das pernas, como qualquer bicho ignorante ( e que não é prova de masculinidade nenhuma) mas lá no alto, nos hemisférios irrigados pela potência do pensar?

E agora?, volto a perguntar-te, alimária, porque, apesar do teu mísero entendimento, espero que consigas decifrar isto: vazarás o áudio que disseste ter gravado, ó suíno lamacento, besta das mais imundas estrebarias, por depois das tuas descaradas mentiras e tentativas de aproveitamento, não teres tido a coragem de comparecer no lançamento para não teres que olhar nos olhos daqueles que são aquilo que tu lutas desesperadamente e sujamente para seres, inclusivamente tentando empurrar do barco quem tão limpa e desinteressadamente me ajudou a pôr de pé aquela magnífica apresentação num fim de tarde em que tudo se compôs para termos a impactante sessão que tivemos, sobretudo devido à participação generosa e calorosa das gentes da Vila do Porto Inglês e doutras partes da ilha, ainda com a presença do magnífico compositor de mornas, Betú, justa, ainda que interesseiramente homenageado por um político medíocre, de «korpu moli»(de levar tanta pancada minha), mas cabeça dura? Outra assinalável presença  foi a novel autora, margarida Agues, que recentemente deu à estampa um livro de estórias da ilha, intitulado «Memórias lembradas – a menina do chapéu de kanharanhan».

Pela negativa a intervenção de um professor liceal, perorando, não sobre a natural e buscada dificuldade dos meus textos de qualquer natureza como marca e princípio duma identidade autoral, mas quase como um anátema. Pior, só outro professor de liceu do meu querido Tarrafal que me disse, sem corar de vergonha, se eu podia escrever textos mais simples. Estar-se-á a cumprir o vaticínio do Professor Alberto de Carvalho que, em 2014, durante a apresentação da obra «Coração de Lava», dissera que a minha poesia atingiu uma altura, complexidade e refinamento tais que eu corria o risco de ficar sem leitores. Devo dizer que nos outros tipos de texto que escrevo, coloco o mesmo esmero literário. Que dizer?! Imagina, leitor, se é difícil para ti, que apenas lês, quantas vezes mais não será para quem os escreve.

Benditos os tempos em que com os meus mestres António Borges e Antero Barros aprendi que o valor se provava através da dificuldade. Da próxima vez anuncio a apresentação como uma ramboia de desbragado kotxipó. Aí, não haverá dificuldade que assuste ou afaste alguém, professor ou não. Pior mesmo, apenas a observação de alguém que eu não sei quem é, nunca vi, e que ousou dizer que eu estava bem mais sereno, ao contrário duma vez em que me viu em momento de descontração social em Lisboa, jogando às cartas, como se eu tivesse que estar sempre em vestes de poeta, ou assumir uma única figura rasamente unidimensional. Sorte a dele ter sido isto dito em momento de cervejada social, pois, noutro contexto, nem precisam de imaginar a resposta, que já todos a conhecem.

Voltando à besta fria, pergunto mais uma vez ao animal valentão, «muita macho», como dizia o Didi da série cómica brasileira «Os Trapalhões»: far-me-ás o favor de vazar o áudio, para, depois da minha pessoal justiça pela pena, seguir a dos homens, nos fóruns apropriados?

