Governabilidade, legitimidade e accoutability
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Governabilidade, legitimidade e accoutability

Se o MpD tivesse tanta garantia que tem apoio popular quando desafiado na sua legitimidade por que não deixou o Governo cair e reforçar a sua legitimidade nas urnas com o mesmo número de cadeiras ou até aumentá-lo? Os ventoinhas estão com medo das urnas desde o susto que tomaram na votação autárquica para a Câmara Municipal da Praia, em 2020, e reforçado com a derrota do candidato que apoiaram a PR em 2021!

Nas democracias representativas os conceitos de «governabilidade», «legitimidade» e «accountability» constituem peças angulares do bom e regular funcionamento desse regime político.

Com efeito, a «governabilidade» é a capacidade dos Governos tomarem decisões positivas ou negativas num mandato. Essa capacidade pode ser expressa objetivamente através do número de cadeiras que um Governo tem de apoio no Parlamento – se o partido que o apoia tem maioria dos assentos parlamentares ou não, por exemplo, nos sistemas partidários disciplinados e ideológicamente definidos e com elevado nível de disciplina partidária como o cabo-verdeano ou, subjetivamente, quando se terá que contar a orientação de voto dos parlamentares quase que, individualmente, por causa da elevada taxa de indisciplina partidária e pulverização ideológica do poder Legislativo como, por exemplo, no Brasil, aumentando o nível de imprevisibilidade das decisões parlamentares em cada votação em pauta.

Quando se levou à Assembleia Nacional a iniciativa da moção de censura pelo PAICV, ao se fazer o retrospecto das principais votações de natureza política, tais como, votação dos orçamentos do estado, votação dos programas de Governo, moção de censura (2006), poderia se prever de antemão que o resultado seria a sua não aprovação por uma razão simples: o Governo suportado pelo MpD tem uma maioria de 38 deputados eleitos, em 2021, e assim foi o resultado da votação desse partido para chumbar a moção!

Ter capacidade para formar maioria parlamentar é um indicador de governabilidade para se contrapor ao conceito de ingovernabilidade quando o Governo fica imobilizado sem capacidade de conseguir votações de seu interesse no Parlamento por que é um Governo minoritário ou por ter perdido a maioria parlamentar, no meio do mandato, por exemplo, como acontece com frequência em Israel e na Itália.

Em Cabo Verde, desde a institucionalização do regime democrático nos anos 1990 até ao presente, jamais de colocou o problema da governabilidade uma vez que todos os sucessivos Governos contaram com suporte da maioria parlamentar num parlamento cuja disciplina partidária é elevada.

Quanto à «legitimidade» se define como “grau de consenso  capaz de assegurar a obediência sem necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos” (Dicionário de Ciência Política, Bobbio). A legitimidade é o resultado de um conjunto de variáveis em diferentes níveis e de maneira relativamente independentes, a saber,  comunidade política, regime político, Governo.

Num regime democrático, indivíduos, partidos e grupos políticos (grupos de cidadãos ou coligação de partidos) apresentam-se perante o eleitorado um conjunto de propostas político-eleitorais para, caso forem eleitos, implementá-las ao longo do mandato.

Cada concorrente a um pleito procura obter um máximo de consenso com o eleitorado que é expresso, formalmente, através do voto recebido por cada candidatura.

Ocorre que, naturalmente, como é obvio, que o nível de consenso conseguido, circunstancialmente, no momento da eleição e expresso pelo número de votos recebido é dinâmico e varia ao longo do mandato, podendo oscilar para cima ou para baixo.

Por exemplo, o MpD prometeu na campanha de 2016 criar 45.000 empregos durante o primeiro mandato e não cumpriu mas conseguiu a renovação de mandato em 2021 como se justificar isso?

Nas democracias, existe a manipulação do conteúdo dos consensos eleitorais conseguidos em cada momento: hoje o candidato ou partido promete algo e obtém um consenso maioritário, amanhã ao perceber que não conseguirá cumprir a promessa de ontem, inventa novos compromissos e novas promessas para conseguir novos consensos ou justificar o incumprimento, no caso em apreço, com a história de três anos de seca.

A legitimidade é fundamental numa democracia por que os Governos precisam de adesão às suas iniciativas e evitam, sempre que possível, o confronto com base na força para se impor, uma vez que, no limite, não existe nenhum Governo democrático que coloca a baioneta no peito do povo para obrigá-lo a obedecer-lhe.

Assim, no nosso contexto, o Governo do MpD quando confrontado pela oposição perante o incumprimento de suas promessas precisa recorrer ao passado e inventar projetos mirabolantes de 11,5 aviões, hub do Sal, economia digital etc para sustentar uma narrativa que lhe dê um conforto consensual mínimo com aparência de legitimidade.

A manutenção de consenso político de legitimação é dinâmico e varia muito, tanto o Governo pode manipular os consensos quanto a oposição pode fazer o mesmo.

Quando um Governo é levado a enfrentar uma moção de censura está-se a questionar essencialmente a sua legitimidade política nos seus diferentes níveis, no caso, ao nível parlamentar e ao nível da comunidade política (no eleitorado em geral).

Pelo resultado da votação, verificou-se que, ao nível parlamentar, o MpD conserva uma sólida maioria expressa pelo número de votos obtidos 38/72, porém, ao nível da comunidade política, dificilmente, conseguirá manter o mesmo apoio conseguido nas últimas eleições de 2021, caso as eleições fossem hoje e a tendência é se desgastar, politicamente, cada vez mais, ao longo dos próximos confrontos.

Em relação à «accountability», ou seja, a prestação de contas, os Governos em democracia têm a obrigação de se sujeitaram aos órgãos institucionalizados como o Parlamento e suas Comissões Especializadas para prestarem contas de suas atuações e, informalmente, à imprensa enquanto “quarto” poder.

Se o MpD tivesse tanta garantia que tem apoio popular quando desafiado na sua legitimidade por que não deixou o Governo cair e reforçar a sua legitimidade nas urnas com o mesmo número de cadeiras ou até aumentá-lo? Os ventoinhas estão com medo das urnas desde o susto que tomaram na votação autárquica para a Câmara Municipal da Praia, em 2020, e reforçado com a derrota do candidato que apoiaram a PR em 2021!

 

 

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