Como besta quadrúpede bestissimamente besta, ainda que titubeante ou assombrosamente falante, o lanudo de língua fedorenta tem uma ideia cavernícola da humanidade e da masculinidade e, como na sua cabeça de besta a afetividade não normativa ou dominante é um anátema, fez inaceitáveis insinuações homofóbicas, ao mesmo tempo que pensando-se protegido atrás do teclado, mas todo borrado daquilo que é a sua própria natureza, se afirmava repetidamente um valentão corajoso (quando cercado travestiu-se de suíno bem-educado) nem sonhando o bostífero perpetrador, ainda que escapasse do esterco um milhão de vezes, que coragem em latim é «virtus», literalmente uma virtude, suma e eminentemente ética, de nos obrigarmos a estar à altura daquilo que nos acontece, e que, por estes dias, é descer de nariz ferreamente tapado, mas de peito totalmente aberto, à imundície do curral, à fossa fedorenta onde vive um «mulo» de ideias, mas graças a deus muitíssimo matxu, para lhe ensinar uma lição à altura da besta sumamente recalcitrante e contumaz que jamais deixará de ser, ainda que na solidão da sua miséria aparentemente humana se sonhe mais do que a má raça de asno cruzado com bácoro, que não envergonha às limpas gentes do Maio, a esses não, mas apenas a cara escondida dos amos que o alimentam e periodicamente o soltam para fazer o trabalho de besta de aluguer, empestando com as suas proezas de descarado descabrestado, mas sempre albardado, o são convívio humano das gentes da ilha. Concedei-nos, deuses de todos os olimpos, a santa paciência para malharmos no súcubo pestífero, veramente nas suas próprias pobres, ainda que assombrosas palavras, uma repelente besta «inércional».

(Este é que são verdadeiros socos Mári(ad)o, que se desferem com apenas dois dedos segurando a pena, a cabeça limpa à altura das estrelas, e um sorriso de altivo desprezo no canto da boca que canta, mas também invectiva, esconjura e vitupera).

Terá o súcubo fedorento filhos? O que pensarão esses de um pai atolado em tais animalidades? Será que o desgoverno e a anomia das redes sociais legitima tudo a quem mesmo que saísse mil milhões de vezes do esterco, donde nunca deveria ter tentado levantar as bestiais orelhas, estaria à altura de nos dirigir um simples bom dia no seu zurrar ou grunhir de animal falante? Mas cabe a ti, leitor, o julgamento (depois da minha justiça pela pena) desse bicho que confunde zurrar com a naturalidade e a verticalidade de se ser gente.

 

P.S. 1: Falando em homenagem: justíssima a feita a Daniel Rendall, distinguindo-o com a Ordem do Dragoeiro, segunda classe. É, para mim, o maior compositor vivo deste país. Mas faltou distinguir Norberto Tavares, autor do monumental «Nôs Cabo Verde di Sperança». Não foi o momento de labanta brasu, mas de ter forsa na brasu para a edificação do dia seguinte. Alguns poderão ser tentados a entender que se deixou enredar nas sujas malhas político-partidárias, mas o momento era impactante, e ele deu o seu contributo como cabo-verdiano livre e consciente, como artista, naquele momento engajado. Stória e stória, como diz Betú, com relação a uma questão em que, pelo menos técnica e instrumentalmente, estamos em margens opostas.

Porém, faltou distinguir também os escritores de combate, que pugnaram e cantaram a independência, como Manuel Braga Tavares e outros. Porquê é que a música popular tem que enterrar tudo nesta terra, mormente a literatura, esse reduto duma ínfima minoria, onde se deu o primeiro desenho da pátria soberana, dos seus contornos futuros e do seu alicerçar num passado nem sempre glorioso, nela e não em qualquer outra arte, por mais popular que seja? Será isto sinal do nosso perpétuo desconcerto civilizacional?

P.S. 2: Amigo Germano Almeida, um jurista amigo comunicou-me que ensaiaste uma espécie de resposta ao meu texto, escrito para a história, como fiz questão de frisar. O Germano conseguiu responder numa semana a um extenso, complexo e meditado artigo (fora o sublime poema em língua cabo-verdiana, que tristemente ele não conseguirá ler verdadeiramente) que fervilhou mais de uma década na minha cabeça, até passar definitivamente ao papel.

Cada palavra, cada vírgula, cada nuance de respiração, cada modulação do entusiasmo ou da contundência foram pensadas até ao mais extremo pormenor literário. Por isso, não sei se a rapidez do Germano é bom ou mau sinal. Mas prometo ler a sua resposta, que não deveria ser dirigida a mim, mas aos cabo-verdianos que por si têm consideração. Lerei no sossego da solidão criativa, quando regressar a Portugal, ao meu exílio voluntário, a ver se há substância bastante ou necessária para a minha tréplica. Se nada houver de relevante ou substancial sobre a língua cabo-verdiana, então estamos definitivamente conversados, continuando a ser amigos, como antes do texto. Com a esclarecedora diferença de um claro separar das águas quanto à questão patriótica e civilizacional em pauta.

 

Cidade da Praia, 10 de Julho de 2024

 

José Luiz Tavares

Nasceu no dia de Camões, 10 de junho, em 1967, em Txonbon (cercanias do antigo Campo de Concentração), concelho do Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde.

Estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive em exílio voluntário, dedicado à sua obra.

Publicou vinte e dois livros desde a sua estreia em 2003, com Paraíso Apagado por um Trovão, que vêm pondo a nu a mediocridade do panorama poético cabo-verdiano, apesar dos seus inchados pergaminhos, via certo Caliban e outras mirabílicas misérias.

Em 2023 reuniu a sua poesia inacabada no volume Como um Segredo na Boca do Universo – Obra completa – Mente Inacabada, um tijolo de mil e quinhentas páginas, apropriado para entupir a boca dos seus inumeráveis, ainda que ocultos e merdosos, inimigos.

O seu último livro publicado Um Preto de Maus Bofes, é um acerbo ajuste de contas consigo próprio, com o mundo, a literatura, a morte, a glória e a posteridade.

É o escritor mais premiado de sempre de Cabo Verde.

Recebeu, no seu país e no estrangeiro, entre outros, os seguintes prémios:

Prémio Cesário Verde/CMO;

Prémio Mário António de Poesia/Fundação Calouste Gulbenkian;

Prémio Jorge Barbosa/Associação de Escritores Cabo-verdianos;

Prémio Pedro Cardoso/Ministério da Cultura de Cabo Verde;

Prémio de Poesia Cidade de Ourense;

Prémio BCA/Academia Cabo-verdiana de Letras;

Prémio Vasco Graça Moura/INCM;

Por três vezes consecutivas recebeu o Prémio Literatura para Todos, do Ministério da Educação do Brasil;

Prémio Ulysses/ The Poets and Dragons Society

e Bolsa Fundação Eça de Queirós.

Foi finalista duas vezes do prémio Correntes d’escritas;

Finalista do Pen Club Português;

Semifinalista do Prémio Portugal Telecom de literatura e Oceanos de Língua Portuguesa.

Os seus livros integram o Plano Nacional de Leitura de Cabo Verde e de Portugal.

Está traduzido para inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, mandarim, neerlandês, russo, finlandês, catalão, galês e letão. Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana.

Não aceitou, até agora, nenhuma comenda ou medalha.

Possui meia-dúzia de fervorosos amigos.

Deu coices e espera receber. Será um dia de alegria.

A ferros, fez uma filha que por si própria se fez gente.

É consumidor de cerveja, de preferência stout, em doses homéricas. Entrevê o seu lustroso futuro exatamente neste ramo, com previsão de risonha prosperidade.

Não é elo de nenhuma rede, social ou outra. Por isso vive clandestino na ditadura do mundo.

Quezilento ontológico (os pobres de espírito e curtos de verbo chamam-lhe arrogante, apodo esse que adotou como apelido), tem-se dedicado, no seu país, ao assalto e derrube de fortalezas, mistificações e subjugações culturais.

O neocolonialismo & o supremacismo linguísticos, pais do negacionismo glotofágico, são um dos seus alvos. As ratazanas literárias, outro. As flatulências políticas, outro mais.

É negro, mestiço arraçado de anjo, dizem uns. É o próprio diabo, asseveram outros.

Gostaria de ter asas, mas bastam-lhe as duas mãos, a boca e o cérebro.

Guardador de corvos, a sua arma preferida é a funda, embora não se ache um David, nem conheça qualquer Golias.

Anda o mundo inteiro a chateá-lo com o Prémio Camões, que é não glória, mas só pecúnia -- que vão chatear o dito e o deixem produzir a obra que há de ficar, ou não.

O seu último fôlego não há de ser um verso, mas uma libertadora imprecação mandando tudo àquela parte.

Que conste que quis por epitáfio: “voltarei para vos foder a todos, cabrões».

 

 

 

 

 

 

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